terça-feira, 22 de setembro de 2009

O susto.

Não foi apenas um singelo susto; mas uma triste, decepcionante constatação: o Sinédrio e suas víboras, constituído de ladrões, trapaceiros, estelionatários, gente que perdeu qualquer esperança na evolução humana, o supra-sumo do primitivismo... tinha vencido. Isso ficou implícito nas palavras de Maria. Quando ela chegou e disse que a multiplicação dos pães era coisa de Caifás.
Maria era dessa gente que nunca teve a felicidade de conhecer aquilo que se costuma dizer, vida boa. No mínimo mais ou menos. Filha de prostituta, foi criada como criada da tia, cujo bem maior era ter uma casa pra morar e um homem que lhe dava mesadas com alguma regularidade, as quais ela dividia com um outro a quem se afeiçoava e a ele se entregava na calada da noite. Vou logo avisando que Maria não era de Magdala, pequeno vilarejo ainda hoje existente, na margem noroeste do lago de Tiberíades, vulgarmente chamado de Mar da Galiléia. Portanto, não se trata aqui da famosa Maria Madalena. Maria, que viveu de migalhas na casa da sua tia, nunca foi muito além de uma serviçal em trabalhos domésticos e acabou na minha humilde casa fazendo alguns trabalhos... domésticos.
Mas voltando à minha triste constatação, ficou implícito que aquela revolução que se pensara; com aquele monte de gente se dizendo crédulo na boa nova, era uma história furada. Durante algum tempo, a visão do profeta pregando no deserto, mas um deserto onde supostamente havia mais que escorpiões... tudo isso me animou. Caravaneiro que sou, nunca dispus de muito tempo pra me dedicar a ouvir-lhe tudo, porém, esperançoso no reviver das profecias, empunhei a bandeira do possível achando ser possível esticar a corda da bondade ao máximo massacrando a vilania; no mínimo pondo-a de joelhos. As palavras de Maria soaram como um alerta: não muda nada.
E não deu outra. Tempo depois, naquele dia santo para nosso povo; o dia do descanso, todos marcharam para a praça principal para dizerem sim. Sim à toda a manipulação que Caifás e sua raça de víboras fizeram; sim às vãs e vazias promessas. Sim ao credo de que aquele a quem tinha seguido, se dizendo tão fielmente seguidor, era agora um embusteiro.
E o processo se desenrolou e ao fim daquela tarde negra, nem mesmo os abutres do Sinédrio tiveram o que comemorar. Até mesmo porque abutres não se alegram. Quando percebem que ganharam uma batalha, eles começam a travar outra entre si pra dividir o produto do roubo. O povo? Esse, mediante alguns boatos aos quais, de fato, nunca deixaram de ser receptivo; e umas poucas cestas de alimentos muito bem manipuladas esqueceu o bem-feitor da multiplicação dos pães e dos peixes - para todos; dos afagos e mensagens de otimismo e auto-estima; da esperança, com lógica, pregada em cima de fatos reais e, naquele dia, que terminou com uma sombra negra pairando sobre vales e montanhas, durante todo o dia entoou o canto da desgraça própria em benefício das víboras do Sinédrio e seus serviçais. A cada indagação sobre a quem escolhia exclamava com toda a força de seus pulmões: Caifás! (Perdão, Barrabás). E o profeta - ao menos simbolicamente - foi crucificado entre ladrões para confirmar ou parecer confirmar o que dele passaram tanto tempo dizendo Caifás e sua turma.
E tudo virou lenda, com a maldade vencendo mais uma. Depois, continuou a haver choro e ranger de dentes.