segunda-feira, 24 de novembro de 2025

HOMENS DE VALOR

 


“E graças a esse feito, de homens que tem valor, meu Paulo Afonso foi sonho que já se concretizou”.
Com esses versos da epopéica canção popular, publicada em 1955, a dupla Zé Dantas e Luiz Gonzaga saudaram a redenção do ex-rico nordeste, processo que ainda hoje não se completou; mas que já deu grandes passos. A música Paulo Afonso é uma homenagem à inauguração da hidrelétrica.

Quem estará nas trincheiras ao teu lado? – E isso importa? – Mais do que a própria guerra (Hemingway)
João Alves e seu escudeiro-mor, José Carlos Machado, recepcionam o Ministro do Interior, Mário Andreazza. 1985, em visita ao outro projeto de irrigação, o Ribeira.

E é sobre homens que tem valor que agora delineio.
Hoje pela tarde recebi do amigo Aluizio Santos, colega de Casa dos Estudantes nos anos 70; e ex-prefeito de Pedra Mole, um videozinho, lembrando que fazem cinco anos da morte do ex-governador de Sergipe, o engenheiro João Alves Filho.
Nos meus parcos estudos sobre meu Sergipe, o estado pouco parecendo que nunca será tri-trem; nunca passará de “ser jipe”; do que pude depreender, só houve três governantes de destaque; que por algum modo escaparam das armadilhas de uma elite política, pior que a nacional, que já é bastante sofrível: Maurício Graccho Cardoso; José Rollemberg Leite, I e II; e sua criatura, o Negão da água. Os demais, foram completos inabilidosos, e manietados pela caterva da preguiça, mas com esperteza para sempre se manter agarrado ao butim; ou preguiçosos, mesmo. “Bonecos de posto”.
João, contudo, cometeu um grave erro: Tentou uma segunda, terceira e até quarta vez, parafraseando Vicente Celestino, “caindo, caindo”. Não merecia ter passado por isso. Pelo que João Alves representou para Sergipe, jamais deveria ter retornado em 1991. Muito menos em 2002. 
Porém, com todos esses erros políticos, e administrativos deles advindos, inclusive a desastrosa administração da capital, capital, diga-se, refeita por ele, entre 1975 e 1978... continuará o Negão.
Aquele que inverteu as expectativas negativas, que, infelizmente, ora estão de volta.
Eu, entre mestres da Escola Municipal Governador João Alves Filho, na Agrovila
hoje á tarde.

Ao ser convidado há três semanas atrás, pelo amigo, guerreiro de causas populares, inclusive a causa negra, professor Luciano Soares Santos, o Tito, para ministrar uma palestra sobre este tema, no dia de hoje, coincidiu que: é uma data especial, porque do falecimento do nosso único governador negro; na escola que ostenta o seu nome: Escola Governador João Alves Filho; num povoado que nasceu há quatro décadas, de um dos principais focos de seus governos, a água e seus desdobramentos como motor de desenvolvimento: A Agrovila, assim chamada por uma vila de agricultores irrigantes.

Ao percorrer a estrada que leva às ruinas da Igreja Velha e cercanias, incluindo a hoje grande povoação da Agrovila, um filme veio a me passar pela cabeça, ao ver as lindas e soberbas plantações, e as centenas de aspersores a fazer chover, gerar riqueza em forma de alimentos no município de Itabaiana, onde, o celeiro do Estado quase “fecha pra balanço”, com o fim da agricultura de sequeiro, ao fim dos anos 70. Dados do Censo Agropecuário de 2017, das 3.262 propriedades do município de Itabaiana, 1.480, 45,4%, quase metade, praticavam a irrigação.
Em 1980, dos 5.660, apenas 117 eram irrigados. Um terço estava vendendo o solo (areia) para construção; e metade deles, as famílias estavam vendendo por preço barato para reconcentradores de terras, que aumentou os tamanhos médios das propriedades, enquanto reduziam seu número para 3.561, em 2006; e 3.262, agora em 2017. 
Mas em 2006, ano do penúltimo Censo Agropecuário, o número de propriedades irrigadas saltou para mais de 29%. E em 2017, repito, 45,4%.
Aspecto da Agrovila. Mais parecendo uma bucólica cidadezinha que uma vila de agricultores. O enriquecimento das famílias está à vista.

Estancou-se o empobrecimento, virando para enriquecimento.
Graças aos projetos de irrigação. Projetos do Negão. Do João da Água. O homem do Chapéu de Couro.
Que a sua memória seja eterna e que outros nele se inspirem.  Só assim Sergipe voltará a ter esperança. 

domingo, 23 de novembro de 2025

ANTES DE SER CAMINHONEIRO, O ITABAIANENSE FOI VAQUEIRO.

 

Dia 30 de novembro, Itabaiana, a cidade-mãe da pecuária nacional, segundo o que deixou grafado o sargento-mor, Diogo Campos Moreno, em 1612, realizará mais uma Festa do Vaqueiro. 

A data não chega nem de perto a ter o simbolismo do dia 5, do mesmo mês de novembro; mas já é alguma coisa.

Também a festa será muito distante daquelas primeiras apartações, de 1610, 1620, para apurar a produção; pagar os impostos – as fintas; os arrendamentos, enfim, levar as boiadas para Salvador ou para Olinda. 


A fazenda na área do Mandeme preserva traços do encontrado e grafado em mapa, pelos holandeses, em 1637, quando Itabaiana tinha "campos de infinitos gados", conforme tinha dito o sargento-mor, Diogo Campos Moreno, vinte e cinco anos antes; e era o grande centro abastecedor de gado, à Bahia e a Pernambuco, que, praticamente resumia o Brasil, ao nascer.

Certamente no domingo, aboios se ouvirá, como se ouviu há quatrocentos anos; mas não haverá derrubadas, ferradas, etc.. Ao invés disso, cantores do show-bizz, em cima trios elétricos, e nenhum boi na manada.
E será dia 30; não no dia 5. Ou próximo disso.

O 5 de novembro

Um curral natural, cercado de serras, em cuja área, atualmente, cinco municípios se formam dentro das serras, e quatro nas suas fraldas externas. Epicentro, no dia 5 de novembro de 1656, da primeira rebelião contra o abuso de autoridade na história da formação brasileira.

E porque insisto em falar sobre o simbolismo do dia 5? 
O cercado natural de serras, se encheu de gado, tão logo veio a Conquista de Sergipe, oficializada em 1º de janeiro de 1590. 
Era seguro, apesar de próximo do mar; fica a 300 km (em linha reta de Salvador); e 400 de Olinda. Quase no meio do caminho entre os dois grandes centros. Olinda - leia-se Pernambuco - cheia de dinheiro do açúcar; Salvador, a capital da Brasil, seu Recôncavo, e suas imensas frotas de caravelas, necessitando de milhares de cordas de couro de boi; e couro para embalar o fumo que levavam para a África e Índia. Além do monte de marinheiros, famintos por carne do sol.
Em 1600, sob o império espanhol, abarcando quatro dos cinco continentes, o curraleiro, criador arrendatário das terras, praticamente não pagava imposto. Mas em 1650, depois de consolidar a Restauração do domínio português as coisas mudaram. Para pior.
Teoricamente, Sergipe era independente do governo baiano; mas todo ano Salvador vinha cobrar imposto, que também tinha de ser pago a São Cristóvão, a capital de Sergipe, e por ele responsável. 
O imposto se tornou extorsivo; e aí, num claro ato de desespero, para chamar a atenção de Lisboa, o próprio governador de Sergipe, criador arrendatário em Itabaiana, Capitão-Mor Manuel Pestana de Brito (Teria vindo daí “o Campo”?) liderou a primeira revolta contra o governo no Brasil: a Rebelião dos Curraleiros, em 5 de novembro de 1656.
Foi um desastre! 

Abuso na cobrança de impostos levou ao desespero, resultando em rebelião que envolveu até o governador Pestana de Brito.

Foram presos o governador, Pestana de Brito; vários vereadores em São Cristóvão, todos criadores de gado em Itabaiana; enfim, cerca de cem proprietários tiveram suas vidas afetados – e afetaram a produção por anos – sendo que somente seis anos depois os processos, na maioria irregulares e até criminosos foram jogados na lata do lixo. E queimados para não deixar provas dos abusos. E Sergipe passou desde então a ser verdadeira colônia de Salvador.
Logo, quanto tilinta um chocalho; ou alguém solta um aboio, fatos históricos recém revelados nas pesquisas do Programa de Documentação e Pesquisa Histórica, do Departamento de História da Universidade de São Cristóvão, conduzidas pela itabaianense Maria Thetis Nunes e seu parceiro, Lourival Santana Santos, me reavivam a memória da grandeza sonegada ou ignorada do meu lugar.
Viva mais uma Festa do Vaqueiro! 
Quiçá, um dia, se amarre festa, à magnânima data da sergipanidade. A meu ver, a maior. Nascida sob heroísmo real e sofrimento. 
Há 16 anos que tento. 
Um dia sai.



quinta-feira, 20 de novembro de 2025

"P'OFESSOR, CANTE SALVE LINDO."

 

Ontem, 19, foi o Dia da Bandeira. Símbolo cívico que, em geral, é mau usado; abusivamente usado.

Falsos patriotas vestem-na para fazerem lambanças; bandidos empunham-na para parecer fervor patriota; ‘goelas’ pregam patriotismo com ela, enquanto traem princípios, a que supostamente defendem; e tem a turma dos torcedores de quatro em quatro anos, mais fervorosos à medida que a bola entra na rede, do adversário; murchando, até desaparecer, quando em contrário.

Mas ontem esqueci essa galera, incluindo a caterva acima citada e lembrei de um patriota de coração: meu saudoso aluno, Valdileno Santana da Silva, ou Val de Dionetes; ou de Zefa de Dionetes, conforme o apelo popular de quem o citava.

Patriotismo nunca foi o forte do brasileiro, sempre comandado por uma elite colonial, que detesta o país, em que pese dele se nutrir há cinco séculos, e que por isso está muito distante de infundi-lo – o patriotismo - pra valer no populacho.

Parte indissociável da identidade de uma pátria, os símbolos nacionais têm servido a meros protocolos hipócritas, mesmo assim, só se tornando frequente com alguma medida de força.

Nas escolas, por exemplo, foi parte do nacionalismo na marra da Ditadura do Estado Novo, reforçado pela ditadura civil-militar de 1964. Que terminou em 1985, depois de 21 anos.

A escola, até fins da década de 1970, tinha o salutar hábito de cantar um dos principais hinos, em geral, antes das aulas; e, em 19 de novembro de 1973, aos treze anos, um mês e onze dias de vida, pasmem: eu estava professor. Um guri ensinando outros guris. No povoado Caroba, extremo sul do município de Areia Branca, que foi parte de Itabaiana, há dois séculos.

A falta crônica de professores, em geral levava comunidades inteiras a se valer de quem simplesmente sabia ler e escrever para servir como professor dos filhos. Crianças, como eu, inclusive.

O dia 19 de novembro de 1973 caiu numa segunda-feira; porém, antecedido pelo 15 de novembro, na semana anterior, comecei já na segunda da semana anterior a ensinar aos meus guris, o Hino Nacional, e o Hino à Bandeira.

Val, nos seus nove anos logo se apaixonou pela melodia e letra do Hino à Bandeira. Meio tímido, mesmo falando com um menino maior, mas preservava a ritualística do relacionamento mestre-pupilo, que era lembrado em casa, ao sair para a aula. Notei que estava querendo algo, porém sem querer dizer. Foi então que me dirigi até ele e perguntei o que desejava.

Val corou, olhou os outros, meninas e meninas ao redor; criou coragem e respondeu em forma de pedido, evidenciando sua natural dificuldade em pronunciar o encontro consonantal “pr”: P’ofessor, cante Salve Lindo!

Cantamos o Salve Lindo até o fim do ano, já próximo, quando me despedi deles e de um dos lugares mais mágicos e simples, em que tive o prazer de viver.

Mas aquele apelo jamais saiu de mim. Mesmo quando cerca de 15 anos depois soube de seu falecimento num acidente.

Sou apaixonado por gente.

Em 2007 estive no mesmo local de minha experiência mágica. Ali, escombros da velha casa, que um dia me serviu de escola; traços nos entulhos marcados pela linha amarela, e as lembranças dos meus 21 alunos, cuja lista de chamada ainda preservo, 52 anos depois.


quarta-feira, 19 de novembro de 2025

50 ANOS DE UM RENASCER

 

A possante ponte, sobre o histórico rio Vaza-Barris, inaugurada em 1975, marcou o reatamento entre os dois municípios sergipanos mais antigos, depois de São Cristóvão: Itabaiana e Lagarto; mas não só isso, como também refez, no trajeto sul, a antiquíssima estrada colonial Salvador-Olinda. Ou estradas das boiadas, dos primeiros 50 anos de Sergipe, ainda no nascer do Brasil.

Ignorando completamente uma matéria recém descoberta na edição 228, do jornal itabaianense, “O Serrano”, de 8 de março de 1975, sempre tive que a SE-170, entre Itabaiana e Lagarto teria sido aberta com seu asfaltamento em 1980. Ledo engano. Como a maioria das obras estruturantes e de desinteresse dos mais poderosos, a estrada de rodagem, com alguma diferença em seu curso, foi inaugurada em 5 de março de 1975, uma quarta-feira, dois dias depois da minha mudança para a cidade para estudar, de onde não mais retornei à zona rural, minha origem.

Prejuízos que a falta ou deficiência da história, escrita, obviamente, sempre produz.

Portanto, há 50 anos, feitos em março, ao menos relativamente ao trajeto do Caminho de Sertão ou estrada colonial Salvador Olinda, sentido Itabaiana-Salvador voltou a ser totalmente operacional. Mesmo que ainda hoje tenha certas limitações entre Itabaiana e Itapicuru, já na Bahia.

O mapa de 1825 confirma o escrito por D. Marcos Antônio de Souza, em suas "Memórias sobre a Capitania de Sergipe", de 1808, sobre a antiga estrada colonial Salvador-Olinda ou das Boiadas já ter sido em parte abandonada; e seu trajeto, em parte, "por terrenos particulares". Detalhe em vermelho.

A estrada colonial foi aberta assim que se consolidou a Conquista de Sergipe, em 1590. Ela foi trajeto preferencial de missionários, principalmente jesuítas, e de transporte da nascente economia sergipano, especialmente boiadas, até 1700. Mas ao romper o século XVIII e a descoberta de ouro em Minas Gerais, todo o Nordeste tomou um baque. E o gado de Itabaiana e de todo o interior de Sergipe perdeu completamente a importância, levando a estrada ao desuso. Em 1800 já quase não mais existia, exceto em trechos. Entre Itabaiana e Lagarto se passou a usar a alternativa pelo povoado Ribeira.

Um dos trechos que se manteve em uso todo o tempo foi entre a cidade de Itabaiana e seu povoado Campo do Brito, o velho, até 1845.

Dois trechos do novo trajeto, já por volta de 1800: Estrada de Itabaiana para o povoado Ribeira, passando por pedreira, originária da escavações holandesas. em 1640, atrás de prata; e, sua sequência até Lagarto, na passagem pelo rio Vaza-Barris, logo abaixo da foz do rio das Pedras nesse, no local conhecido como Barra de Santo Antônio.

Com a instalação da matriz de Nossa Senhora da Boa Hora, em 1845, no local onde passou a ser a futura cidade, novo caminho passou a existir desde Itabaiana, identificável hoje pelo popular nome de Rua da Caixa d’Água. Só até Campo do Brito, a nova.

Em 1937, noutro trajeto, veio a estrada de rodagem. Até a cidade de Campo do Brito. Informações ora recuperadas, mostram, no entanto que em 1975 o velho trajeto de uma das mais antigas estradas do Brasil foi refeito, integralmente. O que houve cinco anos depois, em 1980, foi mais um trajeto, a atual, SE-170, asfaltada, que segue numa linha reta até cruzar com a rodagem, hoje acesso a São Domingos.

Se a estrada de rodagem para Campo do Brito, de 1937, tivesse sido até Lagarto, talvez a era do caminhão talvez tivesse chegado vinte anos antes; ainda com seu criador, o comerciante, músico, compositor, maestro e político, deputado Esperidião Noronha. Coube a Euclides Paes Mendonça, seu sucessor partidário implementá-la, por outra rota: a dos sertões do Jeremoabo, depois de 1954, quando a BR-235 chegou àquela cidade.

Mesmo que não tenha merecido a devida atenção até os dias de hoje, mas a ideia começada sob o governo Paulo Barreto de Menezes, e só inaugurada por Augusto Franco começou a devolver a Itabaiana sua ligação direta com a primeira capital do país.


sábado, 15 de novembro de 2025

COMO HÁ 50 ANOS ATRÁS

 

De fato, jovem sempre foi jovem, mas agora à boquinha da noite eu me senti como há 50 anos atrás. Explico.

Fui convidado pelo Naajohn a me fazer presente em mais um sarau, dos tantos que tem promovido, desde as atividades no Campus Alberto Carvalho, a outras, como esse de hoje, realizado na meia-lua da Avenida Nivalda Lima Figueiredo, quase esquina com Luiz Magalhães.

Eu fui; mas não me demorei muito. O ambiente completamente estranho – tudo jovem, com idade de serem meus netos. A falta de alguém conhecido para trocar algumas ideias. O próprio John lá não estava no momento... me senti um peixe fora d’água.

Ao mesmo instante bateu uma lembrança “de quando eu era assim”. E isso se fez mais forte quando o garoto ao violão, aprendiz de João Gilberto e toda a sua calma, saiu de seu repertório atual de composições, visivelmente de bom nível, e adentrou velhas canções da minha adolescência.

Em 1975, não sabia tocar um violão quem não solasse a introdução, claro, depois entrando na canção de Fernando Mendes, “A Desconhecida”. Era obrigatório. Em geral, terminava tocando também “Preta Pretinha”, do saudoso Moraes Moreira, em geral com o grupo todo, Os Novos Baianos.

Pois foi por “A Desconhecida” que justamente o garoto de voz calma, gilbertiana, começou.

Passou-me um filme na cabeça, incluindo os saraus de meus amigos roqueiros, os saudosos amigos Nem de Abdon, Adelardinho e Cacá de Alcino, ao som do violão divinamente tocado pelo irmão deste, Luiz Antônio; às apresentações do saudoso Ivan Andrade. Gerações de jovens que se sucedem lutando, firmes, para tornar mais adoçada a vida.

Que venham mais e mais saraus, e que o Naajohn continue me convidando. Vai que, de repente me baixe de novo o espírito jovem, e eu me reenturme, né?

Sem cabelo quase nenhum à cabeça, mas me continua a ecoar nos ouvidos os versos de Belchior, “cabelo ao vento, gente jovem reunida”. E como berra o alemão – em inglês – Marian Gold (Alphaville), “eternamente jovem, eu quero ser eternamente jovem”. Seja “Como há dez anos atrás”, como disse o saudoso Renato, do Renato e Seus Blue Caps”; seja há cinquenta, cem, o que for.

“Eu acredito é na rapaziada!”



sexta-feira, 14 de novembro de 2025

O MUSEU DE ZÉ DE ANA.

 

Recentemente, mais precisamente durante a VII Bienal Internacional do Livro de Itabaiana, promovida pela Academia Itabaianense de Letras, fins de outubro próximo passado, o prefeito municipal de Itabaiana, Valmir Costa, assinou um calhamaço de leis (para os padrões históricos culturais de Itabaiana), promovendo a cultura no município.

Dentre estas, a lei que fixa em prédio próprio, o Museu Municipal, desde a sua criação, em ambiente não muito apropriado, para algo de extrema necessidade de estabilidade.

A casa de memórias itabaianenses mudará definitivamente para um endereço emblemático, qual seja onde funcionou por décadas o cartório de 3º Ofício, ou Cartório de Registro Civil, em que todo mundo foi algum dia, ou ainda Cartório de Serapião, ex-prefeito Serapião Antônio de Góis, dele tabelião por mais de trinta anos, justo na fase de maior crescimento da cidade.

Conforme o que sabemos, toda a estrutura frontal, clássica do curto período do Estado-Novo, será preservada; com mudança da estrutura apenas na parte interna, consoante a necessidade do objetivo.


Minha Itabaiana de tantas tentativas.

O local onde funcionou "o Cartório de Serapião", e a casa adjacente indenizados e aguardando a estruturação para abrigar, em definitivo, o Museu Municipal, criado a menos de duas décadas.
Em 1872, Miguel Teixeira da Cunha foi a Salvador, pela velha e seiscentista trilha das boiadas, buscar seu daguerreotipo, na época já em processo de mudança de nome pra câmera fotográfica. Aguentou. E nos legou excelentes registros da antiga Santo Antônio de Itabaiana. Mas sabe Deus a que duras penas.
Em 1875, duas bombas: em 30 de março foi assinada toda a documentação para a construção da ferrovia Alagoinhas-BA e Itabaiana-SE, de onde deveria sair ramais para o resto do estado. Foi tudo providenciado. Menos o início das obras.  Muito menos o trem chegou. E logo mais à frente foi criado em Itabaiana o primeiro Gabinete de Leitura do interior sergipano. Existiu até a saída do professor que o criou.
Em resumo, sempre houve por aqui os Dom Quixote a combater os moinhos da ignorância; e as promessas de um futuro promissor. O problema é que os ditos moinhos sempre foram muitos e objetivamente poderosos. Em contrário.
Em 1980 me tornei carteiro, numa promoção interna e fui para as ruas entregar cartas. Um dos endereços mais frequentados, aonde mais chegavam cartas, estava na Rua Padre Felismino. O museu de Zé de Ana.
No entanto, havia cada vez mais desânimo daquele projeto ter continuidade. E não teve. De fato, depreende-se do artigo de Vladimir Souza Carvalho, de 1969, ainda um estudante secundarista; hoje um desembargador federal aposentado, que ali já se vivia sem muitas expectativas positivas.
Mas, como disse Galileu Galilei, eppur se muove; e o Museu Municipal já vai com quase duas dezenas de anos.
Agora, com endereço definitivo, esperamos que cresça; enriqueça o acervo, enfim faça jus à até agora tão mal tratada identidade serrana, mesma com mais de quatro séculos total, e três e meio de sua cidade; seu núcleo administrativo.
Para mim, que vivi um pouco o drama de José Conrado dos Santos, o Zé de Ana, e tantas outras lutas inglórias, isso tem gosto de vitória.
Viva os novos tempos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

A ETERNIDADE DA ESCRITA

 

Há quatro mil anos, uma senhora, de nome Lamassi escreveu uma carta desaforada ao folgado do marido, Push-ken. Ela, morando em Assur, cidade do então futuro Império Assírio, hoje norte do Iraque; ele, comerciante, 900 quilômetros a noroeste, na cidade de Kanesh, na atual Turquia. Ambas as cidades já não existem há dois mil anos.

E o que disse, e porque o disse D. Lamassi? Bem, previamente ela reclamou que há muito tempo não recebia nada do marido para manter a família. Então, frente a cobrança em assumir as responsabilidades de família, ele a acusou de desperdiçada. E ela não engoliu o desaforo. Foi para cima, inclusive o acusando de ter levado seus tecidos, fabricados artesanalmente por ela; tê-los vendidos e embolsado o dinheiro, não mandado nada para casa. 

Botou o malando no lugar dele. E aí vem a humilhação total: “O vizinho construiu uma casa nova para a esposa; enquanto ele a deixava vivendo numa arapuca”. Matou!

Por que sabemos isso?

Porque foi escrito. Como se fazia na época, e naquela região: no barro. Que depois queimou. Virou pedra. Depois que a casa caiu, foi encoberto pela areia, barro... e há cem anos, por volta de 1920, foi reencontrado, limpo, e interpretado pelos estudiosos ingleses. 

Só fica o que é escrito e impresso. O resto voa com o tempo e o vento.

O extrato do jornal O Serrano, acima, de 31 de maio de 1975, acaba de me confirmar, documentalmente, algo com que convivi, ou seja o assombro de Mané de Zeca dos Peixes, ou Manoel Gois que “sozinho mandou asfaltar a avenida nova, da nova estrada (BR-235 asfaltada) até o posto”. 

Eu sempre soube disso. Mas não dispunha do documento. Que a então garotada do Serrano grafou, e agora eu recupero: a primeira via pública asfaltada de Itabaiana foi uma iniciativa particular.

Viva o livro, a revista e o jornal.

Viva o impresso!