segunda-feira, 20 de março de 2023

SÍMBOLO EM QUEDA

 

Arriscaria dizer que noventa e nove por cento das cidades e outras povoações brasileiras com mais de cinquenta anos se formaram em torno de uma igreja, seja ela uma capela tosca ou uma já bem apresentada matriz católica.
Com o povoado Mangabeira, sul do município de Itabaiana não foi diferente. Uma pequena quadra, de pouco mais de 1 hectare de tabuleiro, típico de cerrado, com algumas árvores retorcidas de sambaíba, ganhadores, e, principalmente mangabeiras, e que se destinava a ser a pequena malhada, gleba de terra, herança da minha tia Jorgina do Espírito Santo na parte que lhe coube pela morte de minha avó paterna, Maria Evangelista dos Santos, de um sítio que teve a metade dividida entre os então onze irmãos que compunham a família de José Frutuoso Bispo, Zé de Bomfim do Forno.
A capelinha teve o momento simbólico da sua cumeeira içada a 12 de julho de 1950 e já estava pronta para o novenário dedicado à Santa Ana, cujo Dia Santo (Holyday, como dizem os anglo-americanos), no dia 26 do mesmo mês. Fruto do esforço de toda a comunidade, coordenado por meu pai, Alexandre Frutuoso Bispo, Martinho Bispo dos Santos (Martim de Cuta), e Martins Pedro da Conceição (Martim do Forno).
Foi o produto inicial da primeira noite de rezas, que seria um mero pagamento de promessa da minha avó, então recém falecida, e que acabou num novenário a Santa Ana, sugerido por Josefa da Cruz Santos, Zefinha de Gerino, porque casada com Angelino Conceição Santos, rezada na residência do meu avô, hoje um sítio à direita de quem entra na povoação, depois de percorrer os 2,8 quilômetros de acesso a partir da BR-235. No ano seguinte, 1949, não houve; porém começaram as articulações, não apenas para um segundo novenário; mas para construir uma capela que abrigasse, doravante, toda a vida religiosa do povoado.
Foi erguida numa saliência de terra, à beira da estrada das boiadas do Lagarto à Laranjeiras. Pequenina; menos de seis metros de largura e quase nove de comprimento; duas portas laterais simples; uma frontal também, com a diferença do arco a encimando.
Dela preservo na memória os benditos cantados à capela, voz alta, sempre bem afinado pelas jovens e senhoras, a acompanhar os atos religiosos, quase sempre desprovido da presença do sacerdote, à época, o pároco de Nossa Senhora da Boa Hora, do Campo do Brito. A quem a capela pertenceu até meados dos anos 1960.


Mas, em 1970 houve mudança. A acanhada capelinha já não cabia todo mundo. Ali, sobre a liderança de um filho do pioneiro Martim do Forno, Angelino Conceição Santos (Gerino) foi começada a então nova capela que ficou pronta em 1973, possivelmente logo depois da Missão no povoado, conduzida pelo Frei Celestino e com a forte liderança de uma irmã portuguesa, recém chegada à Itabaiana, a Irmã Luciana Correia Quaresma e mais duas auxiliares da mesma congregação franciscana. Quanto à capelinha foi demolida em fins dos anos 80 por desuso; falta de recurso em a manter simbolicamente de pé; e principalmente pelas rachaduras que lhe ameaçavam e consequente perigo representado a transeuntes.
A nova capela, então estava em pleno vapor.
Dela saiu a maravilhosa ideia há mais de dez anos, de representação da Paixão de Cristo, na Sexta Santa, que tem reunido a comunidade em peso e circunvizinhos; além de turistas de todo o município e além, para deliciar-se com as cenas interpretadas por agricultores, pequenos comerciais e prestadores de serviço, estudantes e outros.
Dessa apresentação, a administração municipal de Itabaiana conseguiu captar recursos junto ao Governo Federal, mediante o Ministério do Turismo, e, em maio de 2010 deu início àquela que viria ser a maior transformação do povoado, desde a sua fundação, com capela, Escola Rural e praça/campo de futebol em 1950.
O povoado existe desde que pelo mangabeiral passou o exército de Nassau, comandado por Sigismund van Schoppe, em 1637, para pegar gado na Itabaiana e descobrir a prata no Gandu, ou talvez na Serra das Minas (Campo do Brito); contudo, sua forma urbanizada somente surgiu em 1950.
Mas a obra só ficaria pronta em 2014, dotando a Praça Alexandre Frutuoso Bispo de um anfiteatro à la grega e excelente quadra de areia.
Junto com os benefícios na Praça veio também a pavimentação das vias urbanizadas do até então tão esquecido povoado. E com ela, o reconhecimento, mediante leis municipais, de alguns dos principais construtores de tudo que no povoado se encontra: Lei 1781, Rua Antônio Martins Fonseca (Antônio da Mangabeira); Lei 1780, Rua Erivaldo Cruz (Edi de Zé Roque); Lei 1778, Rua Angelino Martins Santos (Gerino de Martim); Lei 1775, Rua Martinho Bispo dos Santos (Martim de Cuta), entre outros.

 

A capela, simples, mas, charmosa e acolhedora, na medida certa recebeu até apresentação da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, na noite de 22 de setembro de 2018, configurando como centro cultural e religioso do povoado.
Porém, na última terça-feira, 14 de março, recebi uma mensagem do amigo e professor Josivaldo Freire, residente no povoado que a capela veio abaixo, impulsionada pela retroescaveira. E a seguir, a amiga Marlene, filha do segundo construtor, Gerino, me enviou uma foto, já dos entulhos sobre o que foi seu piso. E por fim, meu primo carnal Gilson me enviou os vídeos da derrubada.
Confesso que doeu. Há uns dois meses eu passei rapidamente ao seu lado, e me parece tudo bem; mas foi alegado que a estrutura, a exemplo da capelinha construída por meu pai, estava agora comprometida por rachaduras. Que seja; mas, repito, que dói, dói ver palco de tantos sonhos e júbilos ir abaixo em minutos.
Neste ano, a base do grupo teatral amador para a Semana Santa está comprometida, em que pese toda a demais estrutura permaneça de pé, especialmente a tenacidade desse povo trabalhador que se vê com facilidade, ou na labuta diária, ou em fins de semana; nunca de porta em porta ou nos bares, em dia de trabalho.
Que se construa uma nova capela na Mangabeira – a terceira. E que a mesma, mesmo que não demorando como a de Santa Sofia, em Istambul, Turquia, e construída pelo Imperador Constantino, seja ao menos como a primeira em Itabaiana, de Santo Antônio (Igreja Velha); ou a segunda (a atual Matriz), com respectivos 400 e 259 anos.


No dia 22 de setembro de 2018 me foi dado o privilégio pelo Maestro Valtênio Souza e pelo confrade Rômulo Oliveira, então presidente, da vetusta Sociedade Filarmônica Nossa Senhora da Conceição de apresentar para a minha terra um concerto musical dentro da aconchegante capela. E, meu sonho, inconfesso até agora, de presenciar uma novena, ao velho e tradicional estilo, musicada e com coral de uma noite de reza à Senhora Santana, executado pelos próprios moradores ainda está de pé. Se foram competentes para uma maravilha como a da Paixão de Cristo, acredito que também seja possível um coral, e ao menos um quinteto de cordas a acompanhar.

Sonhar é preciso!