Lavandeira, à vontade me premiando com a sua simplicidade. Ao fundo, por trás do tronco, quatro séculos de história, no povoado Bomfim, município de Divina Pastora-SE |
Nascido numa terra de povo inquieto, povo viajor por natureza, à minha maneira não fujo à regra.
Tenho por hábito pouco sair das minhas serras, fisicamente falando; mas, quando o faço, não somente o corpo físico se desloca, como a mente se projeta no tempo. Não consigo ver uma estrada, com histórico antigo, sem acabar por nela me ver, por um ou quatro séculos atrás.
Numa perseguição ao passado, hoje, 31 de outubro, fui até passagem de São Gonçalo, que também já foi chamado de Rio de Sergipe, de Os Pintos; enfim, Riachuelo. A denominação atual é uma homenagem à batalha travada no Rio Paraná, na Província de Corrientes, Argentina, em 11 de junho de 1865, início da ofensiva brasileira na guerra contra o Paraguai, a Batalha de Riachuelo.
Como Passagem de São Gonçalo, ficou desde a criação dessa paróquia, em 1700, ficando assim conhecida até fins do século XVIII, quando já perdera grande parte da importância para um novo ramal, mais à leste, por Pedra Branca, da estrada Salvador-Olinda, ou Caminho do Mar.
Inicialmente a estrada atravessava o rio Sergipe em Riachuelo devido ao local ser cabeça de maré. O máximo aonde a maré chega, ao subir rio acima em cada enchente, duas vezes ao dia.
Hoje, com o avanço da tecnologia, e o advento de pontes monumentais, essas particularidades são desprezíveis; mas já contou muito nas jornadas semanais a pé.
Antes de chegar a Riachuelo, porém, passei por outro lugar emblemático: o entroncamento – e fusão temporária – das duas estradas reais abertas, tão logo veio a Conquista de Sergipe, com desfecho na Serra do Pico, hoje limite entre os municípios de Frei Paulo, Itabaiana e Macambira, por volta da meia noite de 31 de dezembro de 1589, segundo o Frei Vicente do Salvador. O Caminho do Sertão, e o Caminho do Mar. A fusão ia até Japoatã.
Excerto de mapa holandês, nassoviano. |
E o citado entroncamento?
Ele aparece no mapa holandês de 1646, como tal, e um curral – fazenda – fornecedor de gado para o Pernambuco ocupado pelos holandeses.
Durante os sete anos da administração Maurício de Nassau, especialmente após o mês julho, com o rio São Francisco seco, o grosso do gado juntado dentro da Itabaiana descia as colinas da Santa Rosa de Lima, encontrava a outra parte que vinha da área mais litorânea, justo aqui; e rumava para Pernambuco.
Hoje, nessa espécie de esquina do mundo antigo sergipano, uma graciosa unidade de ensino em que, provavelmente por desconhecimento da História de Sergipe, uma praga geral no estado onde tanto se fala em sergipanidade, não tem a mínima noção da importância histórica desse lugar, qual a inocente lavandeira que em meu limpador, veio graciosamente pousar.
Sobre a paróquia de São Gonçalo, D. Marcos Antônio de Souza – que dela foi pároco antes de ser bispo do Maranhão - nos diz que foi fundado na passagem que depois levou o nome por um bom tempo; migrou por breves tempos para as colinas onde hoje se assenta Divina Pastora; e acabou indo servir de suporte à aldeia indígena, estilo missão, do Pé do Banco, onde hoje está, com o nome Jesus, Maria Jose, tendo perdido o São Gonçalo. E Pé do Banco virou Siriri, nome do afluente do rio Japaratuba que lhe passa próximo.
A passagem de São Gonçalo. |