Quando a corte portuguesa se transferiu de Lisboa para o Rio de Janeiro, em 1808, encontrou um Brasil de vícios arraigados, de violência silenciosa, no exercício da administração, e suas consequentes monumentais injustiças.
O então príncipe regente, D. João, futuro João VI, encontrou uma realidade onde, um terço de todos os impostos cobrados e recebidos por Salvador, era proveniente de Sergipe. Que nada recebia de volta, sob qualquer benefício. Isso continuou.
Quatro células básicas, três delas antagônicas entre si, deram origem ao Brasil: O Maranhão, pouco influente; Pernambuco, Bahia e São Paulo. Tudo o mais, em maior ou menor intensidade foi avassalado por essas. Especialmente Sergipe. Provincianismo na veia.
Por outro lado, a ordem de Felipe II, de criar Sergipe em 1590 – por isso o nome de Sergipe D’EL REY - além de nunca ser encontrada – suspeita-se que a Câmara de Salvador a descartou – beira a total falta de lógica. Por que criar mais uma onerosa unidade administrativa, se já existia outra, poderosa e bem próxima?
Como assuntos de riqueza mineral sempre foram tratados com muito cuidado e sigilo, somente os boatos de mina de prata, no território original da futura capitania, justificaria todo esse cuidado do então plenipotenciário monarca espanhol.
Felipe II faleceu em 1598, sem encontrar prata em Sergipe; até mesmo porque, já nadava na prata de Potosi, hoje Bolivia. Deixou o governo sob seu filho, Felipe III, e seu ministro, o Duque de Lerma (Francisco de Sandoval y Rojas), de quem o povo espanhol depois cantou: “Pra não morrer enforcado, o grande ladrão da Espanha se vestiu de encarnado”. Virou bispo do Igreja. Se livrou da forca.
Mas os nascentes baianos nunca engoliram uma capitania, tirada da “sua” capitania, que já consideravam um reino a parte.
Os impostos, religiosamente sempre foram cobrados, em Sergipe, pela Bahia, sem nada de benefícios.
As vilas, municípios interioranos criados por ordem de Portugal, que retomou o controle em 1640, e a própria cidade de São Cristóvão de Sergipe d’El Rei, eram de uma miséria só.
A matriz de Nossa Senhora da Vitória, um puxadinho da homônima, na capital baiana, só veio ser terminada, em “pedra e cal”, mais de um século depois; e a de São Gonçalo, construída antes de 1630, nunca foi aproveitada. Envelheceu e caiu de abandono em fins do século XIX.
Em 1650, a penúria de São Cristóvão e descrita em soneto do “Boca do Inferno”, Gregório de Matos. (Veja ao fim).
Percebe-se uma estratégia, supostamente pensada para Sergipe não dar certo.
Estrategicamente, seguindo o corrente, à época, a capital deveria ter sido criada onde é hoje Santo Amaro das Brotas. Cristóvão de Barros preferiu Aracaju, que depois migrou duas vezes até parar em São Cristóvão. Pedra que muito se muda, não cria limo.
Estância, depois da expulsão holandesa de Sergipe, e esvaziamento do povoado, com a saída das forças de Henrique Dias, poderia substituir a então miserável São Cristóvão e seus casebres de palha. Não somente foi desencorajada a isso, como até a vila, meio século depois, foi para a matriz de Santa Luzia, essa, por sua vez um puxadinho de Santo Amaro da Ibipitanga, hoje em Lauro de Freitas, na Grande Salvador.
Santa Luzia do Itanhy, por sua vez, foi asfixiada por Salvador com o poderio do município de Abadia se estendendo até onde hoje estão os municípios de Cristinápolis, Indiaroba e Umbaúba.
Lagarto, e especialmente Itabaiana, além de serem interioranas, e sem rios navegáveis, sempre foram mantidas com discreta, mas firme vigilância.
E São Cristóvão, proibida de cobrar impostos e de administrar, além da mera execução de ordens emanadas da Câmara Municipal de Salvador. E obviamente, das ordens da Corte e do governo colonial
Enfim, de 1590 a 1820, Sergipe alimentou a Bahia, “com que fornecem a esta cidade (Salvador e Recôncavo), que sem elas não pode subsistir”, com farinha de Santa Luzia, cereais de outros municípios e carne de Itabaiana, depois também Lagarto, Simão Dias e Tobias Barreto. E com os suculentos impostos, cobrados, mesmo enquanto Sergipe permaneceu “quase” uma capitania independente, até meados dos setecentos.
A vinda da Corte para o Rio de Janeiro mudou a história. A presença do rei fez com que a elite local tentasse uma aproximação direta, mormente na figura do historicamente injustiçado, José Mateus da Graça Leite Sampaio, que, tornando-se Cavaleiro de Cristo, chegou a antessala real, e mesmo perseguido pelos agentes de Salvador em Sergipe, logrou do rei a decisão de quebrar o poderio baiano, aliado dos inconfidentes do Porto, em Portugal, obviamente. E mesmo sob a pressão inglesa, exercida pelos bocós colonialistas do Porto, obviamente pelos ingleses manipulados; e retornando a Portugal, o seu decreto de 8 de julho de 1820, teria a confirmação por seu filho, feito imperador do Brasil, em 1822.
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Extrato do mapa Carte du Bresil et d'une partie des pays adjacents, BRUE, Adrien Hubert (1826) |
E Sergipe cresceria velozmente até 1900, quando novamente caiu sob outro provincianismo, desta feita o paulista e sua República, de onde até hoje é dependente. E, apesar dos laivos do pós-Estado Novo, nunca mais voltou a ter a grandeza que teve no Segundo Império.
Vida que segue.
Por enquanto, comemoremos nossa segunda maior data, já que a maior, o nascimento, nesta fase histórica, é o 1º de janeiro de 1590.
Foi fácil tomar quase todo o Sergipe: os senhores de engenho, em sua esmagadora maioria, só se interessavam pelo próprio umbigo.São Cristóvão de Sergipe d'El-rei, por Gregório de Matos,
meados do século XVII
Três dúzias de casebres remendados,
Seis becos, de mentrastos entupidos,
Quinze soldados, rotos e despidos,
Doze porcos na praça bem criados.
Dois conventos, seis frades, três letrados,
Um juiz, com bigodes, sem ouvidos,
Três presos de piolhos carcomidos,
Por comer dois meirinhos esfaimados.
As damas com sapatos de baeta,
Palmilha de tamanca como frade,
Saia de chita, cinta de raqueta.
O feijão, que só faz ventosidade
Farinha de pipoca, pão que greta,
De Sergipe d'El-Rei esta é a cidade.