quinta-feira, 12 de setembro de 2024

FETICHES

 

Dr. Gileno já chegou?

Essa era a pergunta de aflitos ou bem informados, antenados cidadãos itabaianenses, na década de ouro de Itabaiana, a de 1950, quando a cidade, adormecida desde 1675, acordou para um novo tempo, em cujo estamos. A pergunta era pertinente às sessões de cinema no Cine Popular, e especialmente no aguardo dos glamourosos bailes da Associação Atlética de Itabaiana, que pra variar, foi ideia de Dr. Gileno Almeida Costa, e cuja sede por mais de vinte anos funcionou em seu próprio prédio, por ele construído, com essa finalidade, no canto esquerdo da Praça Fausto Cardoso, antiga saída da minúscula cidade (quando ainda com o título de vila), no seu lado oeste.

Só começavam quando Dr. Gileno chegasse.

Transformava-se num fetiche, pois, as reclamações supostamente preocupadas com os atrasos do ilustre doutor, de fato eram uma mera forma de parecer ter com ele alguma intimidade. Algo com que se identificar. 

Corte rápido, leio um artigo escrito por um colonial, sobre a eleição presidencial na metrópole, e as costumeiras preocupações, se quem vai ganhar é democrata ou republicano. De lá. Meio Mestre Orpílio*, dele tomo emprestado a acidez e vou logo declarando, apesar de não ser alfaiate, como o saudoso delegado, comerciante e político que o foi: “Do Rio das Pedras pra lá nunca virá ninguém cá me encomendar um terno”. Afirmava ele, assim que algum deslumbrado com o estrangeiro lhe vinha contar alguma vantagem de fora, e especialmente quando lhe vieram dizer da declaração de guerra, de 1939.

Pois bem. Mas observa-se na crônica, dita nacional, uma preocupação intestina com o que ocorre na política estadounidense. 

A imprensa, dita nacional – a grande; e a pequena de reboque – parece até panfleto imperial. 

E os debates políticos na TV americana, entre candidatos, virou um fetiche, entre os coloniais desta Terra de Santa Cruz, a quem chamam Brasil.

A influência de debates em si, que numa eleição não chega aos cinco por cento, se grande a indecisão, passou a ter uma grande dimensão, apregoada pelas próprias grandes empresas de mídia que os realiza, garantindo casa cheia na audiência. Porém para o eleitorado mesmo, quem já está, fica; e quem nunca esteve, vai continuar onde está.

Porém o poder da imprensa - de lá, e copiada pela de cá -  criou esse fetiche, maximizado e alimentado por ela própria, ao ponto de pessoas simples, e envolvidas na paixão eleitoral, creditarem a tais debates uma possível vitória ou derrota. Quase milagre.

Lembro-me de um episódio com o grande craque tricolor Amaúte, em 1992. 

Vivíamos a campanha eleitoral para os cargos municipais de 1992, com uma estreante na refrega direta, Maria Vieira de Mendonça; um já escolado José Queiroz da Costa; o novato João Cândido Sobrinho e o também neófito João Alves dos Santos, o João de Zé de Dona.

Maria de Mendonça, herdeira de um formidável capital eleitoral, subscrito pelo seu saudoso pai, Francisco Teles de Mendonça, o Chico de Miguel, tinha tudo para emplacar e retornar o seu grupo ao comando da Prefeitura.

José Queiroz da Costa, com o saudoso Djalma Lobo de vice, sua chapa era tida como imbatível. No entanto era duvidoso por parte gente mais abalizada.

João Cândido, pelo PT não tinha chance alguma. E João de Zé de Dona, inicialmente uma aposta dos lucianistas contra José Queiroz, e obviamente contra Maria Mendonça, a princípio era uma incógnita; e se segurava apenas na rejeição dos lucianistas conta Queiroz. Mas isso foi por breves tempos. Antes mesmo da convenção, Luciano Bispo de Lima, então prefeito, já tinha fechado com João de Zé de Dona.

E aí vem o lenga-lenga de toda eleição: ameaça de impugnação, mentiras, aleives... até denúncia séria. E a história dos debates.

O município contava então com três emissoras de rádio, em véspera da quarta.

Queiroz, além da Rádio Princesa da Serra ser dele, é conhecido por todos pela excelente oratória, loquacidade exemplar, raciocínio rápido, humor, apego moderado, logo suficiente, à numeralha; aos dados. Imbatível numa discussão.

Maria de Mendonça, fatalmente, num primeiro momento se juntaria a Queiroz para fustigar João de Zé de Dona, este representando o prefeito; logo com passivo a ser explorado, e sem a menor experiência em receber pressão política.

João Cândido, professor, politicamente ainda inexperiente, tenderia a participar protocolarmente.

Como responsável pelo marketing da campanha, fui radicalmente contra o tal debate proposto. 

A indecisão do eleitorado, pró-João de Zé de Dona, vinha decrescendo a olhos vistos. Um escorregão desnecessário, estagnaria o candidato, com isso beneficiando diretamente Maria, ainda com formidável e fidelíssimo eleitorado.

Minha opinião foi levada em conta, e no dia do debate, o assunto maior foi o candidato ausente. Que mais ganhou com isso: João Alves dos Santos, o de Zé de Dona.

Embalado pela torcida pessoal por Queiroz; uma questão de gratidão, ressalte-se uma nobreza de caráter; e pelo fetiche que representa para muitos a palavra debate, o ex-craque e meu amigo Amaúte profetizou: João de Zé de Dona já era. Perdeu o “combate”.  

De tão entusiasmado, errou a palavra; falou combate, ao invés de debate, o que arrancou risos gerais dos colegas e amigos. Que foi ganho justo por quem não compareceu.

João Alves dos Santos, João de Zé de Dona, foi empossado na vetusta alcaidaria municipal - prefeitura desde 1935 - em 1º de janeiro de 1993, deixando o cargo em 31 de dezembro de 1996.