sexta-feira, 9 de agosto de 2024

CALÇADA VAZIA

 

Foto "printada" do GoogleView, ali datada de agosto de 2022. Mariano, montando guarda na rua a partir da calçada da minha casa. Bolsos cheios de pirulitos para agradar a garotada passante. Mostrei essa foto a ele na quinta-feira, primeiro do mês (o rosto não nítido é tecnica do GoogleView, de não identificação)

Sexta-feira, 09 de agosto, hoje o quinto dia que não tive mais o bom dia de Mariano, ao abrir minha janela de manhãzinha. Meu vizinho de frente, como o foi no último quarto de século.

Nem também a garotada transeunte privou de seu gesto corriqueiro, de presentear, cada menino e ou menina que passava com um pirulito. Mariano se foi, aos 88 bem vividos e bem vívidos, por volta das três da manhã, da última segunda-feira, 5.

Nos últimos anos, à medida que seus amigos e parentes mais íntimos foram falecendo, foi ficando cada vez mais sozinho; porém sem se entregar. Nem mesmo quando a cerca de oito anos, perdeu sua grande companheira de toda a vida. Sentiu muito; desabafou comigo muitas vezes, ao ponto de uma ou outra vez marejar os olhos; porém seguiu em frente.

Antes da pandemia era hábito seu, fazer as compras da feira, a 1000 metros de distância e leve subida até a sua casa. Esse percurso, às vezes, nas quartas, e invariavelmente, aos sábados, ele fazia por três a quatro vezes seguidas. E mesmo com as restrições sanitárias da pandemia, há quatro anos, nunca parou. 

Aliás, quando aos domingos pela manhã, foi criada uma feirinha no loteamento Luiz Gonzaga, saída para Campo do Brito, e a dois quilômetros de nossas casas, guardando as tradições de seus tempos de menino, quando feiras e procissões eram as únicas oportunidades de interação social, Mariano, nascido no velho povoado Pinhão, já município de Ribeirópolis, em 1937, foi presença marcante no Luiz Gonzaga. 

Com essa mobilidade, manteve peso e destreza excelentes para sua idade, arrancando protestos dos filhos e temores da vizinhança, ao subir e descer escadas para fazer consertos em telhado próprio, como registrei em foto de três anos atrás, aos 84 de idade. Mas não contava com os riscos de muito emocionar-se, descontrolando glicemia e pressão sanguínea. 

Terminada a pandemia, uma viagem para fora do estado, a presenciar o casamento de uma filha, e um AVC lhe causou o que todas as perdas anteriores não conseguiram fazer: imobilizar o dinâmico Mariano, assim desde que o conheci, em 1979. Muito anos antes de ser meu vizinho.

Sozinho, semi imobilizado por conta das consequências do AVC; sentado em sua cadeira, ora na própria calçada, ora na de um vizinho, como em minha frente; apenas um ou outro amigo, num breve papo; a remoer a realidade, andava visivelmente depressivo. Não ignorando o drama de outro vizinho, bem mais novo e vítima de câncer, com quem mais conversou nos últimos tempos, antes da morte deste, um ano antes; e juntando todas as comorbidades e uma provável falha na velha bomba da vida... e lá se foi nosso prestativo vizinho.

Que Deus o receba em Sua glória eterna.

Nós ficamos com as saudades.

De espírito irrequieto, subindo a escada, sozinho para consertar o próprio telhado, aos 84 anos de idade, em 25 de janeiro de 2021. Agora, nem a sua calçada, aí visível; nem a da vizinhança, terá mais a presença do simpático e super sociável velhinho.