quarta-feira, 1 de setembro de 2021

O Repouso na Montanha Sagrada (*)


A serra, residual, produtos de bilhões de ano de movimentos tectônicos fantásticos é a mais alta do conjunto circular, e tem formato que evoca um imaginário místico. Tanto por sua forma aparente vista do sudeste para noroeste, quanto o inverso, sua forma pode lembrar os míticos (alguns dizem que são reais) discos voadores. Já de sudoeste para nordeste, ou também vide versa, ele mais assemelha as também míticas figuras milenares egípcias, as esfinges, a como se observar a vastidão continental que se descortina à sua frente, tendo o mar-oceano dos atlantis logo atrás, a meros quarenta quilômetros e seu longo horizonte a se perder na vastidão misteriosa da curva do planeta. Nos verões, nas primeiras horas da manhã é possível deliciar-se com os maravilhosos reflexos do sol matutino, quer sobre o Atlântico; quer sobre as enseadas e marés formadas pela boca do rio Sergipe. E, em menor grau, também era possível nos entardeceres, do lado contrário com a pequena, porém mítica Mbuçarãe ou lagoa do Forno; hoje reduzida a um mero pântano, cheio de capim alienígena, e invisível até mesmo a ela encostada. (foto)
Nas mudanças de tempo, quando aos anoiteceres as frentes frias se chocam com o calor residual do dia, e são elevadas, empurradas para cima pela serra costuma sobre ela estacionar transformando-se em amostras de nuvens arcus dando um ar mais misterioso, evocando a visão fantástica da lenda dos guerreiros mathiapoanes sendo malditos pelos boimés, que alarmados com tanta ousadia ficavam de olho na serra temendo as reações de Tupã e até mesmo de Jaci. (foto da nuvem)
A nossa montanha sagrada. (Foto Robério)
Na cidade de São Paulo há a Rua Serra de Itabaiana. O sobrenome Itabaiana, que em si já encerra o termo Ita - que quer dizer serra em tupi - acha-se espalhado pelo país, aqui e acolá. Porém, talvez nem Santo Antônio, padroeiro original da cidade, e seu primeiro nome consiga povoar as memórias ceboleiras espalhadas por esse mundão de Deus quanto o faz a pequena, porém majestosa serra que impressionou ninguém menos que Américo Vespúcio que a denominou de Santa Maria de Graça, eternizando-a nas transcrições em mapa-múndi por Martim Waldseenmüller, em 1507. (mapa)
 

É desejo de quase todo itabaianense, vivendo por anos fora de sua terra, ao menos uma vez visualizar a serra, antes de morrer. Zé Oínho, ceboleiro da gema, mas levado a de Itabaiana se ausentar por seis décadas, radicalizou: agora, suas cinzas o reintegram à natureza justo no paredão noroeste da mítica serra do carneiro de ouro, da prata, do leito conjugal de Tupã e Jaci, onde dançam os espíritos bem aventurados dos guerreiros... o nosso Monte Sião. E de frente para a Santo Antônio de Itabaiana.

Numa cerimônia marcante, no último dia 21 deste agosto próxima passado de 2021, de uma plataforma à beira do penhasco da serra de Itabaiana, lado noroeste e de frente pro sertão, uma cerimônia simples, mas tão carregada de simbolismo teve lugar.
Com o apoio logístico do guia turístico, Marcos Mota e acompanhadas do presidente da Associação de Peregrinos de Sergipe, Ancelmo Rocha, Joana Angélica, Alba Neide e Rita, filhas, e mais uma sobrinha de José Oliveira – Zé Oínho - soltaram três pombos, carregados de simbolismo; em seguida foi a vez de cumprir à risca o desejo do mesmo, e, ao abrir a pequena bolsa plástica semear suas cinzas aos sibilantes ventos que incessantemente sopram sobre o penhasco, dar-lhe o devido descanso eterno de frente para a cidade de Santo Antônio de Itabaiana onde nasceu e se criou, aí também a desfrutar de momentos mágicos da sociedade em explosiva transformação; e até de trágicas, na conturbada política serrana de então.
Zé Oínho foi o terceiro dos quatro filhos do compositor e maestro da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, José Olintho de Oliveira, que também vereador em 1935 foi cassado pelo Estado Novo, voltando à Câmara Municipal de Itabaiana, nos períodos 1947-1950, e 1950-1954, tendo presidido a mesma, nestes dois últimos mandatos. Já Zé ingressou como funcionário da recém inaugurada agência do Banco do Brasil, em fins dos 1940, em cujo emprego permaneceu até se aposentar, já fora de Itabaiana, com política bastante conturbada, à época. Residiu até sua morte na ex-capital federal, o Rio de Janeiro.
José Oliveira é talvez o primeiro ceboleiro que teve esse desejo e seu cumprimento por parte da família. Porém, não será novidade se vier a se tornar usual o lançamento de cinzas de entes queridos, como última morada por todas as serras que hoje fazem parte do Parque Nacional da Serra de Itabaiana – Itabaiana, Comprida, Bauzinho, Boqueirão e Cajaíba (o mesmo que cajueiro); até nas demais do sistema: Ribeira, dos Montes e São José (antiga do Botafogo), Miaba, dos Três Picos ou do Pico (antiga dos matiapoanes) do Machado, Itapicuru, Capunga, etc., etc.. Será natural voltar ao pó de onde exatamente se veio, aí eternizando-se; e, como sugere a composição barroca de Christoph Willibald von Gluck, para sempre bailando a “Dança dos espíritos bem aventurados”, ao som da incessante música dos ventos que sopram sobre o folhiço dos alecrins cheirosos e sobre as finas e perfumadas palhas do capim silvestre, que correm em ondas regulares, cadenciadas, tal qual o compasso de uma bela música sendo executada.
Descanse em paz, guerreiro das terras dos mathiapoanes, conhecida como Itabaiana!

(*) Versão pós editada

domingo, 29 de agosto de 2021

FESTIVAL ITABAIANENSE DA CANÇÃO - EPPUR SE MUOVE!

 



Ontem, do começo da noite e se estendendo até às vinte e uma horas, quatro décadas e mais, depois de ter sonhado um dia isso realizar, e eis que me vi no Primeiro Festival Itabaianense da Canção; não somente assistindo e me deliciando, mais com a responsabilidade, dividida com mais quatro valorosos companheiros de apontar dentre os dezessete finalistas, divididos em categoria municipal – sete deles – e categoria estadual os demais dez, os vencedores que, para minha surpresa, a previsão de apenas a premiação do mais pontuado na categoria estadual se estendeu também aos segundo e terceiro lugares, repetindo a padronagem da categoria municipal, além da premiação extra recebida via votação pela internet da adorável banda de rock, Cebola Radiativa.
Ao fim das contas, dos dez finalistas, sete receberam alguma premiação.
O que foi uma pena que não pudesse houver mais primeiros lugares: hoje eu estaria de consciência mais tranquila; mas foi o possível. Alguém tinha que ir para o alto do pódio, e, estes lugares foram ocupados Geo Santos, na estadual, e o eletrizante Fábio Jean no municipal, cujo, com pontuação de 217,5 pontos, de um máximo de 250 pontos possíveis ficou a apenas 0,5 (meio) ponto do segundo colocado, o garoto prodígio, o fantástico Rodrigo Graça. Ainda na categoria estadual foram segundo lugar o sandominicano Tatua; e em terceiro teve a Marcela Rúbia. No municipal ficou com o terceiro, a voz doce da menina Laryssa Emanuella.
O nível, como já insinuei, alto. A banda Kilo de Inhame, veio arrebentar: trouxe um manguebeat excepcional, formidável mesmo; a veterana Gaby Oliver, ex-Alma Gêmea, dentro do seu estilo tradicional do arrocha veio com uma letra bem ousada; houve as toadas vaqueiras dos também já veteranos, Reinaldo Kaceteiro e do Ivanilson Paixão; os lindíssimos sambinhas pró-Bossa,  do ritmo adolescente da Carla Costa e o da voz macia, cadenciada da Marcela Rúbia; os ritmos tipicamente de forró do Mimi do Acordeon, da Érica Barbosa, da Rebecca e do Tatua, e o lirismo do Fabio Ribeiro, da poesia do José Roberto... enfim, excelente nível.
Porém, se tivesse participado da votação pela internet – que só dava a opção de um único voto, e não nota, como júri - talvez o meu único voto tivesse sido para a turma do Cebola Radioativa. De onde veio essa molecada? Senti-me diante do fenômeno roqueiro nacional dos anos 1980, numa roupagem 2021. Sensacionais!
Enfim, sinto-me realizado. Porque espero, a exemplo da Bienal, que virou tradição, em que pese interrompida pela pandemia, e da Expo-Industria, também infelizmente afetada pela mesma peste, que também esse evento passe a se consolidar anualmente, já que em Lei Municipal, proposta pela Cultura idem, e no próximo ano com o presencial, com direito a eliminatórias, torcidas... vibração, venha bem mais robusto.
Meus parabéns à Cultura municipal e todos os seus envolvidos - inclusive a amiga, museóloga Ludmilla - nas pessoas do secretário da pasta, colega radialista Roosevelt Santana, e ao prefeito municipal Adailton Souza. Foi um grande tento para Itabaiana, para Sergipe; e porque não estendê-lo ao país.