domingo, 2 de janeiro de 2022

MINHAS MEMÓRIAS LITERÁRIAS E JOÃO DE HOLANDA.

 

João, simbolicamente tendo ao fundo a Banca do Jackson, na Praça João Pessoa

Que sempre fui curioso, disso ninguém tenha dúvidas; que a curiosidade em conhecer os conteúdos da grande quantidade de livretos de cordel que povoavam a “biblioteca” lá de casa, composta de catecismos, livretos de cordel, algumas revistas antigas do Reader’s Digest (o Departamento de Estado americano sempre primou por buscar “conquistar, submeter pelo coração”; só depois pela explosão; as bombas) sempre existiu, também inegável.
Os gibis, todos norte-americanos já existiam, claro; mas estavam longe da esmagadora maioria dos garotos da cidade; imagina de mim, pé rapado e ainda mais da zona rural onde me criei. Mas o cordel me completava. Seus heróis falavam minha língua; professavam minha religião, eram poéticos e ademais os livretos eram baratíssimos.
Todavia, os tempos mudam. A gente cresce e mais cresce a nossa curiosidade.
Em Itabaiana, um instituto indissociável da cidade moderna e progressista - a banca de jornais - era algo meio raro. Existia, mas nem sempre estava em funcionamento; e quando o fazia, em geral era pros mais aquinhoados, padrão “funcionários do Banco do Brasil” e Zeca Mesquita, representante-mor do empresariado intelectual, naquele tempo, mínimo na cidade de maioria ainda analfabeta.
Mas eu não podia ver nada escrito para não querer ler. Foi assim que lá pelos fins de 1971 ou início de 1972 dei com a venda de jornais velhos e revistas sem capa, numa banquinha sem cobertura, próxima à velha bomba de gasolina de Euclides Paes Mendonça, quase dez anos depois do armazém vendido para o já Pegue-Pague G. Barbosa (ainda não era “supermercados”), no Largo Santo Antônio, onde atualmente fica um ponto de moto-táxis.
Foi como se Melchior Dias Moreia achando a sua mina de prata, quatro séculos antes! Melhor ainda porque Melchior foi infelicitado pela ganância espanhola e de seus governadores, morrendo com seu segredo e nunca se achou a bendita prata; aqui, ao contrário, eu teria um suprimento regular de leitura por pelo menos três anos, quando então me tornei aluno do Colégio Estadual Murilo Braga e natural frequentador da sua biblioteca.
Naquela banca eu adquiri as fofocas televisivas que começavam a aparecer em Sergipe (a TV Sergipe acabou de celebrar seu cinquentenário), as belíssimas fotos da revista Manchete; grandes reportagens da revista O Cruzeiro... estupefato, incrédulo eu vi as fotos do Edifício Andraus e menos de dois anos depois a tragédia do Joelma, ambos em São Paulo; enfim, o mundo começou a ir além dos livros didáticos e da livraria de cordel.
Graças à banquinha de João de Holanda, que menos de dez anos depois se tornaria meu amigo, e que o surpreendi anteontem ao pedir para lhe registrar em foto e contar-lhe mais ou menos isso que aqui deitei nessas mal traçadas linhas.