sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Caso André Moura: Um típico caso da tragédia da administração pública e da política brasileira.

"Como se haveria de consertar o Brasil se até o capitão do navio lhe movia cruel guerra, primeiro lhe vendendo os mastros, depois as velas, as enxárcias, e só lhe não vendeu o casco por não ter achado que o comprasse.”
Padre Antonio Vieira nos seus relatórios sobre a situação da reconstrução da colônia Brasil depois das invasões holandesas e coincidentemente da restauração do trono português


O histórico nacional com suas sístoles e diástoles (Golbery do Couto e Silva) e, seu atraso secular em relação a nações bem menos prendada por recursos naturais nos remete ao primitivismo humano, onde o animal homo é um mero caçador, despreocupado com seu futuro. Logo, uma vez alimentado, não necessita de mais nada naquele momento. Pra se entender o que passa na cabeça da maioria dos nossos “empreendedores” é preciso lembrar Pero de Magalhães Gândavo. O padre, em seu Tratado de Terra do Brasil, no Tratado Segundo, Capítulo Segundo intitulado Dos costumes da terra, é enfático:

“As pessoas que no Brasil querem viver, tanto que se fazem moradores da terra, por pobres que sejam, se cada um alcançar dois pares ou meia dúzia de escravos(que podem um por outro custar pouco mais ou menos até dez cruzados) logo têm remédio para sua sustentação; porque uns lhe pescam e caçam, outros lhe fazem mantimentos e fazenda e assim pouco a pouco enriquecem os homens e vivem honradamente na terra com mais descanso que neste Reino, porque os mesmos escravos índios da terra buscam de comer para si e para os senhores, e desta maneira não fazem os homens despesa com seus escravos em mantimentos nem com suas pessoas.”

Ou seja, está aí o princípio de toda a desgraça nacional. A preguiça. Não a do negro obrigado a trabalhar gratuitamente para o branco e tratado como um burro ou cavalo; não a do índio, o gentio que "(...)larga o lauor dellas e se vão pera outras partes. O que tudo os officiais da Camara de São Paulo referem a V. M por carta sua de 13 de julho do anno passado” (1.617)(*). Junto com a preguiça veio a malandragem, a esperteza extremada e a mania de roubar. De facilitar as coisas a qualquer custo. Do jeitinho.
Desde o seu início o Estado brasileiro sofre com os vícios de sua formação. Enquanto o princípio básico da formação dos Estados Unidos da América foi a liberdade e a conseqüente igualdade de direitos pelo trabalho árduo e pouco promissor, em nosso país começamos com a idéia fixa apregoada pelo padre Gândavo. A de lucrar no lombo dos outros. Pra que Estado, se os oficiais e todos os candidatos a rico vinha pra cá somente por no máximo três anos?
Quando os jesuítas pagaram o preço pelos seus envolvimentos nas chacinas promovidas em nome Deus pela Inquisição em 1.618, e tiveram que entregar as várias fazendas que existiam em Sergipe ao Rei em 1.759, um ano depois já estourava um escândalo na administração sergipana. Espertíssimo, o Ouvidor-mor Miguel de Arez Lobo de Carvalho foi punido apenas com o degredo para uma capitania de terceira categoria, no caso a de Ilhéus. Já o Capitão-Mor, de menos sorte acabou numa masmorra em Portugal. Teria sido só ele o único culpado em vender abaixo do preço - privatizar - a fazenda hoje conhecida como cidade de Japoatã?
Histórias de funcionários que nunca apareceram em seus locais de trabalho, que roubaram o Rei na hora das cobranças de impostos; que se associaram aos piratas como, por exemplo, o suspeitíssimo caso do naufrágio da Corveta Nossa Senhora da Victória, cheia de barras de ouro, na Barra do Vaza-Barris em março de 1768, de tudo isso está repleta a história de Sergipe e do Brasil.
E eis que nos transportamos para o presente.
O que temos? Um prefeito de uma cidadezinha atapetada de dinheiro para os padrões sergipanos e cujo pai é Conselheiro, ou seja, um julgador de contas públicas no Estado, no pomposamente chamado Tribunal de Contas. O conflito de interesses não pára por aí, mas esse é o ponto, digamos, principal. O município de Pirambu, que em 1980 tinha 3.311 habitantes, pulou na recente contagem feita pelo IBGE para 8.144 habitantes. Só em ICMS o município recebeu em agosto próximo passado a quantia de 112.206,79 o que dá uma média mensal de R$ 13,77 por habitantes, bem mais que Itabaiana, (R$ 3,87 por habitante). Municípios como Pirambu também ganham proporcionalmente muito mais no FPM e empatam no Fundeb e Fundo da Saúde ou SUS, cujos repasses são feitos per capita, e não por faixas populacionais. Mas Pirambu tem mais. Só de royalties pela exploração/movimentação do petróleo o município recebeu no mesmo agosto 138.987,51 e a média, só em repasses federais por habitante nos sete primeiros meses deste ano é de R$ 45,87 contra R$ 21,00 de Itabaiana e R$ 16,21 de Aracaju. É muito dinheiro para um município pequeno onde não há, ou não deveria haver quase nada o que fazer.
Detalhe: desde 2004 que o município de Pirambu não envia corretamente seus dados para o Tesouro Nacional. Os dados aqui obtidos foram capturados nas várias rubricas de repasses do Estado e da União.



Os garimpeiros.


“As vilas da Comarca (atual Estado de Sergipe) (...)os Juizes ordinariamente as
desamparam, apenas vêem fazer Audiências, as vereações raras vezes se fazem: Os
Almotacés se retiram, (...) "
Carta de 26 de abril 1799 enviada ao Rei pelo Ouvidor da comarca de Sergipe, Antonio Pereira de Magalhães Paços, relatando os problemas encontrados.


Em 22 de julho de 1673 o governo-geral “escreveo ao Capitão mor de Sergipe del Rei João Munhos para por pessoa de satisfação na companhia da Itabanhana.” (Anais, BN-Rio, vol. 05, p.17). Os motivos: em primeiro lugar Luiz Pereira - a quarta autoridade policial da história itabaianense - foi nomeado, porém nunca dera as caras por aqui; em segundo, o governo de Lisboa preparava a grande expedição comandada por D. Rodrigo de Castelo Branco que chegaria em 1674 para procurar a prata.
Mas não pára por aí o histórico de autoridades sazonais, temporãs, nas povoações do interior de Sergipe. Desta forma, o único compromisso do “administrador” é aparecer de vez em quando na prefeitura para assinar a papelada, porém, às vezes nem necessita; o assessor leva os papéis para Aracaju - onde invariavelmente reside - e lá formaliza tudo.
Parecem as eleições de bico de pena da República Velha onde o dono do partido mandava seu preposto com o livro debaixo do braço para que seus correligionários assinassem como se eleição de fato houvera.
Neste clima, em franco desrespeito a toda e qualquer Lei que sempre obriga ao administrador estar junto aos seus administrados, ou seja, no popular, o galo onde canta, aí janta, aventureiros acorrem aos municípios do interior, geralmente com lideranças fracas ou pobres, “investem” na eleição, tomam o poder e monta sua coloniazinha particular, aparecendo nas sete festas do ano e fazendo e/ou deixando que façam todo o tipo de balbúrdia. Em Sergipe são potenciais candidatos a vítimas da garimpagem os municípios que recebem altas somas provenientes de ICMS e royalties de petróleo.



Rosário do Catete. Mais rico que Campos do Jordão.


É um absurdo, por exemplo, que Campos do Jordão, SP, cuja prefeitura tem renda média mensal de R$ 110,00 por habitante ao mês tenha o padrão de vida europeu, enquanto Rosário do Catete, que só de ICMS conseguiu em agosto uma renda de 101,08 reais - uma média comum a todos os meses, e o município não oferece nem um terço do que oferece Campos do Jordão aos seus habitantes.
André Moura é somente mais um caso de arrogância de pessoas que sequer buscam cuidar do que tem. Como garimpeiros desesperados, eles chegam, lavram a terra arranca-lhe a essência e gasta todo o fruto do seu trabalho nas tabernas. Urinando no dia seguinte toda a riqueza que a mãe terra lhe pôs às mãos. Se perder o mandato agora e não o for por cassação, em breve estará de volta repetindo tudo que fez.



(*) Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no Archivo de Marinha e Ultramar de Lisboa INFORMAÇÃO (do Escrivão da Fazenda Real Diogo Soares ?), sobre a pesquiza das minas da Costa do Sul do Brasil. (Anais da Biblioteca Nacional, volume 39, p. 001. Rio de Janeiro, 1917.)