sexta-feira, 4 de março de 2022

FALTARAM AS SIRIEMAS.

 

Meu cenário: a estrada que vai até lá está melhor; o sítio não mais existe e parte é ocupado por uma cerâmica. Nem mesmo sei se ainda existem siriemas. Porém tudo está em minha mente.


Um dos anos mais fecundos da minha infância foi 1969.
Sempre gostei de interagir com outras pessoas, mas tenho uma necessidade vital de ruminar pensamentos e por isso a carência do meu espaço de recolhimento. Em 1969, por apenas um ano vivi em um sítio ao pé da serra de Itabaiana que me foi exemplar: tinha um riachinho que corria por todo o inverno; mas outro, o mundesinho, que nos supria de banhos gostosíssimos na verão, fruteiras, Árvores simbólicas, como a sucupira ao pé da pequena cancela, cajuís a perder de vista dentro das matas de eréu, típicas de cerrado pela vertente sudoeste da serra; maracujás silvestres, melancia da praia, pés de baunilha dentro mata, guaraná nas nascentes do Mundesinho, araçás, muricis, gobirabas, ingás... a Cachoeira do rio das Pedras a menos de dois quilômetros, já na subida da serra; logo baixo, o poço do Caldeirão. Antes de começar a subida da serra, o riacho do Antônio Leandro, afluente do rio das Pedras, onde deságua pouco acima do poço do Caldeirão fazia a minha festa ao pescar caranguejinhos de água doce. Tudo isso além da lida típica de sítio.
Ainda preservo a memória do cheiro do capim agreste, do alecrim do campo, da aroeira, das flores de cajueiro, mangueiras, jaqueiras, da sucupira e seu enxame permanente de abelhas.
E aí também vem o mundo externo.
1969 foi o ano de ingresso e aprovação no primeiro ano do Primário da já Escola Municipal São Vicente, hoje D. José Thomaz, no povoado Rio das Pedras. Novidades internas à escola, como filtro de barro para tomar água, carteiras de madeira, quadro negro amplo, novos colegas, mas também as novidades e que vinham de fora, nas leituras ou não: edifícios altos em Aracaju, regularidade na linha de ônibus para a capital e, ainda nesta, o Baptistão. Por falar em Estádio Baptistão, naquele 1969 foi minha estreia como torcedor do Tremendão da Serra, a Associação Olímpica de Itabaiana que se sagrou campeã estadual pela primeira vez numa ousadia ímpar e muito futebol. Desde então passou a fazer parte do meu léxico termos como Tremendão, Tricolor e Estádio Etelvino Mendonça.
Hoje pela manhã, uma sequência de lembranças povoou a minha cabeça ao sentir o cheiro de chuvas típicas de abril – o começo do nosso inverno – mesmo em início de março. Veio-me o cheiro da terra molhada e dos capins silvestres, idem. Só faltou o espetáculo sonoro, a sinfonia das várias siriemas a entoarem seus cantos naquele mundão silencioso, a sofrer concorrência apenas da brisa a soprar pelo Alto dos Ventos em direção à minha casa, antes farfalhando na folhagem da velha sucupira.
Chuva na terra é festa!
Só faltaram as siriemas.