terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Bateu saudades!


Pra mim, garotão de meus oito anos, vir à cidade aos sábados, dia de feira livre, era um momento mágico. Em cima dos paus-de-arara, já que marinete naqueles tempos, em que já chamavam de ônibus, eram raras, caras; coisa de rico. Não importava se o pau-de-arara era o do vizinho Wilson de Feliciano, ou de Dúi, Zé Palá, Mané da Onça, Toínho sete dedos, ou mesmo Bandeirola. Tempos depois alguns destes foram substituídos por Neemias, irmão de Wilson, e por Jadiel, este, ainda mais vizinho.
A cidade encantava. Logo à chegada, o pomposo Colégio Estadual Murilo Braga, onde eu suspirava de vontade de nele estudar. Não via a hora de terminar o Primário pra realizar este sonho. Em seguida, o Hospital Regional Dr. Rodrigues Dória, bem de frente à Praça da Bandeira, e ali pertinho, o badalado posto de saúde do SESP. À medida que o caminhão mais adentrava o Centro, iam se sucedendo: o Grupo Escolar Guilhermino Bezerra; a Praça João Pessoa, e, nela, o Cine Santo Antônio. Daí, então, era descer do caminhão ali mesmo, na Praça, andar uns cem metros e entrar na feira com suas tradicionais barracas a vender de um tudo; seus cantadores, emboladores, vendedores de livretos de cordel que, claro, tinha que anunciá-los, recitando alguns versos de forma típica, trovadores com suas violas, vendedores de garrafadas, pílulas e pomadas que curavam tudo, até "aquela doença" (a expressão era seguida de benzimentos e se referia ao câncer); pedintes criativos, muitos deles malandros profissionais; bandinhas de forró, microcircos de rumbeiras, obviamente escondidos do público, em geral por providencial empanada; um mundo lúdico, em que pese carregado da realidade daqueles tempos.
Eu sempre vinha com a minha mãe. Que sempre dava um jeitinho de arranjar um tempo para ir até a Matriz de Santo Antônio; no mínimo, fazer uma oração. No trajeto, entre a feira e a Matriz, pela Rua da Vitória, há tempos rebatizada de General Siqueira, porém, ainda reconhecida pelo antigo nome, também passávamos pela Rua 13 de Maio, logo, em frente ao Cine Teny, que já fora Popular, e tempos depois retornaria a esta denominação, assim permanecendo até sua morte derradeira. Aí vinha a Prefeitura, a majestosa Praça Fausto Cardoso, que sempre resistiu, gloriosamente, às tentativas de deixá-la feia, e por fim a Matriz. A tudo meus olhos de moleque curioso se fixavam. E, claro, não poderia deixar de notar as várias tabuletas colocadas em várias esquinas movimentadas, anunciando o filme da noite, em geral, no Cine Santo Antônio. Ah, que vontade eu tinha de ver aquilo! O pessoal que chegava de São Paulo e de Salvador sempre falava na televisão, uma espécie de rádio onde as pessoas apareciam como se numa fotografia, em movimento, claro. Minha mãe sempre me falava de uns pouquíssimos filmes que tinha assistido no cinema, tentando me passar a ideia de como era. Reclamava apenas dos olhos ardendo, coisa que somente anos depois vim saber-lhe os motivos: a readaptação do olho à visão do movimento virtual das imagens; aos vinte e cinco quadros por segundo, que nos dá a sensação de movimento real, mas que de certa forma o olho não treinado sente. Observando fotografias de minha cidade daquela época, nas quais, aspectos, como as tabuletas aparecem, este filme percorre a mente, enchendo-me de saudade daqueles tempos, hoje tão simples.