quarta-feira, 18 de setembro de 2024

A ERA DA FALSIDADE

 “...com aquele sorriso, falso igual a beijo de rapariga”

(Jersier Quirino, O Barbeiro)

Os líderes buscavam serem confiáveis. Darem segurança. Os pretensos de hoje... abrem os dentes.
Desde 1978, que guardo na mente os versos do trabalho de Ednardo, em Receita da Felicidade, publicado no LP, O Azul e Encarnado, pela RCA Vitor, em 1977, logo após o estrondoso sucesso de Pavão Misterioso, esta, trilha da novela Saramandaia, da Rede Globo, proibida pela Censura da Ditadura, no Governo Geisel, única vez na vida que o governo brasileiro governou em plenitude, peitando inclusive a Rede Globo, poderoso instrumento de dominação “softpower” do Departamento de Estado americano, no Brasil, obviamente.
A música do Ednardo é uma crítica à manipulação publicitária, com o uso (abuso?) de crianças.
E, de falsidade em falsidade, chegamos aos candidatos do certame eleitoral atual. Os das últimas três décadas, especialmente. E seus sorrisos.
Ao se posicionar à frente de uma câmera para uma foto, quase sempre com o ponteiro do ‘vaidômetro’ batendo no limite, contudo, para uma campanha eleitoral o cidadão ou cidadã buscava passar a imagem de pessoa séria, compromissada, um ou uma líder de verdade. Depois que todos se convenceram que a política, o governo e até o Estado, são circos, todo mundo virou estrela de circo. No pior sentido, por favor. Seja o tradicional, seja o mais moderno, conhecido como influencer, influenciadores, na língua que ainda é a do Brasil.
Nada daquela seriedade, de quem, compenetrados, os candidatos entendiam a importância, o alcance e peso de carregar sobre as costas a responsabilidade de guiar os destinos do seu grupo, do seu município, estado ou federação deles. 
Todo mundo tem de abrir os dentes, fechando corações e mentes, ao progresso da civilização. 
O espetáculo deprimente que assistimos nesta semana entre dois palhaços, no pior sentido (um vindo do show de horrores dos programas policiais, o outro, um influenciador de internet), gerado por esse sistema perverso, espetáculo tido pela maioria como natural, é o coroar do fim da civilidade. Queira Deus que passageira.
Porém, a constatação é óbvia: o ‘deep power’* (poder profundo), desgraçou, matou a mística de todos os líderes políticos. E a nossa geração lhe seguiu, foi por ele conduzida, abrindo caminho aos tiranóides. Os minimamente controláveis, tipo Collor e Bolsonaro, que até presidentes já foram; e Pablo Marçal, que, temo, sê-lo-á, em breve.
E quase nada tem para se colocar no lugar.

*corruptela de 'softpower', anglicismo, hoje generalizado no jornalismo brasileiro, que nunca foi tão colonial quanto hoje.