terça-feira, 14 de agosto de 2018

REVOLUCIONÁRIOS EM ATIVIDADE

Caminhão "pau-de-arara" de feirantes, na Rua Sete de Setembro em frente à "Igreja dos Crentes", início dos anos 70;
Caminhões "mercedinhas", hoje pela manhã, 14/08 estacionadas em ponto tradicional, há 1/4 de século.

Antes de entrar no assunto em pauta, uma observação: tudo que em Itabaiana foi feito de positivo nada teve de ideologia de qualquer natureza; só a luta pela sobrevivência, a garra de quem aproveitou as oportunidades pra sair do limbo e conquistar o seu lugar ao sol. Desde as aulas na Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, tomadas por Luiz Americano, em preparo para uma vaga no Exército brasileiro, e depois sua gloriosa carreira de co-fundador do Chorinho; da vanguarda no comércio varejista, com duas das cinco maiores redes de supermercados do país – chegando a três entre as dez, se ampliarmos o leque – de fins do século próximo passado, à explosão no número de universitários da década de 70 em diante, tem sido tudo em busca do sucesso pessoal, aproveitando o mar de oportunidades com o Nacional-Desenvolvimentismo de Vargas, que no seu núcleo duro foi preservado pelo regime Militar-Civil, e que está sendo sepultado agora por essa corja de criminosos que assumiram o poder, o governo de fato, desde junho de 2013.
Chego agora pela manhã no calçadão da Avenida Airton Teles e estaciono o carro, como sempre fiz. Ao fechá-lo, noto um mercedeiro, pros que não conhecem o termo, um motorista-proprietário de mercedinha, a marca culturalmente aceita por aqui, a diligente e camaradamente acenar pra mim. Acerco-me dele e vem advertência: “É melhor o senhor tirar daí e botar do outro lado. Senão a caneta (multa) come”. É quando me dou conta que invadi o espaço deles, do estacionamento reservado aos mercedeiros. Agradeço, manobro o carro pro outro lado, e quase ao mesmo tempo, no lugar que havia estado mais duas mercedinhas estacionam uma à frente da outra. Faz algo em torno de 25 anos. Há um quarto de século que é assim.

Revolução Popular

Até 1995, uma única empresa explorou o grande filão do transporte público intermunicipal da região da Grande Itabaiana – Itabaiana e seus 16 municípios-filhos – e a linha mais rentável do interior à capital, Aracaju. 30 anos de monopólio. Mas em 1996 as coisas estavam mudando. O Plano Real, no seu início foi desastroso para os trabalhadores em geral; mas para os prestadores de serviço foi um pote de ouro. Apesar de dois anos depois ter começado a se desmanchar. Um monte de pequenos poupadores em breve teria capital pra investir em atividades mais rentáveis que a poupança ou especulação financeira; investir no setor de transportes, segundo o que conhecia; cultura do povo itabaianense.
Teria passado em branco, o aumento de transportes de passageiros paus-de-arara, não fosse a falta, por parte do poder público de planejamento racional do transporte público, descontaminado de preguiça na máquina pública, imperícia e arrogância, mas, com uma Estação Rodoviária, à época, distante; a falência total, nas tentativas de estabelecimento de um serviço de transporte coletivo urbano em Itabaiana – até os dias de hoje; a oferta de serviços sem qualidade das mercedinhas, mas eficiente; e por fim os costumes dos empresários do serviço de ônibus, viciados nas concessões “com previlégios reaes” levou o povo a aplaudir os mercedeiros, quando estes começaram a sofrer pressões estaduais e federais para não transportar passageiros. E virou febre. Passageiros que era pegos no centro de Itabaiana e entregues no centro de Aracaju, sem os custos e os incômodos – demora, inclusive - dos ônibus coletivos daqui e de lá. Ativistas da pequena classe média local, como a professora de português e Literatura, Margarida Andrade expuseram-se publica aguerridamente mente em favor do transporte precário, mas desprovido de pose, e, acima de tudo eficiente e barato.
Como citei, as coisas estavam mudando rapidamente. O governo do Estado não usou da energia costumeira, dez anos antes, durante o Regime de 64; ao contrário: contemporizou. A importação escancarada do governo FHC trouxe a novidade dos veículos orientais, inclusive a Besta, espécie de Kombi, aparentemente mais robusta da Coréia do Sul. Foi um passo para a migração das mercedinhas para as Bestas e Topiques, e dessas para os microônibus, e, mais uma novidade: agora sob o sistema cooperativo, supostamente de um homem, um proprietário, um carro. E não somente nas linhas de e para Itabaiana; mas todo o estado de Sergipe e além fronteiras. 
Hoje, depois de vinte anos de estabilização do sistema sabe-se que existe verdadeiras empresas dentro das cooperativas; mas o miolo do sistema continua dando certo. E principalmente: é eficiente! E barato. Sem o glamour das empresas do velho sistema; mas eficientíssimo. Em 2011, fiz um tour de captação de imagens em cerca de trinta municípios sergipanos. Tudo a borda dos microônibus dos cooperados. Não houve um só atraso de horário ou confusão de escala. Tive que muitas vezes fazer duas baldeações devido ao sistema: saindo de um, entrando noutro. Mas tudo dentro do previsto, segundo a grade de serviços exposta na internet. Graças às mercedinhas.
Com o advento das Bestas e Topics muitos migraram; mas hoje pela manhã, no mesmo ponto, em que despretensiosamente provocaram uma revolução há quase um quarto de século, teimosos, resistentes mercedeiros ainda davam plantão, à espera de algum frete. E me orientavam pra não tomar multas.