sábado, 17 de agosto de 2024

SEMENTES

"Ontem o menino que brincava me falou

Que o hoje é semente do amanhã

Para não ter medo, que esse tempo vai passar

Não se desespere não, nem pare de sonhar" (Erasmo Carlos)


Que Itabaiana é de um pragmatismo radical, disso ninguém duvide. As características da terra, já parte do semiárido, com subdivisão radical e minifundiarização; crônica falta de transportes, só minimizado acerca de noventa anos atrás, fez-nos uma terra de pessoas de tez dura, dedicada ao trabalho intenso, à sobrevivência. Sem tempo para o cultivo da alma, além dos incessantes atos religiosos.

Na última metade de século, contudo, mesmo que lentamente, isso começou a mudar.

O marco de virada foi o jornal O Serrano, entre 1969 e 1974, especialmente, quando começou sua lenta agonia até morrer completamente, justo em função do pragmatismo gerado por outra novidade, muito mais abrangente: o rádio.

De qualquer modo, se no passado glorioso das letras sergipanas, para resumir, não tivemos nenhum João Ribeiro, Manuel Bonfim ou Silvio Romero, nos últimos cinquenta anos, "carregadores de piano" (cf. Francisco Tavares da Costa, o Fefi), têm buscado romper o citado pragmatismo radical, a começar do consagrado Vladimir Souza Carvalho. 

Nos últimos vinte e cinco anos, com a advento da Revista Perfil, publicação aracajuana, porém focada em Itabaiana, houve intensa movimentação no sentido do ativismo cultural, especialmente na literatura, com revelações, tipo Antônio Francisco de Jesus - Saracura. Com a contribuição universitária, máxime da UFS, desde 2006, com o campus Alberto Carvalho, em Itabaiana, o sucesso das bienais, e a fundação da Academia Itabaianense de Letras, esse ativismo atingiu a maioridade.

Vários agentes individuais e instituições de ensino têm contribuído para esse clima. 

Em agosto de 2017, a professora Rosa Maria Vieira de Santana, na direção da Escola Municipal D. José Thomaz, e inspirada na Academia Itabaianense de Letras, fundou a ASJE - Academia Serrana de Jovens Escritores, que muito tem produzido e inspirado outras unidades, até em outros municípios.

À esquerda, a primeira antologia organizada pela acadêmica, Prof. Inez Resende; à esquerda, em cima, renovação nos quadros do CAL - Centro Acadêmico-Literário, do Colégio O Saber; e embaixo, sessão conjunta da Academia Itabaianense de Letras, em recepção a Academia Serrana de Jovens Escritores, centrada na Escola Municipal D. José Thomaz, reprezentando cada um dos atuais componentes da AIL.

Se o ato da professora Rosa Maria já foi espetacular, maior surpresa não deixou de ser a ideia do Professor Emerson Maciel, prontamente encampada pelo casal Everton Souza e Lurdinha, dirigentes-proprietários da unidade privada de ensino, o Colégio O Saber, ao fundarem - e manterem - o CAL, Centro Acadêmico Literário do mesmo Colégio.

Porém, outras formiguinhas não têm deixado por menos.

Para mais não me alongar, na última quarta-feira, 14, foi lançado mais uma antologia, coordenada pela Professora Inez Resende. 

Local mais que apropriado, o lançamento foi no IFS, que ora completa 15 anos, e é, como já adiantado, o segundo trabalho do gênero, efetuado pela professora, que iniciou seu ativismo literário na Escola Municipal Benedito de Figueiredo, do bloco de conjuntos então de baixa renda, localizados no extremo leste do Bairro São Cristóvão. Ali, Inez desenvolveu, e ainda desenvolve, voluntariamente - hoje está aposentada - um excelente projeto de resgate e de promoção da ascensão social de quem nunca teve muito. Através da literatura. Textos e poesias publicados em livros, por gente que nunca sonhou ir além de mini frases numa tela de celular.

Quiçá esses garotos e garotas nunca evoluam além disso. Alguns, infelizmente já foram vítimas, inclusive fatais, da violência que ali tem imperado. Contudo, outros permanecem na estrada; deles que hoje frequentam o próprio IFS; e, certamente, serão içados ou içadas, por um momento sublime de se sentir maior do que a sorte, num primeiro momento, pareceu lhe reservar.

Parabéns à Professora Inez e todas as inezes que existem por aí; a todos que vão além da obrigação e conduzem à frente a humanidade.

Auditório do IFS, campus-Itabaiana: acima, ambiente da bonita solenidade de lançamento, preparada pela unidade de ensino, com direito a coral de alto nível; embaixo, após o lançamente especial, grupo diretamente envolvido, a começar (da esquerda) pelo diretor do campus, Prof. Jairton Mendonça de Jesus e a autora.

Lembrando que o financiamento da execução desse sonho se deu mediante os recursos da Lei Paulo Gustavo, portanto, federais, conduzidos administrativamente pela Secretaria Municipal de Cultura.

É pra isso que governo deve servir: a eunomia.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

OS FERIADOS MUNICIPAIS DE ITABAIANA

 

Até a Constituição Federal de 1946 e Estadual de 1947, só existiam os Dias Santos, comemorados pela Igreja em qualquer dia da semana em que caísse.

A Constituição liberal, e a mais federativa que houve, de 1946, veio com separação de fato entre Igreja e Estado, mas deixou esses detalhes na conta dos Estados.

Assim, a Lei 119, de 8 de março de 1954 criou dois feriados: Santo Antônio, em 13 de junho; e 28 de agosto, obviamente visando a grande festa cívica da cidade.

Todavia, alguém de bom senso deve ter advertido Euclides Paes Mendonça sobre o ordenamento institucional do Estado brasileiro, antes de 1937; e da pouca importância em virar cidade, antes do Decreto-Lei 311/1938, contra a importância de ser vila, emancipada, Município, especialmente durante o Brasil colonial e monárquico independente.

E não há nenhum sinal de comemoração ao 28 de agosto; nem mesmo da implantação do feriado.

Em 05 de Março de 1968, sob a Constituição ditatorial de 1967, a Lei nº 341 deu nova redação no quesito feriados municipais, fixando-os em quatro anuais, nela incluindo os dois santificados e gerais, da Sexta-Santa e do Corpus Christi, que, como se sabe, são móveis; confirmou o 13 de junho, devotado a Santo Antônio, e incluiu o 8 de dezembro, devotado a Nossa Senhora da Conceição, que passou então a ser mais que um Dia Santo. Extinguiu, pois, o apagado 28 de agosto.

A Lei 538, de 8 de junho de 1983, retirou da rubrica de feriado municipal, os gerais, Sexta-Santa e Corpus Christi, e incluiu o 24 de junho, devotado a São João.

Seis anos depois, em 1989, porém, veio a primeira Lei Orgânica do Município, que substituiu o velho Código Municipal de Posturas, uma instituição municipal, anterior até mesmo ao reino de Portugal, e vinda do Império Romano, na sua passagem de "res publica" a império, no século I, antes de Cristo. 

A Lei Orgânica se constitui numa espécie de Constituição municipal. E, no capítulo das Disposições Gerais, Artigo 189, fixou-se o seguinte: "Serão feriados municipais, os dias 13 de junho e 28 de agosto, datas consagradas ao padroeiro da cidade e à Emancipação Política do Município.” 

Óbvio que o termo Emancipação aqui, está completamente descabido; uma vez que Itabaiana figura entre os 50 mais antigos municípios do Brasil, emancipado pelo ouvidor Diogo Pacheco por força do decreto do governador-geral, D. João de Lencastro, de 20 de outubro de 1697.

Plenário da Câmara, tomado por manifestantes pro-Paróquia de Nossa Senhora do Bom e seu feriado, em 15 de março de 2010.

O Dia de Nossa Senhora do Bom Parto

Em 14 de outubro de 1997, seis anos depois de criada a Paróquia de Nossa Senhora do Bom Parto, e movida por certo nível de populismo, a Câmara Municipal de Itabaiana aprovou a Lei 849, criando mais um feriado no município, e no dia 18 do mês de dezembro, oito dias antes do Natal.

Mesmo nos dias atuais, dezembro, já há quase cem anos é mês nervoso para o setor comercial da cidade de Itabaiana. Provavelmente a morte do feriado de Nossa Senhora da Conceição ainda nos anos 1970 teve a ver com essa pressão.

No primeiro ano do feriado de Nossa Senhora do Bom Parto, ninguém chiou. Porém, como feriado em dezembro, é um tabu para o velho mercado serrano, sábados e quartas-feiras, dias de feira livre são intocáveis na rotina de vendas, e no primeiro feriado coincidente com a feira livre o caldo entornou.

Sobrou para o então pároco Padre Adilson do Patrocínio administrar a ira de comerciantes furiosos, paroquianos guerreiros e vereadores indecisos; os primeiros querendo acabar o feriado, como num estalar de dedos. O Plenário da Câmara ferveu, na sessão de 15 de março de 2010. 

A Paróquia resistiu, porém, depois dos pomposos desfiles de arrogantes justiceiros e malandros, pegando carona num ou noutro partido, foi aprovada a Lei 1408, de 30 de junho de 2010, que mudou o feriado para a última quinta-feira de janeiro. 



terça-feira, 13 de agosto de 2024

13 DE AGOSTO, DIA DE SANTA DULCE: NOVOS TEMPOS.

 

Itabaiana de todos os santos em Dia de Santa Dulce
(esq. para a dir.: Santa Mônica; Santo Agostinho e Santa Dulce. Os dois últimos em mirantes com bela visão da cidade)

Hoje, 13 de agosto, dia do psiquiatra, do canhoto e do desgastadíssimo economista, é também o Dia de Santa Dulce, que realmente tirou Santo Antônio do protagonismo católico total por aqui. Apesar de continuar o maior, até mesmo porque a mesma Santa Dulce foi, antes de tudo, uma devota de Santo Antônio. Porém, com o protagonismo atual, assumido pela santa baiano-sergipana, o santo dos santos lusitanos, como advertiu, tempos atrás o articulista, Jerônimo Peixoto, deve estar sentindo um pouquinho de incômodo, aqui na cidade de Santo Antônio de Itabaiana. Esclarecendo o baiano-sergipana: Maria Rita nasceu na velha cidade da Bahia; porém, a freirinha Dulce, nasceu de Maria Rita na cidade de Sergipe d’El-Rei - São Cristóvão - que nesta semana também nos deu uma campeã olímpica: Duda, do vôlei de praia, em Paris.

Itabaiana, de fato, ao menos pelos mandarins, nunca foi assim tão fiel a Santo Antônio; apesar de ter há quatro séculos ter de se render à sua força.

A entronização do santo, provavelmente influenciada pela ordem franciscana, documentalmente ocorreu na década de 1620, quando foi iniciada a primeira capela em terras itabaianenses – a hoje, em ruínas, Igreja Velha.

Mas as autoridades não lhe deram condução; e, depois da baita confusão de 1656, em 1665, nove anos depois, o padre de Sergipe – todo o estado era município e paróquia de São Cristóvão – Sebastião Pedroso de Góis, lá criou a Irmandade das Santas Almas do Fogo do Purgatório. Dedicada a São Miguel Arcanjo, atualmente representado por sua imagem no altar da matriz de Santo Antônio e Almas.

Porém, quando com poderes plenipotenciários chegou a Itabaiana, em julho de 1674, o governador das minas, D. Rodrigo de Castelo Branco, com ordens de fundar uma cidade clássica (Muros, fosso, ponte, torres, canhões, soldadesca, e obviamente, uma matriz e casa de câmara e cadeia), o Padre correu aqui, arranjou um sítio, vendeu à Irmandade das Almas e fundiu Santo Antônio, do povo, com São Miguel, sua preferência. Nem a cidade foi construída como pensada – não houve prata que justificasse - nem o povo se dedicou devidamente a São Miguel.

Centenas de anos depois, no furor modernista da nova capital, e sua padroeira, Itabaiana tentou turbinar a devoção a Nossa Senhora da Conceição. Até sua velha Filarmônica Euphrosina, originada do coro sacro, criado pelo profícuo Padre Francisco da Silva Lobo, foi rebatizada com a onomástica que ainda hoje possui. Mas Santo Antônio resistiu.

Em 1954, pela Lei Municipal 119, de 8 de março, finalmente foi oficializada a tradição tricentenária de comemorar no 13 de junho o santo, que originalmente denominou a cidade: Santo Antônio de Itabaiana.

A Lei Orgânica do Município consolidou o feriado no seu artigo 189, das Disposições Transitórias.

Mas ora, vivemos tempos agitados.

A cidade se consolidou como capital regional; dobrou de tamanho nas últimas décadas. 

Com o advento dos condomínios fechados, de médio e alto padrão, segurou sua classe mais abastada, em geral em contínua fuga, especialmente para a capital, repercutindo nos serviços e melhoria geral.

Simbolicamente, o primeiro condomínio de alto padrão, construído à margem da antiquíssima estrada real de São Cristóvão, por onde passou D. Rodrigo de Castelo Branco e o Padre Sebastião Pedroso de Gois para instalarem a paróquia de Santo Antônio, núcleo de origem da cidade de Santo Antônio de Itabaiana, foi batizado de Santo Antônio. O segundo, homenageou indiretamente Santa Clara de Assis, mas os terceiro e quinto empreendimentos homenagearam mãe e filho: Santa Mônica e Santo Agostinho, doutor da Igreja, e em cujos fundamentos ela evoluiu institucionalmente.

Nenhum dos dois é popular, como bem observa Antônio Samarone em recente artigo; porém, na minha concepção, a cristandade – inclua-se aí quase todos os não católicos – tem enorme dívida de gratidão com o bispo de Hippo-Regius ou Hipona, atual Annaba, Argélia. Deu régua, compasso, prumo e nível ao pensamento cristão, então disperso, ainda cheio de lacunas depois de Niceia. Tenho-o profunda admiração. 

A minha bucólica Mangabeira, em 1995, (atualmente se acha urbanizada) rodeada de serras, lembra as serras que circundam as ruínas da velha Hippo Regius, hoje Annaba, e a basílica de Santo Agostinho, abaixo.


Se há um local que deseje visitar longe das minhas serras, é o que está entre as serras, à beira-mar, no Mediterrâneo, que circundam a catedral da muçulmana Annaba. Talvez por me lembrar a paisagem de tenra idade na minha Mangabeira, povoado em que nasci, ao sul do município de Itabaiana.

Santa Dulce, começada a ser oficialmente santa em Itabaiana, está em franco crescimento entre nós.

Tão logo nos livramos da maldita pandemia, começou-se a preparar um lugar digno dela, o mais digno que se pode oferecer, que é o coração do itabaianense. 

O Caminho de Santa Dulce, de Itabaiana a Salvador, foi estabelecido pela Associação Sergipana de Peregrinos, já no ano passado. A versão doméstica do mesmo, organizada principalmente pelo pessoal do Abrigo Santa Dulce, além de providenciar a estátua da santa num mirante, nas dependências do referido Abrigo, na zona urbana, inaugurou a ermida fronteiriça ao Parque dos Falcões, local histórico brasileiro, onde nasceu a Lenda da Prata de Itabaiana, na vertente sudoeste da Itabaiana-açu. Para ali tivemos no último dia quatro, a segunda e concorridíssima caminhada com milhares de fiéis, só menor que a emblemática procissão de Santo Antônio, multissecularmente realizada todos os dias 13 de junho.

Enfim, Santa Dulce veio para ficar.

E, já que em vida foi devota de Santo Antônio... já acho que quem mais uma vez vai sobrar será o pesador de almas, São Miguel Arcanjo.