sexta-feira, 3 de abril de 2009

A armadilha.

O nó conhecido como nó de porco se caracteriza por sua eficiência em prender, cercear, segurar cada vez mais o objeto em questão, fazendo com que este, quanto mais se mexa, mais o tal nó apertará.
Em geral, as armadilhas seguem essa lógica: atrair, dar o bote, prender, asfixiar - se for o caso de um ser vivo - até que não exista mais resistência alguma e, no caso de uma presa feita por motivos alimentares, ser então deglutida.
Nem sempre as armadilhas são tão simples. Aquelas que advêm do exercício da política, por exemplo, surgem da inabilidade, total ou relativa de seus protagonistas. Da mesma forma que um funcionário, zeloso e honesto pode se converter num gatuno safado ao cometer uma sucessão de furtos, tipificados como desfalques, a partir de uma única necessidade real e as demais, virem em decorrência, dessa mesma forma o líder político poderá ser enredado e conduzido a se tornar um monstro ao invés de um estadista. Otávio, cognominado o “Augustulus” fugiu o máximo que se pode pensar dessas armadilhas e se tornou... “Augustulus”, título que nenhum outro rei, imperador ou presidente jamais teve. Seu predecessor, Julio Gaio, que lhe preparou as veredas por onde trilharia, ainda foi envolto nas tais armadilhas, porém, ao se lançar ao sacrifício de peitar o monte de víboras do Senado romano, e ser por elas morto, salvou a civilização romana do ocaso precoce, deixando a Otávio a tarefa de dar sobrevida a uma raça que, enriquecida com tanto roubo, assorbebou-se de tão forma que esteve a um passo da auto destruição.
Nem todos os líderes são como Julio Gaio e, principalmente como Otávio. Existem aqueles que, de fato, prefeririam ser liderados. Isso é terrível porque se confunde o tempo inteiro, e confunde também a aqueles que o segue. Uns mais, outros menos.

A Armadilha de Euclides
Em 1945, ao terminar a Ditadura Vargas e conseqüentemente seu Estado Novo, e seus efeitos no Estado de Sergipe, Itabaiana estava sem rumo. Desde a proclamação – melhor seria dizer golpe – da República, dois líderes e seus satélites haviam dividido o eleitorado – que aqui sempre se confunde com população – ao meio. Foi assim por quarenta anos e seus traços permaneceram nos quinze que se seguiram depois da Revolução de 30.
Em 1945 não havia uma única liderança forte em Itabaiana. Daí a brigalhada entre a UDN de Etelvino Mendonça e o PSD de Manoel Teles, tendo Etelvino a ajuda do juiz de direito Luiz Magalhães, nome hoje da mais importante avenida da cidade, e Manoel Teles a ajuda dos caciques do PSD sergipano além do desgaste da turma de Sebrão e as ajudas pelas tentativas de ressurgimento do grupo de Itajay, vinte e cinco anos depois de sua morte. Seu sogro, Honório Mendonça legou-lhe tudo: esposa, bens e o pouco poderio político dos velhos Cabaús de Itajay. Mas Manoel Teles, além de um despreparado era rude demais para ser um líder.
Por volta de 1944 aportou em Itabaiana um sujeito vindo da Serra do Machado que, juntamente com um dos seus irmãos fundou uma padaria na esquina da Rua da Pedreira com o Beco Novo, ou seja, Rua Marechal Deodoro com Coronel Sebrão. Seu nome, Euclides Paes Mendonça. Com Mamede, seu irmão acompanhante, desentendera-se na já cidade de Ribeirópolis com um terceiro, Pedro, vindo os dois para Itabaiana e este pra Serra do Machado, logo depois para Aracaju. Mamede também não ficou por aqui. Logo estava indo embora pra Salvador onde ficaria rico e famoso, da mesma forma que Pedro, que depois foi embora pro Recife, num movimento inverso aos ciganos que de lá para cá vieram no século XVIII.
Euclides não veio se tornar rei em Itabaiana; veio para ganhar dinheiro. Enfraquecidos, os velhos Pebas, agora sob a bandeira da UDN, o primeiro grande partido paulista de alcance nacional, buscaram encostar-se no “tabaréu” da Serra para que este lhes desse apoio financeiro em troca de tapinhas nas costas e homenagens bestas que só a tolos enganam. Foi o primeiro erro de Euclides: aceitou. Tivesse seguido seus irmãos teria morrido de velhice, rico como os outros dois, e tão mais poderoso, que um simples chefe político de Itabaiana.
Das eleições de 1946 para a prefeitura não tenho absolutamente registro algum. Se Euclides concorreu, ou não. Na época, fruto do velho sistema de divisão municipal e eleitoral do Império Português, o lugar onde nasci, logo também de meu pai, pertencia ao município de Campo do Brito. Portanto, meu pai votava no Campo do Brito e eu, sequer se sabia se um dia existiria. Daí o porquê de não saber sobre o assunto, já que também não tive como consultar os anais da Justiça Eleitoral sobre o sobredito. Na Câmara municipal não encontrei absolutamente nada sobre o que se sucedeu ali, salvo a ata de posse do eleito: Jason Correa. Mas tudo aponta para o fato de que Euclides possa, sim, ter entrado na disputa e perdido pra Jason Correa com todo o arsenal de poder, dinheiro e corrupção da Justiça e da Segurança, comum ao meu Sergipe dos velhos e eternos coronéis.
O segundo erro de Euclides foi mais leve, e teria passado despercebido não fosse ele agressivo no comércio; não tivesse ele deixado a padaria da Rua da Pedreira para seu fiel escudeiro Manezinho Clemente e tivesse se instalado na Praça de Santo Antonio, hoje Largo. Ali passou a fazer concorrência com o armazém que fora de Honório Mendonça e que já havia algum tempo era de seu genro, Manoel Teles, o chefe que elegeu o prefeito e tinha o governador do Estado. Isso significa fiscalização férrea aos adversários e vistas grossas ao “amigo”. Mesmo leve, mas foi outro erro.
Em 1950, aproveitando da impopularidade de Manoel Teles e de seu prefeito, Jason Correa; da capacidade agressiva de negociar; e da providencial ajuda de Dr. Luiz Magalhães, Euclides sagra-se prefeito. A armadilha se fecha, mais um pouco.
O governo de Arnaldo Garcez, que sucedeu a José Rolemberg Leite foi complacente com a canalha de mesmo lado, enquanto não usou de mão forte pra perseguir os opositores. O resultado foi a contaminação pela situação nacional, onde os ricos liderados por São Paulo queriam a toda a força desbancar o getulismo, concorrendo com isso para tornar o país e suas instituições ingovernáveis, e com agravamento maior da situação local e aumento insuportável de ressentimentos. Aqui o cerco se fecha pra tudo quanto é liderança envolvida no processo político sergipano.
Em 1952 ocorre o princípio do auge e conseqüentemente nasce o motivo maior que levaria Euclides a ser assassinado.
Desde que aqui chegou o primeiro administrador municipal em 1700 (segundo nomeado, já que o primeiro nem cá quis vir, preferindo ficar na sua Lisboa) que nunca o município quis ou pode arrecadar tributos, o alimento de qualquer administração. Com a República surgiram vários tributos, geralmente facultativos, onde Municípios ou Estados arrecadavam se o quisesse. Também não vinha um centavo de canto algum. Em 1952, todavia, veio a grande virada. Fruto de aprovação na Constituinte de 1946, o IIP – Imposto de Indústria e Profissão, mais ou menos o que é o ICMS de hoje, passou para os Municípios. A renda municipal de Itabaiana saltou no primeiro ano em mais de quatrocentos por cento. Muito dinheiro nas mãos de Euclides.
O último e gravíssimo erro de Euclides começou já em 1954, quando inaugurou pra valer a corrupção direta, com a compra de votos – dinheiro, mesmo – a ponto de forçar Manoel Teles, conhecido por sua tremenda indisposição de soltar qualquer centavo a também praticar, de forma mais amena, a compra – literalmente falando – de sufrágios. Poderia ter aproveitado a dinheirama para desenvolver o município que então se projetava como grande produtor de alimentos – nunca o fora antes – e também agora contava com estradas, coisa que nunca existira por aqui, pra chegar até os milhares de nordestinos com algum dinheiro e montanhas de saudades dos produtos de sua terra; que já residiam principalmente em São Paulo. Euclides apostou em ser chefe. Obras faraônicas, e de promessas, como o aeroporto que nunca saiu, onde é hoje Vila Olímpica e o Miguel Teles. A quantidade de Créditos Suplementares solicitados à Câmara Municipal entre 1953 e 1962 é assustadora. Sobrava dinheiro. Que Euclides convertia em votos, cada vez mais caros. Não se comprava mais juízes, desembargadores, chefes policiais, além das negociatas políticas entre deputados, senadores e etc., do modo tradicional e secular, a base de troca de favores; agora era dinheiro vivo. Banditizou-se a política.
Euclides ganhou todas de 1950 a 1962, mas armou o alçapão onde iria cair.
Em 1962 ganhou quase tudo; mas perdeu o governo do Estado. Ameaçador, levou seus adversários e declarar-lhe guerra e até um dos seus irmãos, Pedro Paes Mendonça, apoiou a conspiração que acabou por matá-lo.
Tão logo tomou posse no Governo do Estado, João Seixas Dória cuidou de cortar os arroubos de Euclides. Como? Tirou-lhe o oxigênio por completo. Durante dez anos o líder havia se fortalecido por causa do IIP diretamente ao Município. Mas este não tinha estrutura para fazer a arrecadação. Contratava, pois, o Estado, que com Polícia e Fiscais cobrava-o, recebendo do Município o percentual de vinte e cinco por cento do arrecadado, ou seja, um quarto.
Seixas cortou o convênio que o Estado tinha com a Prefeitura de Itabaiana. Sentindo esse perigo, de antemão, antes mesmo de terminar seu segundo mandato de prefeito, Euclides remontou a latente Guarda Municipal, desativada desde tempos imemoriais, e criada nos tempos coloniais. É impossível se cobrar imposto sem a ameaça da força. É a presença dissuasiva desta que leva os homens de bem a se sentirem justiçados, já que não pagarão sozinhos; e demoverá os pilantras e espertalhões da idéia de passar a perna no governo, seja ele do Município, Estado ou União. Obviamente que os “soldados” dessa Guarda tinham que ser “amigos”, da confiança de Euclides. Pistoleiros da pior espécie foram contratados afrontando a sociedade e a própria Polícia onde também existiam elementos de conduta pra lá de duvidosa, mas, era a Polícia. A Força Pública do Estado.
A banditização da política continuou com envolvimento cada vez maior até de autoridades de tradição com gente da pior espécie; uma laia. A eleição pela eleição.
A panela em Itabaiana fervia cada vez mais com confronto entre os membros da Força Pública do Estado e da Força Pública do Município. Ódio, latente e flamejante. Famílias desgarradas; vitoriosos com medo de comemorar a vitória... dor e ranger de dentes.
Em 08 de agosto de 1963 a armadilha se fechou completamente para Euclides que perdeu a vida, não sem ter tido antes a intensa dor de ver seu próprio filho dilacerado pela violência na qual tanto vitimou quanto foi vítima.
Da bandidagem que fez parte da conspiração, poucos foram severamente punidos, exceto o governador, que, a princípio nunca foi um bandido. A política daqueles dias é que era de bandidos. Cabe aqui se perguntar quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Quem gerou quem nessa saga ensandecida?
Os “amigos” de Euclides recolheram-se; sequer pra dar depoimento à CPI do Congresso Nacional, instalada para tal, apareceram. Os adversários amargaram por mais de dez anos a vergonha de terem participado duma coisa daquelas. E desperdiçou-se a chance de bom uso de uma liderança que poderia ter catapultado um município tão azarado e pobre de reais lideranças na sua História como é este.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Os periquitos

Periquito é uma ave muito barulhenta e, de vez em quando danosa.
Quando era criança, muitas vezes vi agricultores vizinhos e até meu próprio pai “tiririca” da vida com os passarinhos azuis-verde-amarelo por suas manias.
Era comum se plantar, entre março e abril, o milho que nos daria a canjica do São João e o cuscuz do ano inteiro, além do feijão e do amendoim. Em relação ao feijão, nenhum pássaro tocava. Sabiá, bem-te-vis, rolinhas caldo-de-feijão, sanhaçu, cabeças-vermelhas, pintassilgos, nem periquitos. Já em relação à plantação de amendoim e milho, era um inferno! Ao plantar tinha-se que passar uns três dias de vigília senão os desgraçados comiam tudo. E aí se perderia a plantação. Como se sabe, a natureza tem seus ciclos que devem ser respeitados. O inverno é um deles. Passou da época, já era; só no próximo ano.
Sobre o comportamento dos periquitos, até os danados também saíam perdendo. Mas disso, eles não sabiam.
O que dói é ver que gente, de carne e osso, como se diz em certa gíria cabocla, agir como periquitos; comendo as sementes que dariam quilos ou toneladas de alimentos num futuro próximo, numa ganância danosa que os deixará com fome ou semi-nutridos futuramente.
Eis o porquê de algumas sociedades crescerem; enquanto outras, quando muito, vegetam; sem sair da miséria eterna.

terça-feira, 31 de março de 2009

Chiquinho e os sabonetes.

Zeloso funcionário público federal por quase quarenta anos, já há mais de dez, aposentado, meu colega e amigo Francisco Alves Oliveira, o Chiquinho, é dessas pessoas ímpares que se encontra pelos caminhos da vida.
Ao assumir meu cargo de laboratorista da Fundação SESP, em março de 1983, o encontrei em pleno exercício de seu trabalho como o fazia já há mais de vinte anos. Na época, era chefe da Unidade local da dita fundação, o médico alagoano Álvaro Antonio Melo Machado que depois viria a presidir a fundação criada a partir dos cacos do SESP e da SUCAM, a hoje FUNASA.
Chiquinho é desses cuidadosos, mas tão cuidadosos que, dizia-se, até as pedaladas que dava numa velha bicicleta até as agências bancárias, ele as contava para racionalizar uma melhor maneira de fazê-lo. Faz tempos que com ele não encontro, mas, seguramente deve continuar no mesmo zelo que sempre devotou ao que fez, não só no trabalho, mas agora faz também em casa.
Certa feita, em mais um rodízio de tarefas em que lhe coube tomar conta do almoxarifado, acabara de arrumar um lote de suprimentos, quando o chefe da Unidade adentrou ao recinto para fazer-lhe alguns questionamentos corriqueiros. Esse, ao deparar-se com um lote de sabonetes diferentes daqueles a que estava acostumado, tomou um nas mãos, observou-o bem e fez o comentário: “marca nova, né Seu Francisco! É bom e barato?” Chiquinho deu a resposta e o médico colocou o sabonete de volta na pilha disposta sobre a prateleira. Incontinente, Chiquinho tomou de duas tábuas pequenas, que as usava com freqüência para dar uniformidade às pilhas de pequenos objetos, e acertou o dito sabonete de forma a ficar cem por cento aprumado com os demais. Óbvio, isso provocou uma observação do chefe, acompanhada de risos de ambos e explicações por parte de Chiquinho do porquê de tanto cuidado.
A melhor maneira de roubar é fazê-lo sem ser notado. E a melhor forma de se não ter o roubo notado é bagunçar primeiro. Logo, quase toda desorganização advém, ou de algum tolo que se descuida daquilo que finge administrar, abrindo um enorme buraco por onde passa tudo; ou por alguém já mal intencionado, que desorganiza tudo para que ninguém veja onde e como está a meter a mão. Numa pilha de sabonetes bem arrumados, um único que seja mexido de lugar logo será notado. Ao contrário, só forem dispostos de qualquer jeito, numa ruma, mesmo uma visão treinada só dará por falta de algum deles quando mais de dez já tiverem ido pro beleléu.