domingo, 13 de maio de 2018

Uma Mãe Menininha

Em seminário da SM da Saúde, 12/03/09
Maria de Jesus Andrade, ou Menininha de Pedro Severo, do Pé do Veado, era professora primária municipal (depois professora de religião, do Estado, no Murilo Braga), e foi a pessoa certa encontrada pelo Monsenhor José Curvelo Soares, então pároco de Santo Antônio e Almas, consequentemente presidente do CASCI-Centro Social Católico de Itabaiana, instituto que tem uma folha corrida extensa de serviços a Itabaiana, e que contou com próceres da sociedade itabaianense em suas diretorias, como Adelardo José de Oliveira, José Hênio Araújo, Francisco Tavares da Costa, José Queiroz da Costa, entre inúmeros outros. E Menininha, aliás, D. Menininha foi pilotar a Casa dos Estudantes por longos dez dos seus quatorze anos de existência da mesma como república estudantil.
A Casa do Estudante foi mais uma das instituições criadas pelo CASCI, com a finalidade de suprir um antigo sonho da Itabaiana esmagadoramente rural e agrária, portanto, com o advento de uma escola agrícola, que nunca saiu das intenções. Uma das últimas realizações do paroquiato do padre Arthur Moura Pereira, ficou latente sob aquele e sob o curto período do padre José Araújo Santos. Veio funcionar com destinação secundária, ou seja, de república estudantil, a partir da chegada do Segundo Grau na cidade, em 1970, decisão do Monsenhor Soares, animado pelos resultados positivos da Escola Técnica de Comércio, hoje CTP-Centro de Pastoral.
Ficava num sítio na periferia da cidade, na quadra compreendida entre as avenidas 13 de Junho e Manoel Francisco Teles, e as ruas Pedro Diniz Gonçalves e Quintino Bocaiuva, a do SENAC, Colégio Djalma Lobo, Secretaria Municipal de Educação e Energisa, que lhe ficam de frente. Dividia-se em três unidades, a saber, a Casa dos Meninos, o Refeitório, para ambos, a Casa das Meninas, único que estava dentro da cidade, na esquina da Avenida 13 de Junho com Quintino Bocaiuva, já com formação urbana, reconstruída e atualmente abrigando alguma coisa da Prefeitura. O resto, sítio.
D. Menininha chegou na Casa em 1973, Depois de malsucedidas gestões outras em bem conduzir três e até cinco dezenas de jovens e adolescentes, com os hormônios lá em cima e a rebeldia própria de quem está para o despertar da vida plena. Vinha de uma família interiorana típica, exceto no número de seus membros; religiosa, conservadora. De repente se viu diante de membros das mais estranhas tribos. Houve momentos da Casa contar com pessoas de 40 localidades diferentes.  Era muita diversidade! Solteirona, nunca sequer namorou, e de família pequena para os padrões da época, era de se esperar que a falta de experiência em lidar com tal diversidade público a conduzisse a rotundo fracasso; mas não.
Com sua personalidade explosiva, acelerava em dez segundos, ficando vermelha como uma pimenta, quando alguma coisa a contrariava; do mesmo modo desacelerava, e logo estava rindo com aquele sorriso quase infantil, porém sem jamais abrir mão da firmeza, dos princípios. Determinada, virou motorista de seu fusquinha azul celeste em 1977, numa época de raras motoristas por aqui.  Tinha prazer em servir.
Era só gerente da Casa, mas não raras vezes emprestou dinheiro aos seus pupilos, que por um motivo ou por outro a mesada atrasou. Era solidária até nas desilusões amorosas da garotada. Desde que não envolvendo membros “da família”. Nada de namoricos entre membros da casa. Tinha um faro exemplar pra evitar problemas e sabia muito bem do que era capaz a menor quantidade possível de pólvora perto da menor fagulha. Viveu cada momento da vida de cada um de nós que pela casa passamos nos dez anos que a dirigiu. Mais que uma gerente e até uma preceptora: uma segunda mãe.
Hoje, dia das mães, ao ouvir Maria Bethânia e Gal Costa cantando o clássico de Caymmi, Mãe Menininha do Gantois lembrei dessa passagem que me marcou. A Casa, no seu plantel feminino sempre possuiu exemplares que “olho ruim não podia ver”. Meninas belas, meigas, o que elevava a testosterona da macheada, só de nelas pensar. Mas o controle era rígido: terminou a refeição, único momento de congraçamento sob os olhares vigilantes de D Menininha e sua fiel escudeira, Zefinha, logo vinha a ordem: todo mundo se recolher aos seus aposentos. Mas a inteligência é criativa. No princípio do segundo semestre letivo de 1975, de repente resolvemos fazer uma serenata para as meninas; e aí, a galera chegou no pé do murinho na delas, já sabendo que viria bronca de lá pra cá. Tombeira (nome de guerra de Antônio Beltrame), adolescente, mas já era baixista no conjunto Musical Embalo D, de Nossa Senhora das Dores, à época um dos melhores do estado - e era, claro, o nosso artista - no violão; Fernandão, Eduardo, Aluísio, eu, Valtênio, e outros a cantar. De repente a luz acendeu no interior do casarão! Já esperávamos mas.. era ela, D. Menininha.
De imediato a música mudou. E entoamos em coro a Mãe Menininha do Gantois. Nem sequer atinamos que poderia ter efeito inverso, já que D. Menininha era católica tradicional, e a música louva, de certo modo, ao candomblé. Qual nada! Uma cara sorridente apareceu na janela que se abriu, para, mesmo por trás de um belo sorriso ditar a firme ordem: "vão dormir, meninos. Já está tarde viu?"
Fechou a janela. E satisfeitos saímos cantarolando a Mãe Menininha do Gantois pelos cem metros de estrada que nos separava, com aquele sorriso típico de mãe em nossas mentes para mais uma noite de sono.
Saudades!