segunda-feira, 2 de setembro de 2024

PESSOA DE SATISFAÇÃO

Carta que escreveu ao Capitão mor de Sergipe del Rei, João Munhos, para por pessoa de satisfação na companhia da (sic) Itabanhana. (Docs. Históricos, BN-Rio, vol. 8, p.370) 


Exército ocupando Itabaiana, por volta do fim de 1971, período mais duro da Ditadura. Sem justificativa plausível. Seria em relação aos ecos do passado? O prefeito Filadelfo Araújo (mais baixo) simbolicamente cercado.

Em conversa recente, com Antônio Samarone, e ele me esclareceu uma dúvida, que em mim pairava, desde que há 20 anos encontrei, em meio às fotografias a mim passadas pela minha sogra, saudosa professora primária, Maria Jesuíta Messias, algumas pertinentes à administração municipal; a de Vicente Machado Menezes e principalmente a seguinte, de José Filadelfo Araújo, uma foto emblemática (acima) com o Exército, tutorando o este, um gesto simbolicamente de força, para a época do temível AI-5, para não dizer intimidatório. 

Filadelfo foi eleito num ato rebelde de Itabaiana contra o arbítrio. Rebeldia que se manifestou, desde a candidatura feita em manobra legal, com o registro do candidato pela saudosa tabeliã Maria Helena Silveira, pressionada à postergá-lo, até cair na extemporaneidade; e a contrariedade do nascente líder político, Francisco Teles de Mendonça, Chico de Miguel, completamente excluído do processo, com os generais e caciques do golpe de 64, a manipular, para dar o resultado que queriam.

Em tempo: vejo isso, sob grande risco de se repetir, nacionalmente (toc, toc, toc na madeira), o que aqui se tratará de um tremendo desastre, talvez pelos próximos 50 anos, à nossa sofrida nação.

Voltando ao ponto em questão, disse-me Samarone, que foi informado por Antônio Emílio Araújo, o Moringa, filho do ex-prefeito Filadelfo, que a dita foto, foi de fato, uma demonstração de força; sobre quem efetivamente mandava. Ou de fato achava que mandava, como ficou patente nos anos vindouros, com o bolo crescendo, e os verdadeiros mandantes – a turma da grana - ficando com todo ele.

TODAS as grandes lideranças de Itabaiana, sofreram nas mãos dos coronéis da política sergipana e sua política judicializada. Mesmo os não declaradamente políticos.

Em 22 de julho de 1673, foi oficiado ao governador da capitania de Sergipe – capitania no nome, quem mandava era a Bahia – João Munhos, “pessoa de satisfação” da Câmara de Vereadores ou Senado de Salvador, que substituísse Luiz Pereira, capitão de campo do distrito de Itabaiana. O motivo alegado era que não estava conseguindo cobrar os impostos que Salvador cobrava... em Sergipe; apesar de teoricamente ser capitania autônoma, só subordinada a Portugal.

A propósito, foi a tentativa de soberania do governador, capitão-mor, Manuel Pestana de Brito, nomeado diretamente por Lisboa, e apoiado pela vaqueirama de Itabaiana, em romper o cordão umbilical com a Câmara baiana, de Salvador, que levou à desesperada Rebelião dos Curraleiros, de 5 de novembro de 1656, quando invadiram São Cristóvão e prenderem o padre Sebastião Pedroso de Góis, única autoridade legalista ali encontrada naquele dia.

Itabaiana e todo o Sergipe pagou caro por isso. E Itabaiana ficou com o estigma da rebeldia até os dias de hoje.

Qualquer liderança política da cidade que ameace subir, todo o tipo de artifício é usado para tosar-lhe. 

Só pessoa de satisfação. Preferencialmente os pusilânimes.

Por ter participado como coadjuvante da Rebelião, e depois ameaçado replicá-la, durante o governo de Alexandre Souza Freire, 1667-1671, Lagarto também entrou na mira telescópica de vigilância permanente. Foi a primeira vez que “os bandeirantes” - paulistas - entraram em ação.

Por isso que outras cidades já forneceram até vários governadores ao Estado, como Simão Dias, que recentemente forneceu quatro nomes. 

A cidade de Simão Dias, que homenageia o primeiro sergipano de sangue europeu conhecido – Simão Dias, o mameluco, também conhecido com o francês – foi colonizada originalmente por itabaianenses, e território do município de Lagarto por quase dois séculos, após o início da colonização.

De fato, a vigilância começa com a ousadia de Mbaepeba em atacar a Missão de São Tomé e tomar as armas portuguesas. As armas de nada lhe serviriam, em 1575.

Há um cuidado, quase patológico, em cercear Itabaiana. E, claro seus líderes, pouco importando se políticos ou não. Nesse caso, começou por Simão Dias Francês; mas chegou aos nossos dias com Oviedo Teixeira e José Queiroz da Costa. Mamede, Pedro Paes Mendonça e Gentil Barbosa se safaram. Esse, discreto, conseguiu driblar o cerco; os irmãos por irem investir em outras terras. Ao contrário do irmão, Euclides Paes Mendonça, assassinado.

O cerco chega a comprometer o próprio estado, na sua logística econômica.

Todos os caminhos levam a Roma. Logo, para Itabaiana, que não haja caminhos. 

Foi preciso um governador comprometido com Itabaiana desde seu tetravô, para que se restabelecesse, ainda que de modo precário, as duas principais linhas de comunicação, sobre as quais foi fundada a cidade de Itabaiana: a BR-235 e SE-170. A estrada do Sertões de Jeremoabo e Salvador-Olinda, respectivamente.

A BR-235, federal, de Aracaju ao Pará, ultrapassou em muito o Raso da Catarina (onde, no século XVII,  Fernão Carrilho arrastou o restante dos índios rumo à escravidão); a SE-170, só de Tobias Barreto até Moita Bonita. Nada de ligar Itabaiana a Olinda, como foi no início.

Para Malhador e Riachuelo, só por Candeias, hoje Moita Bonita; e, a importantíssima estrada de tropeiros até Propriá, desviaram-na pela Serra do Machado o seu trecho mais importante, desde Nossa Senhora das Dores, isolando comunidades históricas como Borda da Mata e Capunga. A estrada diretamente a Ribeirópolis e à Macambira, mantiveram no barro, em geral mal cuidada, cuidando para que alternativas houvesse, muito melhores. E a ligação direta com Pedra Mole e Simão Dias, que um dia quase foi ferrovia, deixou de existir.

Um simondieiro, Marcelo Deda Chagas, restabeleceu a ligação com a Santa Rosa de Lima, um século depois de ter sido tirada da comunidade de Santo Antônio e Almas.

A notória perseguição por vivandeiras de fóruns a mais uma liderança itabaianense, portanto, não é nenhuma novidade.

Itabaiana. Sem acesso direto à maioria das cidades que já foram seus povoados.