quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

PIOR DO QUE NA SELVA


No Brasil, com 210 milhões de habitantes, em 2018 se matou mais, houve mais assassinatos (59.080) do que em toda a Europa, América do Norte, norte da África, Oceania, China e leste-sudeste asiático... 53 países, (59.012), com 3.246.100.000 (três bilhões, duzentos e quarenta e seis milhões) de habitantes, juntos.
MAS NÃO FOI SOMENTE EM 2018!
Todos os anos vem acontecendo isso há pelo menos 20 anos, quando as estatísticas ficaram menos imprecisas.
Uma perguntinha: depois de pelo menos 20 anos de mata-mata... MATAR BANDIDO resolve problema de uma sociedade violenta? Todo o ano, mais de vinte mil vão pra “cidade de pé-junto”. E só faz crescer. Então... MATAR resolve?
Não está na hora de pensar em coisa mais criativa e trabalhosa pra reconquistar nosso direito de trabalhar e viver sem tanto criminoso atrás?

domingo, 24 de novembro de 2019

PEGADAS DO PASSADO.

Um povo de sina de estradeiro e boiadeiro.

Pelo caminho por baixo desse pórtico muita carne passou nos séculos XVII e XVIII rumo a Salvador e Recôncavo em geral. Simbolicamente, a fazenda que hoje está no local, cria gado e ostenta a figura da "rês", o bem  representado pelo boi.

Agora, ao meio dia, devorando o meu quinhão de suculenta carne do azarado boi que ‘deu’ a vida pela comemoração do cinquentenário do Rotary Club de Itabaiana;  observando que ao redor, apenas dois dos fundadores presentes: Francisco Tavares da Costa, o Fefi, e Mozart Fonseca Oliveira se fizeram presentes (dos oito, dentre os trinta iniciais, que ainda restam vivos), e alguns velhos visitantes como o companheiro de rádio, Carlos Magalhães.
Aí, a mente resolveu retornar mais no túnel do tempo e lembrar que o espaço da festa, um colossal galpão preparado a caráter para esse tipo de evento na Fazenda Brinco de Ouro, hoje já no subúrbio oeste da cidade, e em cujo pórtico está majestosa e simbolicamente colocada a estátua de um touro está simplesmente à margem direita da multissecular “Estrada das Boiadas para a cidade da Bahia”, também chamada de Caminho do Sertão do Meio, e que, ao menos por um século, ao nascer de Sergipe foi o caminho natural para então capital do Brasil colônia.

Apenas traços, só observáveis a partir do alto (linha tenuemente avermelhada) atestam que foi por aqui o primeiro corredor de exportação de Itabaiana.


A estrada começou a desaparecer ainda no século XVIII, com a queda de importância do gado de Itabaiana para o abastecimento de Salvador. O trecho em questão, sofreu forte abalo quando foi instalada a Paróquia de Nossa Senhora da Boa Hora em uma nova povoação, ficando a antiga com o nome de Brito Velho; mas a pá de cal mesmo veio noventa anos depois, com a construção, em 1936, da primeira estrada de rodagem para a agora cidade de Campo do Brito. A partir daí o velho caminho das boiadas entrou desuso, levando os proprietários das terras adjacentes a fechá-las para uso particular, como já o notava em 1817, José Teixeira da Matta Barcellar em breve história sobre Sergipe, e referente ao trecho marginal ao Rio Vaza-Barris, hoje municípios de São Domingos e Lagarto:

“As estradas que por esta Commarca passaõ de Pernambuco pª  a Bahia he hua que passa pelo termo da Villa do Lagarto, e outra já pouco cultivada, que passa na Villa de Itabaianna, ambas distantes d’esta Cidade doze legoas; a pezar de q. alguns viajantes se dirigem á esta Cidade por estradas particulares, e seguem o seu Caminho pela Costa do mar.
(...)
No termo desta Villa [Itabaiana] não há povoação alguma; nem estrada que se possa chamar principal, pois huã que havia chamada Real, e q.~ descia do Norte pª o Sul, hoje está quaze sem uso, e os seus moradores caminhando p.r estradas particulares se vão incorporar a estrada Real que se dirige da Bahia á Pernambuco no sítio dos Campos, termo da Villa do Lagarto, distante doze legoas d’esta Villa da qual á rumo do Sudueste (...)”


BARCELLAR, Jose Teixeira da Matta in Relação abreviada da Cidade de Sergipe D’El Rey, povoaçõens, Villas, Freguezias e suas denominaçoens pertencentes á mesma Cidade, e sua Com.ca. Sergipe, 08 de maio de 1817.


segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Fim definitivo de boato.


A década de 70 foi de profundas transformações por aqui. Começou com os bailinhos - para a nascente classe média e seus autoconfiantes jovens - e terminou com a consolidação da TV, a ditar as mudanças radicais de comportamento. E ai seus aspectos, vezes toscos, esdrúxulos, nem sempre indolores.
Garotas menos prendadas economicamente e mais esquentadas passaram a ser poços da malícia coletiva, em uma cidade adolescente, apesar de em 1975 ter feito o 300º (tricentésimo) aniversário.
E uma das maldades que muito testemunhei era alguém, especialmente do sexo feminino e em meio à uma contenda baixar o nível e mandar a outra pro fundo do cemitério.
O fundo do Cemitério de Santo Antônio e Almas, então desabitado e escuro era onde, diziam, ocorria coisas do arco da velha em matéria de licenciosidade nos costumes.
À abertura da Rua Manoel Domingos Pereira seguiu-se a sua natural expansão urbana com moradias, ainda na travessia dos anos 70 pros 80. A lenta pavimentação avançou pelos anos 90.
Enquanto isso, Itabaiana triplicou de tamanho, perdeu seus dois cinemas com a chegada do vídeo K7; e ganhou um invejável parque moteleiro, que no Brasil tem finalidade, senão diversa, mas bem diferente dos Estados Unidos. Fazendo assim morrer os inferninhos. Até mesmo os barezinhos de encontros típicos do sexo comprado, desapareceram.
Agora, quase cinco vezes o que era em 1970, como uma pá de cal no ex-ponto de esfregões do fundo do Cemitério, há dois meses a Prefeitura asfaltou a via, que larga e estratégica, logo se converteu numa alternativa de escape ao trânsito do Centro da cidade. Acabou qualquer tranquilidade a quem por acaso quiser reviver os bons tempos do escondidinho.


domingo, 17 de novembro de 2019

O telégrafo e as “Fake News”

Montagem: telégrafo primitivo sobre a Rua do Sol (hoje General Valadão), 1908, e os postes da linha telegráfica.
O telégrafo chega à Itabaiana, em 1896. Suspeitamos que mais como logística de guerra. Estávamos em guerra contra milhares de miseráveis em Canudos, e, nesse caso a assanhada elite nacional queria ver o sangue – dos miseráveis – correr até o fim. Como o foi:
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.”  Euclides da Cunha em Os Sertões
Em 5 de outubro de 1897 a vingança da elite estava terminada contra “os fanáticos” desalmados, que teimosamente resistia em serem segregados e morrer à mingua como ocorreria décadas depois no genocídio do Ceará, depois de abandonados no pós-13 de maio de 1888.
Mas em Itabaiana, o telégrafo pouco ou quase nada transmitiu daqueles sangrentos dias, Vasa-Barris acima. Por aqui, o telégrafo serviu mesmo foi para a politicagem rasteira entre os dois coronéis locais da República Velha, um peba e o outro cabaú, naturalmente. Viviam, os mesmos e seus prepostos dependurado no fio a tecerem mentiras e exageros, transmitidos para a capital, Aracaju, onde os jornais, verdadeiros boletins partidários mais apimentavam as falsas notícias (ou Fake News, se assim o preferes) criando com isso versões assustadoras da política itabaianense, que parecia eternamente em pé de guerra. Uma leitura rápida no livro, A República Velha em Itabaiana, de Vladimir Souza Carvalho (Fundação Oviedo Teixeira, Aracaju, 2001), pela série de reproduções de telegramas da época deitadas por ele ali, já nos traz uma amostra do que era a coisa naqueles tempos.
Ficou impossível evitar o estigma de cidade violenta. Três em cada quatro publicações, de informações distorcidas; aproximadamente uma cada dez... “Fake News”. Mentira pura!
Esse sempre foi, em todo o país, o modus vivendi da imprensa, e a seguir da mídia eletrônica, muito mais difícil de controlar. Já houve programas “jornalísticos” de rádio em Itabaiana que ganhou o apelido de “Calúnias Populares”. E os outros eram diferentes?
Numa rede social leio, matéria de mais de ano atrás, que jovens da USP/UFSCar criaram um programa para averiguar se a notícia é falsa ou não. Quem é o juiz isento que vai balizar o que é falso e o que é verdadeiro para que os programadores incluam as chaves de desambiguação em seu programa?
Quem conta um fato, o faz de seu próprio ponto de vista. Quase sempre com interesse econômico. Daí para surrupiar aspectos da notícia, distorcê-la por completo... é um piscar de olhos. Por isso, ao se ouvir qualquer notícia, venha de onde vier, em primeiro devemos perguntar ao nosso interior: a quem interessa? Depois, aí, sim, fazermos juízo de valor sobre a dita informação.
Ninguém é infalível.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A LEI DO MAIS SIMPLES

O saudoso José era um desses “cidadãos comuns como esses que se vê nas ruas”, como cantado pelo também saudoso Belchior. Lutador, trabalhou de sol a sol para dar dignidade à família, no que desse: de representante comercial e gari, tendo, ao fim da vida sendo meu colega de trabalho. E era espírita; quase fundamentalista.
O meu amigo Antônio é advogado, com larga experiência de vida; também espírita, porém menos inflamado. Diria que bem racional, como lhe é próprio, além de brincalhão, gozador habitual. Resultado: sempre tirou uma casquinha do José, só para vê-lo inflamar; ir do zero a cem em milissegundos.
No começo dos anos 90, não me lembro qual o ano, um assalto a uma agência do Banco do Brasil deixou, salvo lapso de memória, dois mortos entre os assaltantes, provavelmente amadores, já em processo de rendição. Isso levantou grande discussão o país, ainda traumatizado com o militarismo da Ditadura, recém encerrada, se a polícia agiu certo ou não, matando depois dos criminosos controlados.
Meu amigo José, devido aos frequentes atritos com o gozador amigo Antônio, sempre o olhou com desconfiança; essa acentuada pelo fato de o Antônio ser advogado; logo, no entender do José, um “soltador de bandidos”.
Fazíamos parte de grupo que habitualmente nos reuníamos numa lanchonete tradicional do centro da cidade, quase todas as tardinhas, e por isso apelidada de “o senadinho”. Advogados, professores, médicos, intelectuais em geral, jornalistas e radialistas, e os indefectíveis assessores político-partidários, os populares puxa sacos completavam aquela ágora.
Décadas antes, José havia sido funcionário municipal quando, na administração do senhor Teófilo, uma figura irretocável, mas que naturalmente abrigava em sua administração personagens geradores de intrigas e vendetas; fora exonerado e nem a justiça o realocou – eram tempos do AI-5.
Voltando à discussão se ladrão deveria morrer ou não entre o José e o Antônio sob olhares e ouvidos atentos, e já se formando as naturais torcidas, contra e a favor à aquele ou este, eis que o Antônio prepara o cheque-mate:
- Então, José, ladrão tem que morrer?
E José bem enérgico, já sentindo a torcida a seu favor:
-Sim! Ladrão tem que morrer. Eu sou espírita; mas, tenho que ser justo: ladrão tem que morrer!
E Antônio, de novo:
- José, você tem certeza que ladrão tem que morrer?
E José, mais inflamado, quase gritando:
- Tem que morrer, sim. Você defende porque você é advogado.
E aí, Antônio dá o cheque mate:
- José, ladrão tem que morrer? Inclusive o acusado de roubar cem cabos de vassouras do almoxarifado da Prefeitura?
Gaguejando mais do que o habitual, José levantou-se e saiu apressado, sentindo a pancada. Ele, um cidadão visceralmente honesto, falecido há pouco, cerca de ano, sem a mais leve mácula em seu comportamento fora posto pra fora do emprego por um aleive que inventaram de que havia roubado cem cabos – não as cem vassouras completas, mas só os cem cabos -  e a justiça não o condenou “por falta de provas”, o que significa um recuperação moral duvidosa; mas, pior: ainda manteve a sua exoneração, puramente político-partidária.
Lendo o artigo infra, do causídico Sérgio Rosethel, replicado pelo amigo, promotor aposentado, Roosevelt Batista de Carvalho me veio à lembrança esse episódio real, onde troquei os nomes por pseudônimos.




O Artigo:

Qual a minha verdade?

BRASILEIROS SÃO ESTIMULADOS A REPUDIAR DECISÕES JUDICIAIS QUE NÃO COMPREENDEM


Há exatos 20 anos, David Dunning e Justin Kruger , dois professores da renomada Universidade Cornell, nos EUA, publicaram no Journal of Personality and Social Psychology as conclusões de pesquisa que denominaram Dunning-Kruger effect, pela qual demonstraram que indivíduos que têm pouquíssimo conhecimento sobre determinado assunto tendem a acreditar saber mais que muitos muito mais bem preparados, sendo essa noção equivocada fruto exatamente de sua ignorância e consequente incapacidade de reconhecer sua própria incompetência. Para comprovar sua tese, a partir de uma série de experiências Dunning e Kruger desenvolveram um gráfico em que fica claro que, quanto mais ignorante sobre o tema, maior é a assertividade do indivíduo e a convicção quanto à procedência de suas conclusões. Vale dizer, quanto menos o cidadão sabe sobre o assunto, mais certeza tem de que suas opiniões são corretas e mais à vontade se sente para manifestá-las.
A partir do momento em que vai adquirindo real compreensão sobre o tema, suas certezas e convicções vão diminuindo gradativamente, até que, a partir de determinado momento, voltam a aumentar, na medida em que o cidadão vai se tornando um expert no assunto. O mais surpreendente, no entanto, é que o estudo revela que, mesmo após estar absolutamente preparado e instruído, o cidadão jamais atinge o nível de certeza que tinha quando seu conhecimento era mínimo.
Fossem brasileiros, os autores do referido estudo poderiam constatar a procedência de suas conclusões diariamente ao ler e ouvir os contundentes comentários que circulam em todo o País – em rádios, jornais e redes sociais – sobre decisões judiciais, especialmente as proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo casos criminais de grande repercussão.
Temas legais de altíssima complexidade são analisados com incrível celeridade, e sem necessidade de muita reflexão, por indivíduos que jamais frequentaram uma Faculdade de Direito, jamais compulsaram a Constituição federal, desconhecem completamente a jurisprudência de nossos tribunais, os princípios que regem o direito material e o direito processual, e não têm absolutamente nenhuma experiência jurídica.
Com isso, milhões de brasileiros são estimulados não apenas a repudiar veementemente decisões judiciais que, de fato, não compreendem, como a apoiar cegamente projetos de lei de que desconhecem o conteúdo e cujos efeitos sociais são incapazes de vislumbrar.
É evidente que todo o cidadão tem o direito de se manifestar sobre temas como a prisão após o julgamento em segunda instância e as vantagens e desvantagens de uma lei que compacta o abuso de autoridade, especialmente por se tratar de questões do interesse de toda a sociedade. O problema surge quando tais manifestações, decorrentes do desconhecimento, da desinformação, e principalmente, da manipulação por grupos empenhados em impor seus valores e convicções, assim como seus interesses e projetos pessoais, passam a ditar o comportamento de membros do Poder Judiciário e do próprio legislador.
Com efeito – e o confirmam Felipe Recondo e Luiz Weber em Os Onze: O STF, seus Bastidores e suas Crises -, a repercussão de suas decisões na opinião pública vem sendo tema de grande preocupação entre os Ministros da mais alta Corte do País.
O que dizer, então, dos magistrados de primeiro grau, especialmente os que atuam em casos rumorosos envolvendo crimes de corrupção?
Como esperar imparcialidade de um Juiz de Direito que será, sem sombra de dúvida, julgado ele mesmo, em razão de sua atuação, por uma sociedade para quem o magistrado que condena e manda prender é tido como “linha-dura” e merecedor de encômios e aplausos, enquanto o magistrado que absolve e manda soltar é repudiado?
Outro triste exemplo dessa preocupante situação é o projeto anticrime apresentado há alguns meses pelo dr. Sérgio Moro, sem prévio debate com especialistas em segurança pública e operadores do Direito, especialmente entidades representativas da advocacia, mas com apoio em ruidosa campanha publicitária voltada para convencer o público leigo de que as alterações legislativas propostas constituiriam uma resposta eficaz do governo ao avanço da criminalidade, que tanto aflige a população brasileira. O raciocínio que se busca incitar é bastante simples: cidadãos de bem são contra o crime. O projeto apresentado é contra o crime. Logo, não resta opção aos cidadãos de bem senão apoiá-lo, mesmo sem conhecer seu conteúdo, até porque sobre os que ousam criticá-lo ou a ele se opor (apontando incongruências e violações a direitos e garantias fundamentais) recai a pecha de serem a favor do crime.
Dentre outras coisas diz a Carta Magna, em seu preâmbulo, que o Brasil é um Estado Democrático, destinado a assegurar os direitos sociais e individuais, a liberdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Pois, para que assim o seja de fato é imprescindível que, antes de se manifestar sobre questões como as hipóteses de cabimento dos embargos infringentes, a ampliação do rol de causas excludentes de ilicitude e o efeito suspensivo do recurso em sentido estrito oponível contra a sentença de pronúncia, a sociedade brasileira, cansada da corrupção e sequiosa por um País melhor, compreenda que tais temas demandam intensa e profunda reflexão e que a melhor justiça não se faz apoiando cegamente magistrados arbitrários, decisões judiciais contrárias à lei ou propostas de alteração legislativa que visem simplesmente a cercear o direito de defesa dos acusados.
SÉRGIO ROSENTHAL – Advogado Criminalista. Foi Presidente da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP.

sábado, 9 de novembro de 2019

UM FANTASMA DE 30 ANOS

O muro ao fim de outubro de 1989.


Há precisamente 30 anos caía o último grande símbolo da Ditadura do Proletariado: o Muro de Berlim.
A referida Ditadura foi boa pros que sob ela viveram? Muito pouco; quase nada. Boa mesmo ela foi pros que estavam do outro lado do Muro, e não apenas desse citado muro, mas do que dividiu o mundo por 69 anos. Esses viram a clássica fome insaciável dos agiotas, ameaçada pela sombra do comunismo, racionalizar-se, e legar-lhes o melhor dos mundos, que a história humana jamais conhecera; e até pobre sonhar em ser classe média. A minha mãe e o meu pai, com 23 anos de diferença etária, e que pegaram o bonde começando a andar nunca acreditaram; mas eu, com 43 e 23 respectivamente, logo nascido sob esse mundo novo fui sonhos – e sucesso - desde a infância. Mesmo quando passei a ter consciência que o "lobo" dos cifrões - o agiota - se mantinha a postos pra levar todo o produto do meu trabalho, mas eu acreditei na sua contenção; acreditei na justiça, acreditei no sistema humano.
A queda daquele muro velho, um espinho no mundo mágico que desenhara, na noite de 09 de novembro de 1989, e do modo como o foi, duzentos e dez anos depois da queda da Bastilha sinalizou pra mim que a coisa explodiria depois. Até que vem demorando, mas, por isso mesmo, tornando inexoravelmente um mundo pós-Alarico; o fim da civilização ocidental, tal qual o fim de Roma imperial, e quase dois milênios antes, o fim da Idade do Bronze, quando desapareceu a emblemática Armagedon.
Essa música pop é a voz, doce voz dos tolos a acreditar que o medo e a maldade humana, quando liberadas produzem coisas melhores.
Uma bela música; mas uma triste comemoração.
https://www.youtube.com/watch?v=qgJrT6dd__U

terça-feira, 5 de novembro de 2019

De debutantes, piscinas e mundos perdidos.


É impossível a quem mais ou menos conheceu os estratos sociais da década de 70 não ter certas recaídas saudosistas de vez em quando. Mesmo que, como eu tenho militado na classe marginalizada ou semi-marginalizada. Eu, em 1975, egresso aos 15 anos da roça, era um jeca;  “apenas um rapazote latino americano sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindo do interior”, como tão bem lamentou em magistral canto o saudoso Belchior.
Nata masculina da juventude em 1968, em baile de debutante. Em destaque, Elenilde Ferreira
Tudo conspira à fuga para o passado! Tudo. Seja uma deprimente Caneta Azul viralizada na interrede, de horrível gosto, seja um comentário de amigo, como ontem ouvi do professor José Taurino Duarte, acerca dos bailes na Associação Atlética de Itabaiana; seja uma crônica de uma amiga nas redes sociais, como a Lilian Rocha (A Paisagem Secreta, 12/10/2013) a relembrar o glamour novidadeiro das piscinas na capital, Aracaju, de fato uma cidade com trejeitos de cidadezinha interiorana até meados da década de 1970, e confrontar com as minhas próprias lembranças – com dor de cotovelo – da revolucionária primeira piscina da cidade, do Aruanda Club, 1973 ou 74, que congregou toda “a alta burguesia da cidade”, como diz o Renato Russo em “Faroeste Caboclo”, até meados dos anos 80, quando finalmente ficou pronta a piscina da Associação Atlética de Itabaiana. Antes, porém, segunda da cidade foi a particular do Seu Agenor, sogro do saudoso e carismático Enéas Carneiro, candidato a presidente da República em 1989, seis ou sete anos depois.
Por fim, uma resposta a uma consulta particular a outro amigo, também confrade na Academia Itabaianense de Letras, o jornalista Dr. Luciano Correia, atual secretário Municipal de Comunicação de Aracaju, a me lembrar que uma foto, motivo da minha consulta se refere a um “Baile das Debutantes, 1978”, promovido a partir do Colégio Estadual Murilo Braga, o centro da juventude cabeça da cidade até os 1980, na turma do 3º Ano Científico, sob a coordenação do mesmo e de Blanar Siqueira.
Cá entre nós: frescuras, não; mas um certo nível de refinamento é fundamental, não acham?
À esquerda, caneca de chopp de festival tão em voga na década de 70; à direita, a referida foto, de estudantes do 3° Ano Científico. De 1978, trajes mais desportivos, porém ainda bem comportados para uma turma de estudantes, numa época de contra-cultura que aqui chegou com a Discotheque.

sábado, 2 de novembro de 2019

VAI ABAIXO O ÚLTIMO SÍMBOLO HISTÓRICO da CIDADE

Depois de séculos essa paisagem vai mudar. Certamente pra pior.
Vão desfigurar a capela do Bairro São Cristóvão.


Parece que baixou o espírito de Shiva na paróquia de Nossa Senhora do Carmo e, a Madre Igreja que deveria proteger a tradição está DESTRUINDO A CAPELA DO SÃO CRISTÓVÃO, transformando-a em mais um mercadão da fé, aos moldes da febre pentecostal.
Não bastaram as trocentas reformas da Matriz de Santo Antônio; inclusive a que lhe destruiu o belíssimo e multissecular teto, por capricho do CONSTRUTOR Monsenhor Soares; agora é a capela – possivelmente das missões carmelitas do século XVIII - que vai abaixo em mais uma febre de padres CONSTRUTORES.
O prédio é da paróquia - e ela "tem o direito" de fazer com ele o que quiser - no caso atual, a de Nossa Senhora do Carmo, cuja matriz está no Conjunto José Luiz Conceição. Como o era o finado templo da primeira igreja evangélica de Itabaiana, a presbiteriana, ou “a igreja de D. Eulina”. Só que o gracioso templo presbiteriano, histórico, vendido a um investidor comum e demolido a seguir (Pra Ministério Público nenhum cair na tentação de lhe sustar a destruição) pelo que encerrava de importância foi inaugurado em 1939; o da capela de São Cristóvão, não. Se perde nos tempos a sua construção, podendo ela estar envolvido num drama da eurocolonização, qual seja o da expulsão dos índios mansos de sua aldeia para uma reserva, desocupando a terra pro colono invasor, através de tentativa de implantação de uma missão carmelita na região entre o Povoado Barro Preto e o citado Bairro São Cristóvão. Tudo isso ainda são evidências históricas; mas, só o fato de uma ermida antiga, a única que nos resta ser destruída para abrigar um espaço maior de necessidade questionável, e possibilidade de ser substituída por um prédio “moderno” em outro local, assim de uma hora pra outra, é um duro golpe em quem sonha com civilidade além de “mercadão” para Itabaiana.
Triste!

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

20 de outubro a 5 de novembro: quinze dias ricos à História de Itabaiana

Concepção artística de Adilson sobre como teria sido a cidade da prata de Itabaiana sob D. Rodrigo de Castelo Branco, em 1675




Em 30 de outubro de 1675, diante das exigências de D. Rodrigo de Castelo Branco, por ordens expressas do então príncipe regente, D Pedro, O Pacífico, o padre de São Cristóvão rendeu-se à realidade e finalmente instalou a paróquia na Itabaiana, a mesma que vinha negando a mais de 30 anos, desde a expulsão dos holandeses, e que foi um dos estopins - em verdade o estopim oficial - para a Rebelião dos Curraleiros, em 05 de novembro de 1656,  cujas punições arrebentaram Sergipe ao nascer.
Para preservar os traços de sua influência criou uma hibridação dos vaqueiros, devotos de Santo Antônio, com sua invenção, a Irmandade das Santas Almas do Fogo do Purgatório.
E FOI FUNDADA A CIDADE DE ITABAIANA.
A prata não foi achada, mais uma vez; e a emancipação só viria 22 anos depois, como Vila (20/10/1697); o título de CIDADE, em 28/08/1888, com 213 anos.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Escolas militarizadas: E tome-lhe confusão.

Ge. João Pereira de Oliveira
Não é de hoje que no extrato médio e inferior do meio militar das Forças Armadas, especialmente do Exército, máxime constituídos de servidores dedicados, patriotas, muitos deles intelectualizados paira um misto de ressentimento, falemos claramente, até vergonha pela inutilidade que se vê praticante, num país onde, em um século e meio tivemos duas participações em conflitos com o estrangeiro, numa delas, quase que simbólica, e as conflagrações pra valer têm sido artificialmente criadas com golpes “salvadores”, e investidas num campo extremamente minado, qual seja o da criminalidade, onde os espertalhões da mídia, da justiça e da política ficam com o pouco de bônus que venha a existir, e a turma do coturno com o ônus de “garoto malvado”, matador de criancinhas e pessoas simples. Foi assim com o golpe que proclamou a República, e a seguir Canudos e Contestado, no golpe contra Getúlio, na tentativa contra Juscelino, e finalmente de 1964. Ainda imprevisível na atualidade.Há o sentimento de ociosidade de mentes treinadas, conscientes de seu serviço à Pátria, e os naturais ou artificiais impedimentos que as cerceiam de participar mais ativamente da vida sócio-produtiva do país. Na prática vivem para si; para a ascensão na carreira; que já é muita coisa para os que lá estão só pelo soldo seguro no fim de cada mês, estabilidade; porém muito pouco para quem mais aspira. Nosso general João Pereira de Oliveira, patrono da Cadeira 14 da Academia Itabaianense de Letras poderia muito bem ter chegado à patente general e nada mais; do contrário, fez desta trampolim para o envolvimento ações políticas, tanto dos “contrapesos” ao coronelismo vigente à época, como de produção intelectual do melhor nível dentro da sua área. Nem todos, porém aspiram a tanto e podem; mas ressente-se da necessidade de algo mais que a caserna. Algo de produtivo; da rotina civilizadora.
Por outro lado, são na esmagadora em maioria proveniente das classes C, D e até E, e veem no Serviço Público Militar a garantia de ascensão social. Um dos segredos da sobrevivência  e longevidade da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição foi a sua função de escola preparatória aos concursos de ingresso na carreira militar: o candidato já se apresentava com a vantagem da formação musical.


As escolas “militares”

Vejo com atenção as medidas novidadeiras do atual Governo Federal, ao prometer “endurecer” contra “os comunistas” com a criação de instituições militares de ensino supostamente de caráter comum, mas submetido à disciplina militar. Retórica é natural de qualquer político, inclusive a inteiramente demagógica. O que causa apreensão é que, para resolver uma insatisfação natural de uma classe, de forma proveitosa, o péssimo militar, ora no comando da nação lance mão de mais divisão na sociedade, demonizando os extremos – centro-esquerda contra as Forças Armadas, e estas contra aquela – de onde já sabemos só sairão desastres, uma vez que a sociedade é um corpo; cada órgão com sua função, mas, individualmente imprescindíveis ao funcionamento do todo.
Uma pena querer tornar um segmento crucial da pátria nascido na “Estância do Rio Real” pelas mãos do preto Henrique Dias, ajudado pelo índio Felipe Poty numa força a serviço de uns meros interesseiros em detrimento da maioria.

Orquestra Sinfônica da Filarmônico Nossa Senhora da Conceição


segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Um passeio pelo saudosismo

Como catarse, a lembrança do dia em que Amorosa entrou no rádio; o embalo de um hit popular de 1979, em ritmo discoteque, “O vídeo matou a estrela do rádio”, e mais a sensação de fim de ciclo, experimentada, ontem à noitinha ao constatar emissoras de rádio “entregues” a computadores ao invés do corre-corre dos meus tempos de neófito no rádio. Mas, tudo isso veio à tona depois de excelente matéria sobre os 80 anos da Aperipê, ex-Difusora de Sergipe AM, assinada por Camila Santos e publicada na semana passada na revista Cumbuca, e que revolveu as gavetas da minha memória, com os nomes de Francisco Carlos, o Chicão, da Paradinha, porto obrigatório da juventude sergipana, curtidora da boa música na década de 70 e inicio da década de 80, Clemilda e Manoel Silva, pra ficar só nesses dois nomes. 
E aí a saudade aumenta ao lembrar dos colegas com quem trabalhei e ou convivi na radiofonia, e que se já foram: os saudosos Irandi Santos, João Batista Santana, Fernando Pinto, Aloizio Santos, Rosalvo Soares, Alvanilson Santana, Gilmar Santos, e, Adelardinho, claro.
GALERIA DOS SAUDOSOS. Na fila de cima: Silva Lima, Petrônio Gomes, Clemilda, Eduardo Abril (camisa branca) e Edmilson de Jesus (camisa azul); Fernando Pinto e Aluizo Santos; As três e "meia", ao lado direito: Gilmar Santos (não temos completa); Rosalvo Soares; Adelardinho e Alvanilson Santana. Nas duas maiores: João Batista Santana, estreante, e depois, já aposentado, ao lado do também saudoso Irandir Santos

Na roda da memória também estão os lançamentos musicais de Rosevaldo Santana, a animação das manhãs pelo Sérgio Souza, as magistrais narrações esportivas de Antônio Barbosa Filho, Carlos Magalhães e Alexandre Santos, numa época que eu levava a paixão pelo futebol muito a sério...

GALERIA DOS QUE DEIXARAM SAUDADES, ALGUNS AINDA ATUANTES. Gilvan Fontes em dois momentos: 1967 e hoje, pela manhã; Sérgio Souza; Alexandre Santos, Antônio Barbosa e Carlos Magalhães
 Eu ainda voltarei ao rádio! Nem que seja pra “pagar a língua”.

sábado, 31 de agosto de 2019

Os bumbos de fins de agosto


Do garbo muriliano de ontem (dos 70) e de sempre, às celebrações culturais de que foi mestra a mestra Maria de Branquinha, ou as representações de 2016 (fotos em cores), da Chegança e o reisado e seu jaraguá, a festa é cultura genuína.
Aos quatro anos de idade, sentado sobre pequeno lençol, posto pela minha jovem mãe entre duas carreiras de mandiocas, e sobre as sombras do mandiocal, a me acomodar, enquanto fazia tarefas que não lembro quais, dentro de sua rotina de agricultora na malhada é que lembro de ter escutado pela primeira vez o ritmo forte, cadenciado, de um som diferente, exaltante e que me fez sentir bem. Escapa-me à memória se ali já perguntei e obtive resposta, ou se foi a posteriori; sei que logo soube se tratar dos tambores da “Escola de D. Rita”, a Escola Rural do Rio das Pedras I, divisa dos municípios de Itabaiana se derivado, Areia Branca, a serem executados sob comando de seus alunos nos ensaios para o Sete de Setembro. Como seria bonito, pensei! E a imaginação logo começou a tecer imagens segundo o que senti no momento.
A Mangabeira, meu povoado de nascimento e então de moradia também tinha escola rural; essa invenção do Nacional-Desenvolvimentismo, sempre pilotado neste quesito pelo grande Anízio Teixeira, mas, não tinha o mesmo vigor da do Rio das Pedras I, com mais alunos e estabilidade na direção de D. Rita Bispo, que, como se vê, confundia-se como se dona da escola fosse, tal a dedicação e longevidade no cargo. E por isso tinha um trio de percussão: tambores e caixa. Um luxo! Sinal de poder e prestígio da escola e de sua gestora, também única mestra dela.
Todos os anos, invariavelmente relembro aqueles baticuns.  É que há mais ou menos quinze dias voltei a escutar: é a banda marcial do setentão Colégio Estadual Murilo Braga a se preparar para o Sete de Setembro, a segunda maior festa perene da cidade, já que só a intermitente Micarana conseguiu superar a de Santo Antônio, perenemente a maior há pelo menos um século; mas veio e foi-se, para alegria dos cofres da cidade, principalmente da municipalidade.
E no próximo dia 7 lá estará um quarto da cidade na avenida principal, como tem feito regularmente todos os anos para ver seus filhos, netos, sobrinhos, amigos, ou mesmo apenas assistir o capricho das escolas municipais e estaduais (talvez uma ou outra privada) ao exporem a criatividade de seus heróis e heroínas docentes sob o som ritmado de caixas, tambores e até variados instrumentos de sopro.
O desfile do dia Sete em Itabaiana não é “o Rio de Janeiro”; mas continua lindo. 
Tudo preparado desde fins de agosto.

Microglossário para não locais:
- Carreira de mandioca, plantação em fila, geralmente de vinte e cinco a trinta touceiras, por sobre lombada de terra para isso preparada;
- Malhada, o mesmo que roçado. Tem origem em costume medieval de por o gado em malhador, junto, a pernoitar sobre o terreno e depois aproveitar a terra fertilizada por excrementos para o plantio.