quinta-feira, 27 de junho de 2024

ITABAIANA RUMO AOS 350 DE FUNDAÇÃO-ECOS DO PASSADO II


 As perdas de São Miguel
2ª parte

Do próprio bolso, mesmo a maioria tendo que pagar aluguel das terras, os curraleiros (criadores arrendatários de terras para criar) levantaram a primeira ermida dentro das serras; e, fiéis à lusitanidade, a dedicaram ao santo português de maior prestígio: Santo Antônio. 

Santo Antônio foi franciscano de primeira hora, tendo convivido com São Francisco de Assis; e a primeira ordem religiosa e entrar no Brasil foi a dos franciscanos.

Quando as tropas de Maurício de Nassau invadiram Itabaiana, em julho de 1637, atrás de gado e prata, já encontraram uma capela construída nos padrões da então progressista Itamaracá, hoje em Pernambuco.

A Igreja Velha, da década de 1620, foi a primeira tentativa de fundação da cidade.

Nassau, não veio. Talvez pela contrariedade de perder Domingos Fernandes Calabar, na mesma semana, garroteado por traição por Matias de Albuquerque em Porto Calvo, mal chegou a Penedo, sofrendo terrível diarréia, delegou a invasão de Sergipe, rumo à Itabaiana a Sigismund van Schkoppe, que aqui chegou com sua soldadesca, em 17 de julho de 1637.

Com o retorno de Nassau, antes de chegar a Sergipe, demos o azar de não ter Frans Post por aqui para registrar numa magnífica tela a Itabaiana-açu ou simplesmente serra de Itabaiana, atualmente

Fazia sete anos que uma única cabeça de gado não atravessava o rio São Francisco, deixando os engenhos pernambucanos sem bois pra puxar as cargas nem girar as bolandeiras, muito menos matar a fome de carne.

Os holandeses ficaram por aqui durante todo o governo de Nassau, que terminou em 1645, quando contrariado com a agiotagem holandesa extremada, entregou a cargo, retornando com sua comitiva de técnicos de governo, artistas e cientistas para sua casa na Renânia, parte da hoje Alemanha.

Entre 1645 e 1651, já sob governo português reinou certas expectativas e apreensões. E a matriz de Santo Antônio nada de se consolidar. Sequer receber a licença episcopal para receber padres a rezar missa. E naturalmente crescer o embrião de um novo município: a cidade.

Não era interesse de Salvador, que manteve Sergipe como quintal, mero fornecedor de bois; muito menos de São Cristóvão, lutando pela própria sobrevivência, sem rendas no que veio a se tornar o próprio município, e dependendo prioristicamente do gado de Itabaiana para se manter e da pequena criação de equinos e produção de fumo de Lagarto.

Em 1656 o próprio governador da capitania, Manuel Pestana de Brito ganhava mais criando seus bois em Itabaiana do que o salário de governador, e morando numa cidade que de povoação só tinha o nome. E aí o caldo entornou na primeira derrama da História do Brasil – a do gado – quando Salvador decidiu enviar um plenipotenciário para cobrar os atrasados, supostos ou reais.

Num ato de desespero a massa dos curraleiros de Itabaiana e alguns de Lagarto invadiram São Cristóvão em 5 de novembro prendendo o padre Sebastião Pedroso de Gois, única autoridade presente e leal a Salvador, além de óbice na luta pela criação da paróquia de Santo Antônio de Itabaiana. A Rebelião dos Curraleiros terminou com uma devassa na nascente sociedade de proprietários sergipanos, com acusações forjadas, condenações sem provas, inclusive do próprio governador, apontado como líder da rebelião. Observando que até aí, todos os governadores de Sergipe tinham sido indicados pela Câmara de Vereadores de Salvador; Pestana de Brito, foi pela própria corte restaurada portuguesa. Independente. Coisa que Salvador não permitiria.

Os processos se prolongaram até 1662. Quando foi em 1663, com Itabaiana esvaziada, foi a vez de Lagarto se impacientar.

Dessa vez foi contratada uma força especial, conhecida com os paulistas, porque a maioria oriunda da vila, hoje mega cidade de São Paulo, e que depois os próprios paulistas romantizaram-na de bandeirantes. Veio ela para reprimir com todo o rigor, e mesma não tendo motivos, porque a rebelião não prosperou. Mesmo assim ainda andou cometendo barbaridades.

E aí, numa clara tentativa de controle, e aparente boa vontade, o sobredito Padre Sebastião Pedroso de Gois criou naquele 1665 a Irmandade das Santas Almas do Fogo do Purgatório, de orientação beneditina – e não a franciscana de Santo Antônio – tendo São Miguel Arcanjo como patrono, e futuro padroeiro de uma longínqua paróquia em Itabaiana.

Em 1672 a paz voltou à capitania de Sergipe. O medo da prepotência das autoridades colonias reduziu intrépidos homens a destroçados, e a vida seguiu.

A Restauração do governo português, em 1640, custou e ainda custa caro ao mundo lusitano, quase quatro séculos depois. Foi de fato uma guerra de um império reagente - Portugal, totalmente à custa de outro ascendente – a Inglaterra, contra um super império decadente, o espanhol. E os ingleses se aproveitaram para ali começar um império mundial, hoje delegado às suas principais colônias, os Estados Unidos da América. Comendo o império português por dentro.

Em 1670 o então príncipe regente, D. Pedro (o II de Portugal), andava pressionado com as ações cada vez mais ousadas dos ingleses e cresceu os olhos com uma caixa especial, de pedras, levada por Bento Surrel, oficial em Pernambuco, com o indicativo de ser proveniente de Itabaiana: as pedras continham prata. Seria a chance de se libertar do assédio inglês, sem correr o risco de ser reconquistado pela Espanha.

Entre 1671 e 1673 preparou sigilosamente uma expedição para finalmente encontrar a prata de Itabaiana, já tentada pelos espanhóis em 1619, e pelos holandeses em 1637.

Em 11 de julho de 1674 D. Rodrigo de Castelo Branco, o chefe da missão entrou com seus oficiais de alta patente e soldadesca dentro das serras para procurar a dita prata.

Como Itabaiana está próximo do mar, a uma média de cinquenta quilômetros de distância, trazia ele ordens expressas para fundar, não uma vila, um mero município naquela época, administrativo; mas uma cidade típica, um forte com torres, fosso, muros, ponte e muitos canhões e força militar permanente. Se encontrasse a prata.

Ora, qualquer povoação sempre tem um templo religioso; e naquela época era obrigatória a matriz, a casa de câmara e cadeia; os cartórios e o juizado que também recolheria o quinto para o rei.

Pelo sim, pelo não, por pressão de D. Rodrigo o Padre Sebastião Pedroso de Gois fundou o núcleo original da hoje cidade de Itabaiana em 30 de outubro de 1675, ao erigir a Paróquia de Santo Antônio e Almas de Itabaiana. E porque Santo Antônio e Almas, e não somente Santo Antônio, ou São Miguel, protetor das almas?

A urgência e seriedade do momento, e a pressão do rei aplainou quaisquer discórdias e brigas de egos local. Essa é a visão, entre outros do historiador Wanderlei Menezes, com quem integralmente concordo.

Mas São Miguel Arcanjo, não foi totalmente derrotado. Além de preservar no nome da paróquia as suas Almas, ainda ganhou um lugar de destaque no altar-mor da tricentenária matriz de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.