quarta-feira, 2 de novembro de 2022

FEIRA DO LIVRO DE ITABAIANA E SERGIPANIDADE.

 

Na natureza, nada se cria e nada se perde; tudo se transforma. (Lavoisier)

Verdade implícita no tempo e no espaço. Na natureza das coisas. Tudo provem de um princípio subjacente.
A partir de sexta-feira, 04 – e até o domingo, 06 - transcorre em Itabaiana, nos corredores do Shopping Peixoto a II FLI – Feira do Livro de Itabaiana. É, de fato, um aquecimento para a V Bienal, prevista para o próximo ano; e um poderoso conservante e estimulante aos produtores de literatura e cultura em geral, no estado. Centralizada no pequeno estado de Sergipe, e com vias de acesso em boas ou ótimas condições, “a encruzilhada” Itabaiana se constitui, não somente na cidade que vai até todo canto pelas mãos de sua enormidade de feirantes, ou atrás de um volante, na sua exponencial rede de serviços de transportes de passageiro, ou caminhoneiros, como também se firma cada vez mais como polo de atração, especialmente do ponto de vista cultural desde as décadas passadas. O próximo fim de semana promete, pois.
De fato, não comentado ou explicitado, o evento acaba por comemorar a maior e mais emblemática data na construção da sergipanidade: A REBELIÃO DOS CURRALEIROS, ocorrida em 5 de novembro de 1656.
A Rebelião teve origem nos campos de Itabaiana, então o maior centro pecuarista do ainda nascente Brasil, com foco no fornecimento das duas mais ricas capitanias da então colônia portuguesa – Bahia e Pernambuco – e de subprodutos, o couro, em especial, à enorme frota marítima comercial portuguesa e sua fome incessante de cordas de couro para manter as velas das inúmeras naus no ponto. O couro ainda era o meio especial para embalar o fumo com o qual o comércio marítimo tinha quase metade do lucro obtido com o açúcar.
Os motivos dela foi o desconsiderar do status sergipano de capitania independente, que levava a câmara de Salvador a cobrar impostos nos campos de Itabaiana, e da produção fumageira lagartense, sendo que isso deveria ser feito apenas por São Cristóvão.
E aí viriam séculos de insatisfação e revolta; contudo, até o decreto real de 8 de julho de 1820 muito água rolou por sob a ponte.
Desde a conquista de Sergipe, terminada com a batalha da serra do Pico (fronteira dos atuais Frei Paulo, Macambira e Itabaiana) que, Itabaiana tinha se tornado um imenso curral de gado entre suas serras, e ao mesmo tempo foco da mítica prata de Melchior Dias Moreia (Caramuru, em tupi). Ao mesmo tempo, os novos donos da terra, depois de tomadas aos índios as tinham para arrendar; deles que sequer vieram ao Brasil. Os arrendatários, apropriadamente denominado de Curraleiros, pela saudosa historiadora Maria Thétis Nunes, às suas próprias custas levantaram a igreja de Santo Antônio, no depois povoado da Igreja Velha, buscando o reconhecimento das autoridades sancristovenses, nomeadas pela Bahia, inclusive do seu arcebispado, o primaz do Brasil. Sem êxito.
Metade dos curraleiros viviam na cidade, ou seja, em São Cristóvão, que era de uma penúria pra lá de franciscana. A outra metade preferiam viver junto à sua vaqueirama e seus currais. Nenhum benefício. Nem a São Cristóvão, cuja matriz só veio a ser concluída em pedra e cal ao fim do século XVII; muito menos permitir uma povoação em Itabaiana ou Lagarto.
Faz-se necessário lembrar, que um dos motivos de status era, ao morrer ser enterrado dentro de uma igreja. Cemitério era pra pobre; e especialmente para escravo.
Mas os cobradores de impostos não arredavam o pé.
No início de 1654 foi nomeado Manuel Pestana de Brito para governar a capitania, como Capitão-Mor, obviamente. Soldado português, Pestana de Brito acabara de sair das lutas em Pernambuco, que expulsaram os holandeses. Veio cheio de moral. Mas era completamente de fora do esquema da Câmara de Salvador (a Bahia de então era toda um só município, como Sergipe), quem mais se beneficiou com os impostos do gado sergipano.
Chegou e encontrou uma pilha de reclamações não resolvidas, de proprietários, vereadores ou não, de São Cristóvão, quase todos sobre impostos sobre o gado; e uma cidade, de fato alguns casebres de taipa reconstruídos por sobre os mais antigos, incendiados pelo Conde Bagnoulo, comandante da resistência contra os holandeses de Nassau, dezessete anos depois. E cofre zerado. Ele próprio com o salário pago pela Câmara de Salvador, e não pela de São Cristóvão, nem sempre em dia, tratou logo de alugar terras em Itabaiana (talvez Campo do Brito venha daí; mais isso é somente especulação sem fundamentos em documentos), e passou a criar gado.
Passou dois anos sob pressão, sendo demitido ainda por duas vezes antes de o ser em definitivo em 1657, quando foi preso.
Num ato de desespero, possivelmente para ver se levantava o governo português em Lisboa da preguiça em resolver o contencioso, claramente apoiou, talvez até estimulou a invasão de São Cristóvão no dia 5 de novembro de 1656. O que veio depois foi a tradicional e ibérica punição exemplar – exageradamente e injusto, viciada - com prisões em massa a ponto de tanto desorganizar a produção de carne e couro que a advertência veio da própria rainha regente para que aliviassem o punitivismo exacerbado. O “lawfare”. Era tarde demais.
Sergipe baixou a cabeça, dobrou os joelhos, mas jamais o espírito.
A II Feira do Livro, mesmo que não cite a importância da data - de fato só começada a ser estudada pela professora Thetis Nunes, com a feliz concorrência do levantamento na Torre do Tombo de documentos, pelo professor Lourival Santos - ocorre exato naquela data que, na minha modesta opinião se constitui no ponto máximo da construção da sergipanidade.
Que venham sexta, sábado – o grande dia - e o domingo.
Nossos parabéns à comissão organizadora, nas pessoal dos guerrilheiros literários, Domingos Pascoal e Antônio, o Saracura que não quis “ser ‘pade’”; e sim “’pade’ ser”.