sexta-feira, 22 de abril de 2022

22-04: A POSSE DE PINDORAMA

 


Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

 

O nascente imperialismo espanhol trouxe um genovês de nome Cristóvão Colombo, de Gênova, obviamente, segundo maior porto italiano da Renascença, a 120 km respectivamente de Turim e Milão, a 140 de Pisa e 200 da Florença dos banqueiros Médicis, a América, segundo maior continente da terra. Porém, a América era completamente desconhecida da Eurásia e África até aquele 12 de outubro de 1492.
Era mais uma etapa na luta entre a fome imperial de Izabel de Castela e a fome de mercados dos comerciantes portugueses, reeditando os reis e seus súditos de Tiro, Sidon, Biblos e outras cidades-portos da Fenícia, 2.500 anos atrás.
Castela contou com o financiamento do saque feito aos judeus, a quem os queimou na fogueira usando o ardil da pureza religiosa cristã lhes tomando tudo, até a vida; Portugal somente teve a astúcia do rei e coragem de seus marinheiros; coragem essa estimulada pelo medo da fome imperial de Castela que o tempo inteiro lutou para submeter também Portugal, como já fizera à Galícia, berço original do reino português.
Há controvérsias de ter sido o Brasil descoberto em 22 de abril - há, portanto, exatos hoje 522 anos - em relação a viagem de Pinzon até Pernambuco, em 26 de janeiro de 1500.
Pessoalmente acredito em mais outra: a passagem de Vasco da Gama em fins de agosto de 1497. Acredito que Cabral aportou em 22 de abril apenas para solenemente tomar posse de terras já descobertas por Vasco da Gama; e confirmado pela marinha adversária espanhola em 26 de janeiro, quase três meses antes através de Vincente Yañes Pinzon.
Mas, Vasco da Gama era um comerciante com um objetivo: chegar à Índia, se encher de mercadorias exóticas para a Europa, retornar e ficar rico: ele, o rei e o próprio reino português, com isso evitando a sujeição gananciosa fome imperial espanhola. E não parou para ver um pouquinho do Brasil. Talvez nem tenha descido de sua caravela. Ou talvez tenha descido, explorado e não registrado. São mais de 3 meses, entre o dia 28 de julho, nos Açores, até atingir a Angra de Santa Helena em 4 de novembro (1497), atual costa atlântica sul-africana, descrevendo um arco pela costa brasileira. Se o foi, ficou sem registro.
O comércio é o topo das relações humanas em termos de economia. O lucro consentido, convencido em penosas negociações. Uma arte; a mais difícil arte. A de convencer alguém de estar tendo vantagem pagando por algo. Foi através dele que apareceu a contabilidade, e por esta a escrita. E foi aproveitando a escrita que os fenícios inventaram o alfabeto. Foi também o comércio que levou a comunicação em forma de transportes e os fenícios foram os primeiros a espalharem a civilização através do intenso comércio. Mas é da natureza do comerciante a autoproteção contra a fragilidade do convencer, vender e receber o que o torna forçosamente egoísta, precavido, cuidadoso, extremamente focado. Não dado a qualquer tipo de aventura por mera curiosidade.
Os fenícios espalharam a civilização; mas até o nome pela qual é conhecido seu país – Fenícia – foi dado pelos gregos. Estes, os gregos, aproveitadores de primeira linha aprenderiam quase tudo da civilização com os fenícios e seriam os responsáveis oficiais por tudo que temos no Ocidente. Até hoje, uma mistura justo daqueles dois povos que se reformularam logo após o colapso da civilização da Idade do Bronze, cerca de 3.200 anos atrás: fenícios e hebreus, aproveitados pelos gregos.
Os portugueses repetiriam a fórmula dos fenícios: dariam o chute inicial para o fim da Idade Média, há sete séculos; mas logo de saída teria a belicosa concorrência espanhola; a seguir ganhariam também a concorrência mais profissionalizada da Holanda, que inspiraria a Inglaterra e o mundo anglo-americano atual... que manda em tudo.
E a nós, o que restou dos grandes daqueles feitos dos séculos XV e XVI ainda continuamos entre a dúvida ou os arroubos; salvo por pequenos lapsos de tempo, nada, seriamente. 522 anos depois de oficializados como terra civilizada.
Mas, tudo se pode resumir aos dois versos do grande Fernando Pessoa, em destaque ao início.
Quanto ao que tivemos nestes cinco séculos e ao futuro? Lembro o almirante Tamandaré, depois da amarga despedida, ao presenciar a nau do exilado Imperador D. Pedro II distanciar-se na Baía de Guanabara, em direção ao estrangeiro e seu comentário aos demais oficiais que o acompanhou na despedida:
“O que está feito, está feito meus amigos. Vamos agora cuidar de mais engrandecer o Brasil”.

terça-feira, 19 de abril de 2022

PRAZER, APARENTEMENTE BANALIZADO

 

Estampas Eucalol: brindes culturais que vinham acompanhado aos sabonetes Eucalol, entre as décadas de 1940 e 1960, com informações sucintas, porém de alto nível.  (Acervo do saudoso José Elson da Silva Melo)

Viajava o mundo inteiro
Nas estampas Eucalol
Na sobra do abacateiro
Ícaro fugia do sol
.
(Estampas Eucalol, grav. de Xangai)

Ler, mais do que tudo é viajar.
A tecnologia do viajar no presente, passado e futuro está no grafar; não em hipotéticos tubos magnéticos à velocidade da luz – os buracos de minhocas – ou outros mecanismos físicos, porém, no imprimir pensamentos. Uma maravilha. Nunca, jamais terá algo tão grandioso à natureza humana como aprender a ler. Repito: aprender a viajar no presente, no passado e no futuro, projetado pelo escrevemos ou lemos.
Tenho profundo respeito por aqueles que vieram antes, e que deixaram seus conhecimentos como indeléveis heranças, com as quais nos beneficiamos hoje.
Antes de qualquer programador inventar o mecanismo da computação dos pares de zeros e uns, grosso modo falando, os bites, há seis mil anos que curiosos contadores de grãos da Mesopotâmia a conta-los e grafá-los, usando a alegoria de uma espiga de cevada, depois evoluída para o complexo jogo e representações de sementes nos presentearam com a escrita.
Na foz do Nilo, as intenções bajuladoras dos serviçais do primeiro faraó, evoluiria para algo bem mais complexo, depois aproveitado pelos cananeus, especialmente pela mais inventiva das suas tribos, os fenícios, e nos traria o alfabeto: a revolução na comunicação.
Corte rápido no tempo para meados do século XX, quando na segunda metade eu nasci.
Eu fui um comedor de livros. Na minha quinta série, ex-primeira ginasial, eu cravei 6 notas máximas em Geografia, um nove e meio e um nove. É que se tornaram leituras preferidas, naturalmente prazerosas, os livros de ciências em geral; especialmente de Geografia. Em 1973, após a conclusão do quarto ano primário e antes de ingressar na dita quinta série do Colégio Estadual Murilo Braga eu já lera e relera em todo, os livros de Aroldo de Azevedo pertinentes ao antigo ginasial. E por que Aroldo de Azevedo? Porque eu amava ler e livros estavam começando a se popularizar; mas ainda tinham certa raridade. Logo, o que eu pegava, não me escapava; ao menos com uma rápida leitura
No último domingo, em visita ao meu amigo, o professor Taurino Duarte, durante o papo sentimo-nos acuados.
Taurino, desde o primeiro ano de faculdade de História da Universidade Federal de Sergipe ingressou numa atividade paralela, qual seja a de comercializar impressos, especialmente livros para financiar seus estudos e não mais parou, sendo até hoje referência em descobrir títulos antigos, e em divulgar lançamentos. Obviamente também enveredou pelas mídias eletrônicas. Mas vem celeremente perdendo mercado.
Fizemos as contas da realidade dos acervos, por cima, nossos e de alguns amigos: beira a loucura, tal a quantidade de títulos e pouca disponibilidade, quer para ouvir música, assistir vídeos ou ler. Saturados de tanta informação, mesmo tendo dispensado canais de TV, emissoras de rádio ou mesmo internet, deles, reduzindo o acesso a próximo de zero. O problema atual não é conseguir, mesmo em se tratando de artigo de qualidade superior; é conseguir tempo para se deleitar, mesmo para dois aposentados nós dois. E começa a saturar.
Isso me leva à lembrança de outro amigo: Adelardo Oliveira Filho ou Adelardinho.
Por volta de 2003, fazendo corretagem para a Revista Perfil, empacou numa cota de publicidades. Obviamente que com publicação bombando, a direção começou e pressioná-lo a mais vender, com as naturalmente mais gordas comissões, também resultados para a revista. Honorino Jr, o diretor da revista é de um tipo raro de empresário: ele sabe ganhar dinheiro; mas continua um senhor designer, um grande artista. Percebeu que havia folga no mercado para mais publicidades, mas preferiu não apertar demais. Em conversa comigo sugeriu que, eu que lhe tinha apresentado Adelardinho com esse conversasse. Explicação de Adelardinho para se manter irredutível: Eu ganho dinheiro para curtir meus CDs, compro e quero ouvi-los; tenho cerca de cinco mil... se não ouvir ao menos três horas de música por dia... pra que vai me servir o dinheiro?
Ri, Junior também, quando lhe contei o resultado, e Adelardinho, cinco anos depois faleceu de um infarto fulminante, rebelde como sempre “sem combinar com ninguém”, surpreendendo a todos. No prato do CD player, contou-me o amigo em comum Jeová Santos, o antológico Dark Side of the Moon, do eterno Pink Floyd.
Enfim, nossa geração foi de vencedores. Muitos de nós vencemos a fome ou ameaça dela; um pouquinho mais venceu o analfabetismo e a sub formação, mas principalmente matamos a fome de saber. Contudo, já de um bom tempo que nos vêm a pergunta do Caetano em 1969: “Quem lê tanta notícia?”
Livros, revistas, jornais, panfletos, músicas que se grava, inclusive muito bem gravadas - outro dia peguei uma pequena do grupo Urublues... formidável – vídeos a três por dois, e de qualidade... a internet a tecnologia digital pôs tudo a nossa disposição. Mas não conseguiu espichar o tempo.
Da forma que tanto tivemos que driblar a carência, a não muito tempo, temos que ser bastante seletivos e pacientes para nos desvencilhar da enorme montanha de lixo que nos dispuseram de uma hora para outra, e até com a própria qualidade, tal a abundância dela.

Não faz muito tempo, quando desapareceram os almanaques, meios de leitura ainda eram raros e somente impresso, como o almanaque Sadoz, de 1984; e preciosos, como a famosa Crestomatia, de 1944 (Idem José Elson)