domingo, 20 de dezembro de 2015

21 de dezembro de 1821: Uma data esquecida.


No dia 21 de dezembro de 1821, reuniu-se o Câmara Municipal de Itabaiana, sob a presidência do Capitão de Infantaria das Ordenanças da Vila de Santo Antônio da Itabaiana, cavaleiro da Ordem de Cristo e senhor do Engenho Penha, José Matheus da Graça Leite Sampaio pra deliberar sobre carta do Senado da Câmara da Cidade da Bahia, ou Salvador, que intimava as câmaras da Cidade de São Cristóvão de Sergipe d’Elrei e às demais câmaras municipais dos outros cinco municípios então existentes em Sergipe, Itabaiana, Lagarto, Neópolis, Santa Luzia do Itanhy e Santo amaro das Brotas, a irem a Salvador para lá, oficialmente confirmarem um governador fantoche, indicado pela Bahia, enquanto os baianos manipulam a política para anular a Independência de Sergipe conseguida por decreto do Rei D. João VI, de 20 de julho do ano anterior, 1820. A rebelião da Câmara Municipal de Itabaiana foi comunicada oficialmente às demais em 27 de fevereiro de 1822. Talvez por já ter conhecimento da decisão do Príncipe Regente, tomada em 9 de janeiro, de desobedecer às cortes de Lisboa, à qual os baianos estavam ligados, as demais câmaras não se rebelaram oficialmente, mas também ninguém foi a Salvador eleger o governador fantoche.
O primeiro governador de Sergipe emancipado, Carlos César Burlamaqui, empossado em fevereiro de 1721, foi deposto com menos de um mês de governo pelos baianos, antes mesmo da partida do rei de volta para Portugal, em 25 de abril de 1821. O momento era de grande instabilidade política, criada a partir da cidade do Porto, em Portugal, e com seu mais forte eco no Brasil na sua cidade mais antiga, rica e tradicional, atapetada de comerciantes portugueses em constante trânsito entre metrópole e colônia, ou na Bahia representados por prepostos. E, a Câmara de Salvador, que desde 1º de janeiro de 1590, jamais considerou Sergipe além de parte do seu domínio com o nome de “o Sertão do Urubu de Baixo”, ou resumidamente de “Sertão de Baixo”, e que nunca dera trégua aos governos sergipanos, com a condescendência do governo colonial, ressalve-se, não estava conformada com o Decreto de D. João VI, que lhe tirou um terço das rendas gerais com impostos, como se vê no artigo 4º do documento dirigido por José Antônio Fernandes ao nomeado Carlos Cezar Burlamaqui: “4º - As finanças estão imediatamente debaixo da administração e fiscalização da junta da real fazenda da capitania da Bahia, e o ouvidor da comarca, que também é o juiz dos feitos em Sergipe, a seu cargo a pequena administração da fazenda e despesas extremamente precisas, que se fazem por mandatos seus, e é o rendimento anual das rendas reais, segundo também a estimativa que julgo mais verossímil pela informação que ali adquiri e de que não tenho lembrança, ali arrecadadas.” (Informações sobre a Província de Sergipe em 1821. Revista do IGHB, Tomo LV, Parte I p.258. Rio de Janeiro, 1892).
Sergipe começou no dia 1º de janeiro de 1590, depois de Cristóvão de Barros vencer os índios liderados pelo último grande cacique, Mbaepeba, na noite de 31 de dezembro de 1589 para o dito 1º de janeiro de 1590, no entorno da Serra do Pico, na Itabaiana. Nunca foi encontrado documento algum neste sentido, mas tudo leva a crer que por orientação secreta da Corte de Felipe II d’Espanha, então governando também Portugal e suas colônias, criou Cristóvão de Barros nas belas, ventiladas e bem visualizadas colinas entre a foz do Rio do Sal e o riacho Maracaju, as bases para uma futura cidade: a Cidade de Sergipe de El-rei, e consequente capitania, desmembrada da Bahia, portanto. A sede da cidade sofreu duas mudanças, estabelecendo-se, finalmente na difícil Barra do Rio Vaza-Barris, às margens de um braço de rio conhecido como Paramopama, e hoje é a bela e histórica São Cristóvão.
Sergipe só existe como produto de estratégia de Estado e seus acidentes. Tão logo invadida, a área foi repartida entre o monte de cristãos-novos que chegavam à Bahia aos borbotões, alguns "convertidos na mesma Bahia, conforme observa o francês Pyrard de Laval, em 1610, tocada pelo medo da Inquisição espanhola, cuja Espanha agora também dominava Portugal, bem como de descendentes dos anteriores que vieram com Tomé de Souza, onde o mais notável foi Garcia de Ávila, logo convertido numa espécie de príncipe, a administrar todas as terras desde Salvador até o Rio Real. Mas, desta forma, identidade sergipana teria sido solapada facilmente pela Bahia; porém, a invasão holandesa em Pernambuco, acidentalmente, acabou por consolidar a identidade sergipana. Mesmo tendo os holandeses, sob Maurício de Nassau, invadido Sergipe, em 1637, parcela considerável dos pernambucanos que atravessaram o Rio São Francisco logo se estabeleceram em definitivo na capitania, quebrando a hegemonia baiana, e preparando a sergipanidade. Por longos quinze anos as guerrilhas de Felipe Camarão, e principalmente a de Henrique Dias, fixaram-se em Sergipe como quartel general. E, quando retornaram a Pernambuco, Sergipe tinha perdido mais da metade de sua suposta identidade com a Bahia.
Depois da expulsão dos holandeses de Sergipe, em 1645, fato ocorrido também depois da Restauração do governo português, de dezembro de 1640, a Bahia voltou a mandar em Sergipe. A capitania fora criada pela Espanha. Estranhamente, porque, do ponto de vista da estratégia de governo colonial se não justificava tal status de governo para a área. De onde vem a suspeita de que a capitania foi criada, e sob notável sigilo, possivelmente prevendo a confirmação das tais minas de prata de Melchior Dias Moreia, que ficariam depois na lenda como estando em Itabaiana, mas também e suspeitosamente na Jacobina, onde de fato, um século depois foi encontrado e explorado ouro. Daí que todos os mapas do Brasil do século XVII traz Sergipe indo além da Jacobina, tendo o São Francisco como limite norte e oeste, e, ora o Rio Inhambupe, ora o Paraguaçu, e raramente o Real, ao sul. A partir de 1650, intensificam-se as intromissões da Câmara de Salvador na Câmara de São Cristóvão, que culminou em 1656 com a Rebelião dos Curraleiros, de epicentro na Itabaiana, que sequer povoação típica de vila tinha. Outra rebelião, abafada, em 1671, e de cuja poucos documentos existem, também teve o mesmo caráter.
As intervenções eram frequentes, e quase sempre desrespeitosas; acintosas até. O governo colonial, na Cidade da Bahia, ora arbitrava em favor dos sergipanos; mas à menor pressão baiana contornava sua própria decisão, às vezes passando por cima de ordens régias. Os capitães-mores eram manietados; os ouvidores viviam sob pressão da Câmara de Salvador e da Relação, quando esta passou a funcionar, também em Salvador. Na prática, Sergipe não existia como capitania. Como forma de contornar o problema legal da estranha condição de capitania sob outra capitania, criou-se as capitanias-mores municipais, caducadas depois de 1760, como forma de esvaziar as capitanias originais, onde, claro, somente a capitania da Bahia era a que tinha a ganhar. Em 1724, com a criação da comarca da Jacobina, diretamente pela capitania da Bahia, e não por Sergipe, como deveria ser, o próprio Sertão de Baixo, que corresponde ao estado atualmente, começou a ser convertido numa mera comarca, com a da Jacobina sendo usada para abraçar todo o atual sertão baiano à margem direita do São Francisco, incluindo o norte de Minas Gerais, até o Jequitinhonha. E, em 1760, Sergipe tinha se reconvertido num mero Sertão de Baixo.
Em 1801 o porto de Salvador acusou Sergipe como origem de um oitavo do seu movimento, e, já por volta de 1760, um terço dos tributos arrecadados pela Bahia eram provenientes de Sergipe; um terço do Recôncavo, exceto ao sul do Paraguaçu, incluindo a Cachoeira; e um terço das demais capitanias agregadas: Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo e Jacobina, além da própria Cachoeira. Mas Sergipe quase nada lucrou disso. Uma rápida visita às hoje cidades do Recôncavo baiano e se irá notar o zelo com suas vilas, não somente na farta documentação de correspondência com elas, como na própria feição da administração pública, praticamente todas com casas de câmara e cadeia, robustas igrejas e até outras estruturas, típicas do desenvolvimento daqueles tempos. Em Sergipe, nem mesmo a cidade de São Cristóvão foi agraciada a contento com esse tipo de edificação. Conforme o Informe supra citado de José Antônio Fernandes, nem casa para o governador e para o ouvidor existiam em São Cristóvão em 1821; muito menos em suas vilas de Itabaiana, Lagarto, Neópolis, Santa Luzia do Itanhy ou Santo Amaro. Nem mesmo a mais “baiana” de todas, Santa Luzia, cujo capitão em 1820 se insurgiu contra a Emancipação de Sergipe, por ter fartos interesses em manter a dependência da Bahia, conforme nos revela Maria Thétis Nunes, foi beneficiada com as estruturas vistas na Cachoeira, Santo Amaro, Jaquaripe ou Nazaré, e um pouco menos em Camamu, Boipeba e Cairu. As câmaras sergipanas viviam de pedir meios pra construírem o elementar numa sede municipal dos tempos coloniais, além da matriz: Casa de Câmara e Cadeia. Sem sucesso. Mesmo benefícios menos dispendiosos, como cursos de primeiras letras, além de São Cristóvão, insatisfatoriamente, teve a Santa Luzia, e somente ao fim do século XVIII. Vale ressaltar que a fidelidade de Santa Luzia à Bahia também custou o desenvolvimento da povoação desenvolvida a partir do acampamento guerrilheiro de Henrique Dias, contra os holandeses, nas décadas de 1630 e 1640, a Estância do Rio Real (também chamada de Estância do Piauitinga), que por volta de 1710 já era maior e mais desenvolvida que a estagnada vila da Santa Luzia, mas se manteve como seu distrito até 1832, quando se emancipou e substituiu a velha Santa Luzia como sede municipal.
Por volta de 1780, futuras poderosas famílias do estado começaram a se formar, algumas delas já perceptíveis desde o início do século, como os Pimentel, que através de Albano do Prado Pimentel se instalou na Itabaiana, no engenho Santa Rosa, que deu origem à cidade, mas que de fato sua história começa com a chegada de José de Barros Pimentel em Santo Amaro na década de 1720, quando “foi casar á Sergipe d'El-rei com D. Joanna Martins, filha do Sargento Manoel Martins Brandão, Cavalleiro da Ordem de Christo, senhor do engenho Sedro brasil, e de sua mulher D. Maria” (Nobiliarchia pernambucana, por Antônio José Victorino da Fonseca. IN Anais da Biblioteca Nacional, vol. 47, p.104). Do cruzamento da família Pimentel com a família João Gonçalves Franco, no início do século XIX viria a se formar uma das mais tradicionais e talvez a mais rica família sergipana de hoje, a Pimentel Franco. Também de João Gonçalves Franco, senhor do Serra Negra e que adquiriu o Engenho São José na Itabaiana em 1787, saíram os Maciel, da mesma forma, de grande poderio no estado. Mas, no meio dessas também apareceu o neopolitano José Matheus da Graça Sampaio, em cujo ramo também se encontram uma linha dos Machado, e que veio herdar os bens e obrigações, incluindo as religiosas de um seu tio, residente na Itabaiana, mais precisamente onde hoje é o município de Riachuelo. Não veio pra brincadeiras. Logo ao chegar, fez fortunas, amigos, poder e consequente inimigos. Um perfeito “coroné” de vertente moderna. Conta Sebrão, o Sobrinho, que tinha um filho nos sertões de Tacaratu, Pernambuco, de onde agendava rapidamente um exército de jagunços para sua defesa ou como força de dissuasão na complicada política coronelista de Sergipe, desde priscas eras. O fato é que granjeou multidões de bajuladores, dezenas, talvez centenas de admiradores, e muitos... muitos inimigos! Que não tinham a menor vergonha na cara de conspirarem contra a Independência de Sergipe abertamente. Foi da liderança da Câmara Municipal de Itabaiana que Leite Sampaio venceu todas as barreiras e, com o apoio na Câmara Municipal de São Cristóvão e na de Lagarto, o Lagarto que sempre presente, ombro a ombro com Itabaiana, nos grandes e engrandecedores momentos históricos de Sergipe, que conseguiu arrancar o Decreto de D. João VI, e em seguida, mesmo se preparando para o pior, rebelar-se em definitivo contra as imposições de Salvador em 21 de dezembro de 1821.
As peças se moveram no xadrez. Recapitulando, em janeiro de 1822 D. Pedro I fincou pé: “Fico”! Em setembro rompeu definitivamente com as cortes de Lisboa e os baianos nacionalistas tiveram que pegar em armas pra não continuarem como mero enclave colonial. Em 2 de julho de 1823, finalmente a Independência do Brasil se completou, e o primeiro Imperador do Brasil confirmou, a seguir, o Decreto do seu pai, de 20 de julho de 1820, tornando Sergipe, em definitivo e politicamente independente da Bahia. Como na política nada se revolve por quebra geral de acordos, mesmo que impositivos, somente na década de 1840 é que finalmente Sergipe pode completar sua Independência com a cobrança de impostos passando a ser feita toda na alfândega da então província.
A Câmara Municipal de Itabaiana, acredito, não tem hoje a menor noção de sua importância histórica na formação de nosso querido Sergipe.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

20 anos sem o Kizomba – justa homenagem a Ivan Andrade

Neste sábado, 14, colegas radialistas da Rádio Capital do Agreste estarão fazendo seu programa sabático, Caravana Capital, na Praça Chiara Lubich, onde, à noite, como tradicionalmente ocorre todos os dias 14 de cada mês haverá mais apresentações culturais, essa, já uma tradição criada pelo empreendedor incorporador Edson Passos.
O trabalho dos colegas da Capital de Agreste se reveste de especialidade por homenagear o meu saudoso amigo Ivan Andrade. Muito bem merecida homenagem. Muito bem merecida!
Ivan representou uma virada cultural em Itabaiana, que, se não ainda consolidou-se, mas mudou completamente o jeitão de ser da cidade. No final dos anos 80, foi a lufada de ar que precisávamos pra dotar nossas noites de algo alegre e de qualidade impecável. 
Itabaiana sempre foi a terra do trabalho. E continua sendo. Famílias inteiras envolvidas no comércio, ou nos sítios, a produzir insumos para o comércio agregar valor. Gente que só se via na Semana Santa, Festa de Santo Antônio, e, furtivamente no Natal ou Ano Novo; nunca nas duas datas, porque, feirantes ou caminhoneiros que eram - ou ainda sejam - não tinham tempo para o lazer social. Mas a cidade cresceu; suas atividades econômicas se multiplicaram; surgiu a classe dos estudantes, dos prestadores de serviços, incluindo o próprio comércio local. Festas foram feitas; mas eram esporádicas e poucos concorridas. Até que chegaram os anos 90.
Em 1983, depois de perder a eleição para prefeito, Luciano Bispo de Lima pegou a Associação Atlética em estado de morbidez profunda e transformou-a num clube vivaz, assim se mantendo por quase vinte anos. E, o primeiro ato para agitar foi o estabelecimento de uma seresta às sextas-feiras, que começava aí pelas vinte e duas horas e ia até às duas ou três da manhã. Teve seu tempo. Cinco anos depois já tinha desvanecido e ficaram apenas os mega-bailes, um ou dois por mês.
Em 1986, com a onda do axé cada vez mais se avolumando, durante a campanha política ensaiou-se, por inciativa do também saudoso Chiquinho (José Francisco de Mendonça), irmão da deputada Maria Viera Mendonça, a vinda de grupos baianos de axé. A praça encheu, mas, desacostumada, uma plateia meio que envergonhada balançou os pezinhos, mas sem sair do lugar, mesmo diante da energia do Chiclete com Banana. O mesmo grupo voltaria em 1988, por ocasião da celebração da elevação do status da sede do Município à condição de cidade, porém, o público continuou na mesma. Mas em 1989, se os grandes eventos continuaram inexistentes ou pouco participativos, com a sociedade se concentrando apenas nas procissões, Sete de Setembro e nos comícios, quando em campanha política, surgiu o Kizomba. Um bar meio mal localizado, no início da Rua Barão do Rio Branco, quase no oitão de uma igreja, a Presbiteriana; pequeno, mas sob a direção de... Ivan Andrade. Dono de um repertório formidável que alcançava praticamente toda a MPB, em especial o segmento nordestino – o cabra era PhD em Geraldo Azevedo – e uma canhota excepcional a dedilhar as cordas de seu violão. Logo o bar tornou-se o “point” da galera jovem e de gosto mais refinado, por mais de cinco anos a fio. Infelizmente a inveja doentia abreviou aqueles que foram dias bem interessantes, ficando a minha e subsequente gerações órfãs de algo de qualidade e endereço definido. 
A iniciativa do grupo de colegas da Capital do Agreste, pois, reveste-se de simbolismo maior, ao realizar a dita homenagem, justo no local onde renasce o cultivo da cultura e arte com elevado nível de sofisticação, portanto de qualidade. Parabéns aos colegas!
O título deste pequeno artigo seria somente “Ivan Andrade”. Mas, em reconhecimento ao registro feito pelo itnet há exatos dez anos, tomo-lhe emprestado o título do artigo escrito por Jamysson Machado e o parafraseio como acima.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Toco, prodoco!

Na virada do século XIX pro XX o mundo andava de cabeça pra baixo por aqui.
Houve o fim oficial da escravidão; em que pese ainda hoje, um século depois, serem claros os sinais de sua presença, isso não satisfez ninguém: escravos se sentiam traídos e abandonados; nem escravos eram; muito menos tinham cruzado a linha da ignomínia para a da dignidade porque, tinham sido literalmente abandonados. Sem nada, jogados no mundo. E seus antigos donos, óbvio, se sentiam traídos pelo governo que simbolicamente rompera com aquele mundinho desgraçado de que tanto gostavam.
Como reflexo do que já era esperado – o fim da escravidão – a elite escravagista, à frente cafeicultores paulistas e remanescentes fluminenses promoveram o golpe da República, num modo que se tornaria padrão: o de alugar as Forças Armadas para executarem o serviço sujo. O fim do rei era o fim das esperanças pro populacho que, mesmo sendo um ser quase mítico, de tão distante, mas sempre existia a esperança “que o rei” ia fazer justiça. Iria enquadrar os bandos ensandecidos de patrões trogloditas, pouco importando o fato de serem ou não estudados. Abandonados em todo por todos os modos, muitos buscaram se agarrar a algum naco de esperança, por mais fantasiosa que fosse, como o Arraial de Canudos. Mas, este também fora trucidado pelas mesmas forças que tinham deposto o Imperador. Não sobrou pedra sobre pedra.
Fim de século, para o universo e todas as criaturas vivas não inteligentes, segundo a inteligência humana, não é nada! Inexiste. Mas, para a mentalidade humana, a simbologia tem um poder imenso, e fins de séculos sempre querem dizer algo fantástico. Mesmo que ele seja desencontrado entre as várias culturas. Chineses comemoram em certo dia e ano; muçulmanos em outros, indús e, claro, cristãos, diferentes de todos eles. Para culturas mais primitivas, simplesmente inexistem; mas, para a arrogância dos cristãos – mesmo não cristã, obviamente - têm um peso fundamental. O caldo cultural de fim de mundo engrossou, a partir de 1895.
No povoado Cajaíba, onde tem origem parte da minha família existia uma família de brocos. Assim eram considerados por serem pessoas humildes, muito tolas, sem muito discernimento; quase primitivas. Mas religiosas. Ouviam tudo que era pregador, especialmente os populares, porque estes falavam em português – os padres só rezavam em latim. Numa quente tarde de verão de 1899, fim de semana, logo antes do sábado de feira “na vila” de Itabaiana, o patriarca puxou conversa com a esposa sobre o fim do mundo que estava próximo. Verão seco, com inverno anterior tendo pouco produzido em sua pequenina roça, restou-lhes apenas uma galinha e uns dois “litros” de feijão branco na dispensa, de semente, para plantar quatro ou cinco meses depois, se finalmente as chuvas desses o ar da graça. O papo “profundo” sobre o fim de mundo... evoluiu. Então, chegaram a uma conclusão: comer logo a galinha e o feijão, porque, quando o fim do mundo viesse estariam todos de barriga cheia. Não sei o que isso tem de vantajoso, mas pra eles havia vantagens, sim. Mas aí surgiu uma dúvida: e se o mundo não acabasse? O clima de dúvida ficou insuportável, como toda dúvida. Essa maldita coisa que culturas várias tem-lhe dados nomes como diabo, demônio ou satã, entre outras. Então, o que fazer? Ora, consultar o mestre Fulano, “que pega nas papelamas do céu. O que ele disser, é a verdade”. O mestre Fulano, o intelectual do povoado - por isso é que pegava nas papelamas do céu – Conhecia muito bem a família; mas, claro, não lhes conhecia o drama que viviam naquela tarde. Ao ser consultado se o fim do mundo estava próximo, talvez até em tom de brincadeira foi logo asseverando.
A galinha estava choca, deitada num canto do pequeno telheiro da casa. Mas caia na faca assim mesmo. Horas mais tarde, os curiosos que já sabiam da consulta feita ao “oráculo” do povoado apareceram pra visitar o casal e lá estavam eles, comendo até se empanturrarem, derramando lágrimas de tristeza “pela despedida”, e também pelo prejuízo de perder os últimos bens que tinham em casa, fora os tostões que, naturalmente, seriam deixados pra qualquer santo, mesmo depois de o mundo acabar. Enquanto comiam, iam recitando algo inventando naquele momento: “Toco, prodoco; feijão branco, galinha choca. Amanhã vamos estar na glória de Deus”. E repetiram, e repetiram, até acabar o último grão de feijão e pedaço da galinha.
No dia seguinte, doentes pela comilança excessiva, esperaram o fim do mundo que não veio. Mais um dia, uma semana, meses... o galo cantou na primeira madrugada de 1901, e nada de o mundo se acabar. Para ele acabou-se em 1907, numa “congestão”, nome genérico para doenças de que se não conhecia. Cinco anos depois o mundo também acabou pra ela, que morreu “de repente”. Possivelmente um infarto.
Ao observar a politicagem com altas doses de tentativa de extorsão ao governo, promovida pela mídia nacional, e consequentes reações positivas de agentes econômicos, especialmente no meio empresarial, vem-me sempre à mente histórias como esta; passada ao meu pai pelo seu pai, meu avô, nascido em 1888 e falecido em 1969. E a sabedoria popular: “É dos bestas que se valem os sabidos”.  Quanto mais tolos angustiados com o clima de fim de mundo decretado pela imprensa brasileira e mídia em geral, desde 2002, frise-se, mais rios de dinheiro os espertalhões vão ganharem em cima do desespero dos tolos.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A propaganda é alma do negócio

"Se somente um dólar eu tivesse, eu investiria em propaganda." 
Henry Ford

Entre 1941 e 1945, Manoel Francisco Teles comandou o Município de Itabaiana, praticamente sozinho; sem ameaças. Antônio Dultra, velho e adoentado, faleceria em 1944; o Coronel Sebrão, um dos donos de Itabaiana por quatro décadas, também velho, adoentado e sem mandato, faleceria em 1946; Otoniel Dórea (O Dorinha), deixara a política depois de perder a Prefeitura pra Silvio Teixeira em 1936, falecendo em 1950; Silvio Teixeira, literalmente abandonou o cargo de prefeito biônico (mandato prorrogado palacianamente), e Esperidião Noronha, o mais longevo deles a morrer, em 1956, além de não ser um líder aguerrido, nem tinha mandato nenhum nem cofre público nenhum, à sua disposição. Manoel Teles estava sozinho.
O prefeito Manoel Teles Juntou dinheiro por quatro anos; quando a oposição udenista descobriu a dinheirama, num golpe tomou-lhe o poder, queimando todo o dinheiro em apenas um ano de administração de Etelvino Mendonça, que ficou com a fama de benfeitor, trabalhador; e Manoel Teles de preguiçoso. Em 1947, primeiras eleições depois do Estado Novo, Manoel Teles elegeu seu sobrinho, Jason Correia, contra um aventureiro, pequeno comerciante, com menos de dez anos de chegado da roça: Euclides Paes Mendonça. Foi a administração municipal onde mais se inaugurou obras, proporcionalmente falando, até hoje. Todas de grande vulto. Além das promessas mais que reais de mais duas, uma delas que mudaria o destino da cidade de Itabaiana: a BR-235. A outra foi o Açude da Macela.
Mas... nas eleições de 1950, seu adversário na de 1947 levou o troféu. Houve suspeitas e casos mais que escandalosamente comprováveis de roubo na eleição, com padre e juiz, praticamente brandindo suas cruz ou martelo contra Manoel Teles. Mas Manoel Teles tinha o governo do Estado, do seu PSD, tão matreiro quanto a turma da UDN, que foi eleito; e tinha um portfólio de obras, suas ou do Estado supostamente indicações suas que até hoje ninguém chegou nem perto, em termos proporcionais. Se bem posicionado em popularidade, nenhum ladrão teria a ousadia de lhe roubar os votos. Mas, com a popularidade em frangalhos, não só tiveram, como lhe roubaram. Descaradamente. E ficou por isso mesmo. Caberia a Euclides Paes Mendonça ficar com a fama. Barulhento, mascate perfeito, Euclides transformava qualquer nuvenzinha mínima numa tempestade. Mesmo nas investidas que deu e quebrou a cara, como a construção do aeroporto de Itabaiana, nunca ninguém ousou questionar se não teria sido pura armação de sua parte; nunca! As estradas que fez no município foram de fato recuperações das feitas por Manoel Teles com recursos federais entre 1945 e 1947, e executadas pelo Estado, governado pelo seu PSD; As ruas que abriu, a maioria delas somente se confirmaria vinte e cinco anos depois e algumas simplesmente desapareceram pelas administrações posteriores; mas não dormiu no ponto no momento de adquirir três novas unidades estaduais de ensino, uma delas que somente se confirmaria seis anos após sua morte, e, principalmente: fazer intensa propaganda delas. Não somente delas: Euclides era uma máquina de propaganda ambulante. Euclides cavalgou a onda de repulsa ao governo Vargas e aliados, convertendo todos os benefícios federais em marketing seu. E, claro, enquanto a UDN nacional bloqueava o governo Vargas o tempo inteiro na justiça pra não faz nada, Euclides deu um jeitinho em Sergipe pra fazer o Açude da Macela com “sobras de cimento” do Açude das Três Barras do município de Graccho Cardoso. Superfaturavam lá, e traziam o excedente pra cá, já que oficialmente a obra estaria bloqueada. Mas era do interesse de Euclides.
Não basta ser a mulher do César; tem que parecer a mulher do César.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Manias de mentirosos. E danosos.


Massudo, completo, o livro A República Velha em Itabaiana, de Vladimir Souza Carvalho (Fundação Oviedo Teixeira, Aracaju, 2001), nos dá uma excelente dimensão de onde adveio a fama de cidade violenta que Itabaiana granjeou em Sergipe, antes que realmente e de fato se tornasse, como recentemente, em 2013, e seus estratosféricos 110 assassinatos. É que com a inauguração do telégrafo em 1896, o coronel Sebrão, chefe peba; e Batista Itajay, chefe cabaú, por 15 anos ininterruptos não saíram da agência postal a postarem telegramas, cada vez mais de conteúdos dramáticos, para os jornais peba ou cabaú, da capital, que sempre maximizava, carregava nas tintas, com tantos tiroteios, mortos e espandongados em Itabaiana, “pelas violências da oposição” (ou situação), e que no estado, quem lia aquilo tinha medo até de olhar pro lado da serra de Itabaiana; quanto mais pôr os pés nesta terra “tão violenta”.
O Cinform de hoje, segunda-feira, 31 de agosto é pródigo em, de certa forma, repetir o padrão de falar mal de Itabaiana fingindo defender interesses da cidade. E isso não é de graça. Alguém acionou o semanário aracajuano e o guiou à tal matéria. Nem a li, por que há tempos que não compro jornais; e, com esse tipo de manchete, sinto-me desencorajado ainda mais em ler o conteúdo: “COM MAIS DE CEM ANOS, ÁRVORES SÃO DECEPADAS”. Ora, a abertura da Avenida Otoniel Dórea, onde se encontravam a ditas árvores é de 1953, na passagem da Rodovia BR-235, em sua primeira versão junto à cidade, hoje completamente dentro dela e conhecida pelos nomes de Avenida Manoel Francisco Teles/Engenheiro Carlos Reis, a depender do setor.  As árvores, como se vê no excelente trabalho em filme feito pro Governo do Estado em 1961, por Valmir Almeida, foram plantadas naquele ano. De 1961. Porém, um detalhe: foram trocadas na gestão de Vicente Machado Meneses, 1967-1970, pelas algarobeiras - que agora foram cortadas - já que havia um modismo em arborização urbana em relação a esta espécie importada, acho que dos desertos andinos. Um lugar muito seco e, obviamente, com pouca água disponível, logo as algarobeiras invadiram as avenidas, praças e até pastagens em Itabaiana. As tais árvores agora cortadas pela Prefeitura, portanto, são de 1968; e não de 1915, como sugere o semanário. Logo, com 47, e não o 100 anos ali alegados. Claro, quem assina a matéria, além de não ser contemporâneo a todo o processo deve ter sido conduzido por informações falsas. Daí a minha pergunta: Ganha-se o quê com esse tipo de sensacionalismo, QUE NÃO CONVENCE A NINGUÉM? Do contrário, o que tenho ouvido de piadas estado afora, por conta do auto engrandecimento, sempre exagerado, de Itabaiana, não é pouco. Na maioria das vezes as críticas são infundadas, já que contra informações concretas, reais, realmente engrandecedoras de nossa gente. Mas aí, vem o politiqueiro e bota tudo a perder com esse tipo de “vantagem”.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

COM OS DIAS CONTADOS.

Entre julho de 1978 e setembro de 1982 eu fui funcionário da eficientíssima Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, tendo sido promovido por concurso interno à mais nobre das profissões que considero no serviço postal, qual seja a de carteiro.
Quando no fim de 1980 entreguei cartas pela primeira vez no novíssimo Conjunto Euclides Paes Mendonça, hoje preservando o mesmo nome, e incluso no Bairro Rotary Club, o que mais me impressionou foi a enorme árvore que vi de longe, num dos lados da praça ainda em formação, pelos fundos do prédio do Centro Social, que desapareceu 10 anos depois para dar lugar à Escola de Primeiro Grau Nivalda Lima Figueiredo. Não tanto me impressionou nem mesmo o sítio de fruteiras; algumas talvez centenárias, e que cairiam no machado paulatinamente com o passar dos anos, até as últimas mangueiras e cajueiros, com a urbanização da Praça, durante a campanha eleitoral de 1992. Mas aquela árvore enorme, sim. Em primeiro porque não a tinham derrubado, se estava quase no trajeto de uma das vias circundantes à própria praça, a ocupar o passeio público? Confesso que meu instinto preservacionista naqueles tempos não era tão apurado como hoje.
Pois bem, o tempo passou; lá se vão trinta e cinco anos do conjunto construído, e o tamarindeiro continua lá. Podado trocentas vezes, com "orelhas de pau" (detalhe na foto) que mais parecem pedaços de seu imenso tronco... mas continua lá, altaneiro. Porém hoje, disse-me uma moradora local que seus dias estão contados: vão derrubarem-no porque está estragando as casas ao redor. Isso é indiscutível; o que é discutível é: e quem tem mais direito, o tamarindeiro com muito mais de cem de idade, ou os invasores que chegaram há apenas três décadas e meia? Em geral, estes acabam "ganhando" na questão. 
Já garanti minha cópia da imagem da vetusta e grandiosa árvore para a eventualidade de seu desaparecimento.

domingo, 26 de julho de 2015

Hoje é Dia de Santa Ana e São Joaquim

Consagrado aos avós, o dia 26 de julho assim o é pelo fato de ser o dia inicialmente consagrado pelo calendário católico a Santa Ana e São Joaquim, respectivamente mãe e pai de Maria, mãe de Jesus. Logo, avós daquele a quem a Igreja consagrou como uma das pontas da trindade divina.
Eu era muito pequeno, mas ainda lembro do arre-arre que precedia o dia de hoje no povoado em que nasci, e lá vivi até os seis anos de idade: a minha Mangabeira, da minha Itabaiana, deste meu estado de Sergipe, neste meu Brasil, desta minha América... e nesta minha bela bola azul que nós a chamamos de Terra. A partir do dia 17, chovesse ou fizesse sol, era iniciado o ciclo de nove noites de rezas, engrossado ou não por missas, quando o pároco, então de Nossa Senhora da Boa Hora do Campo do Brito lá podia ir, e quase sempre por outras atividades de contrição como terços e ofícios. Ainda hoje ressoa nos meus ouvidos as vozes das moçoilas rezadoras de benditos, como um deles, que vez em quando me lembro, e que é mais ou menos assim: “Santa Mãe de deus, mãe do Salvador, abri os céus, das almas tende compaixão.” Este “abri”, eu devo tê-lo escutado no início de um sono pesado, porque sua lembrança sempre me traduz tranquilidade. E, claro, às noites, vinham as novenas; impropriamente assim chamadas, já que novena são as óbvias nove noites de reza; e não apenas uma. Até a minha saída de lá com meus pais, era o meu pai, construtor da primeira capelinha, justo para introduzir o que se transformou em tradição, quem era o rezador. O que liderava as noites de rezas. A jaculatória era rezada toda em latim e começava assim:
Puxador: Deus, in adiutorium meum intende
Respondedores: Domine, ad adiuvandum me festina
Puxador: Gloria patri, et filio, et spiritui sancto
Respondedores: Sicut erat in principio, et nunc et semper
Et in saecula saeculorum.
Todos: Amen
Em seguida, e ainda todos:
Veni, veni, Sancte Spiritus, reple tuorum corda fidelium, et tui amoris in eis ignem accende.
A partir daí tudo era em português.
Para nós, naqueles tempos, era o fim de toda a programação de rezas pós-Semana Santa que começava com as rezas do mês de maio, passava pelo novenário ou trezenário de Santo Antônio, as “novenas”, de fato, como já dito, noites de rezas, de São João, São Pedro e São Paulo e, de vez em quando, Santa Izabel. Curioso é que o ciclo total de rezas, de fato era iniciado na Quarta-Feira de Cinzas, com a entrada no período quaresmal. Ali, sanfonas, violões, cavaquinhos, tamborins, caixas, zabumbas, triângulos, rabecas e toda a sorte de instrumentos tinhas cordas ou couros relaxados, somente voltando rapidamente no São João, que sempre foi uma festa mista, com presença do sacro e mundano, porém, era a partir de agosto que o pau quebrava em termos de festas populares como reisados, congadas, São Gonçalo, cheganças, samba-de-coco e outras modalidades, até o próximo carnaval.
Depois da saída do meu pai do povoado, as noites de rezas continuaram, porém, em 1969, três anos depois, missões de freiras tornaram-se constante por lá e estas modernizaram o modo antigo de rezar a novena de Sant’Ana, abolindo, inclusive, o belíssimo bendito que também até hoje ressoa aos meus ouvidos: “Oh minha Senhora Sant’Ana, sois do céu a melhor ave. Livrai aos pecadores, protegei os miseráveis”. Bem compassado, em tom melancólico, como era comum nas rezas populares ou popularizadas daqueles tempos. Claro que isso gerou revolta nos moradores mais tradicionais, porém, os novos costumes vieram pra ficar, e acho que nunca mais o modo antigo foi executado.
Hoje à noite, dia 26 deste julho de 2015, deve haver a tradicional noite de rezas por lá, que se realiza desde 26 de julho de 1947. Não tenho certeza, mas deve haver.
Deu saudades!

sábado, 27 de junho de 2015

2016



Mês de junho, meado de 2015, a apenas 12 meses do início de mais uma refrega eleitoral que, de fato, nunca cessa por estas terras. No momento, tudo definido: o prefeito atual, se à reeleição for, está reeleito por mais quatro anos, até 2020, portanto. Os sinais de desânimo da oposição e de ânimo da situação é o suficiente para isso percebermos. Mesmo que venha haver um esforço gigantesco da oposição como o foi no quadriênio 1985-1988, o momento é outro. Ali, um jovem empresário estava sendo apresentado como a redenção a um período de estagnação, de fato vivido por todo o país, mas domesticamente capitalizado pela oposição, e aqui, ressalte-se, com a desastrosa contribuição da então situação; hoje, é justamente aquela promessa que está desgastada e, em que pese nada mais do gênero ter surgido, e mesmo desgastada como está a liderança-mor da oposição, esta ainda contar com substancial capital de quase metade do eleitorado, a tendência ao princípio da conservação da massa fará com que nada mude.

Mais do mesmo.

A última administração foi tão pífia que, mesmo a atual apenas “cumprindo tabela”, tem empolgado. Parte disso, claro, deve ser creditado também ao desgaste natural que qualquer liderança política em qualquer tempo ou lugar sofre; porém, a perceptível inapetência à boa administração foi desastrosa. Politicamente, à agora oposição; estrategicamente, para o município. Um claro exemplo de que não tem nada bom por aqui é que a cidade continua a perder borbotões de população de alta qualificação. Como me disse um amigo empresário há por volta de 15 anos: continuamos a receber por semana três famílias na periferia e a perder uma por mês nos bairros ditos nobres, habitados por médicos, advogados, engenheiros vários, professores e até comerciantes, o típico empresário da cidade. E, se esse povo continua a ir embora é porque as coisas por aqui não estão boas. Mas é a atual administração, medíocre, no sentido literal da palavra, sem projetos pro futuro, sem apontar para algo substancial e animador, quem completa o quadro desolador. Já se encaminhando para o fim de sua primeira gestão, e sem o sobredito projeto de desenvolvimento, tem tudo pra ser pior na segunda, caso reeleita, como quase certo no momento. E, creia-me: só se muda o que se é obrigado a mudar. Não é desprezível também o fato de ser oposição aos governos centrais, em que pese estes enfraquecidos, notadamente o Federal; mas, como se diz por aqui na filosofia de pé de calçada: governo é governo; e, para um município que sempre houve suas receitas à base de repasses em três quartos e até mais do total, isso é determinante. 
Valendo-se do excesso de liquidez no mercado e das condições creditícias promovidas nas medidas anticíclicas do Governo Federal, a indústria da construção civil, tangida pela especulação imobiliária tem feito milagres maquiando a realidade; mas, tudo inconsistente quando se trata de algo duradouro; reprodutivo e gerador de confiança nos agentes que realmente importam: os que têm dinheiro e decidem. Deste modo, a tendência a virar bairro periférico da capital permanece. O quadro se completa quando se sabe que o mundo está em meio a uma crise que atinge o país; crise internamente maximizada pela intensa campanha da velha elite econômica e seus tentáculos no aparelho de Estado e mídia. E quando se observa a nítida falta de opções, com liderança cansadas ou desgastadas, aí é que a coisa fica mais feia.

Histórico desfavorável.

Sebrão Sobrinho afirmava que Aracaju chupou todas as energias do estado, concentrando tudo em sua capital, ao contrário dos tempos em que a capital esteve na velha São Cristóvão. Afirmação que os números da atualidade e anteriores só confirmam. Laranjeiras, a capital econômica do estado no século XIX, sobreviveu à Aracaju até a década de 1940; mas sucumbiu. Maruim, também. Até mesmo a distante Estância teve seus dias de glória ofuscados pela nova capital, especialmente quando a indústria do petróleo finalmente gerou em Sergipe uma classe média típica, localizada, notadamente, na capital. Itabaiana e Lagarto têm sobrevivido ao vórtice sugador da capital aos trancos e barrancos, contudo, ambos os municípios não conseguem se descolar de ter populações a razão de um sexto da da capital, a pelo menos seis décadas. Em 1940, a classe média sergipana residia em Laranjeiras, com parcela ponderável em Propriá e Estância; hoje está na capital. Itabaiana vem resistindo dentro do fenômeno observado por Vladimir Souza Carvalho em Santas Almas de Itabaiana Grande, de 1973, o de ser um estágio, um degrau na passagem de interioranos rumo à capital e outras cidades grandes do país. Porém, por quanto tempo isso se manterá? Enquanto isso, as sucessivas administrações itabaianenses, quando bem intencionadas e profícuas, cuidam, razoavelmente, do urbanismo e de outros aspectos de manutenção do status quo, nem sempre bem sucedidas por várias questões, dentre as quais, a exiguidade de recursos para investimentos.

O risco do aventureirismo.

A natureza humana ter horror ao vácuo de poder. Cessada a presença de um poder, outro logo lhe sucede, num processo natural. Quase sempre isso transcorre com algum trauma, já que os que mais cobiçam o poder e na sua conquista acabam bem sucedidos são aqueles sem formação civilizada, e afeitos ao primitivismo. A turma do vale-tudo. Isso não constitui, obrigatoriamente, numa maldição; uma vez que boa parte dos incivilizados que ascendem ao poder tende a adquirir um mínimo de refinamento, necessário na condução do Estado; porém, a pequena parte que se mantém no primitivismo costuma causar sérios transtornos às sociedades das quais fazem parte ou passam a fazer logo depois da conquista do poder. Quando há vácuo de lideranças, seja por envelhecimento destas ou por seus desaparecimentos, o que logo comparece, portanto, é sempre digno de preocupação. No mundo inteiro ora se assiste o poder financeiro, de quem se nunca busca atestado de bons antecedentes, cada vez mais capturar o Estado. Quadrilhas multibilionárias tem desestabilizado nações, levando-as à ruína num piscar de olhos, e se apropriando dos espólios. Tocando fogo pra vender as cinzas. Por aqui, num mundo muitas vezes menor do que o interessante diretamente à Cidade (City) londrina ou à Rua do Muro (Wall Street), sopram ventos preocupantes, que, localmente, tem o potencial de furacões. São cada vez mais claros os avanços sobre máquinas públicas municipais da agiotagem, parte criminosa em dois sentidos. Um trastejo das lideranças tradicionais e os lupinos se apresentarão com dentes afiadíssimos. E eles, os lupinos, só querem saber da carcaça. Não são agricultores; sequer criadores; gente acostumada a plantar ou criar pacientemente até que chegue o tempo da colheita. São figurinhas trevosas que chegam pra varrerem tudo, e no menor tempo possível.
Saudades dos anos 80, quando os horizontes por aqui não se limitavam apenas ao visível em nossa cerca natural de serras.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

O encolhimento das Almas da Itabaiana

Nesta semana, numa curta discussão de grupo de amigos no Facebook, um deles questionou-me se já não seria hora da Irmandade das Almas abrir mão do laudêmio a que tem direito por ser a proprietária de todos os terrenos correspondentes ao Centro da cidade de Itabaiana. Examinando a situação, além de tradicionalmente se não abrir mão de receita, só em caso extremo, a Paróquia de Santo Antônio e Almas da Itabaiana, com a criação das demais paróquias ficou numa pobreza só. E, como a Irmandade foi um ardil criado pelas autoridades da época para que a civilização por aqui prosperasse e não sofresse solução de continuidade, neste momento, a necessidade de dinheiro para manter esse patrimônio continua forte. Mais uma vez, sua presença como instituição proprietária do prédio da Matriz, do Cemitério de Santo Antônio e Almas, das casas que albergam os religiosos, e não tenho certeza, mas acho que também do CTP, é determinante. A Paróquia murchou; e, como murchou, por si só ficou mais pobre; mais complicado de se manter. Logo, é imperativo que a Irmandade continue sendo a provedora da mesma como tem sido nestes 340 anos. Só uma forma: arrecadar!

A fantástica redução

(*)

A Paróquia de Santo Antônio e Almas se já delimitou com São João de Jeremoabo, hoje Bahia, acima de Carira; com o rio Cotinguiba (do Cafuz), que a dividia das paróquias de Nossa Senhora da Vitória, de São Cristóvão, e Nossa Senhora do Socorro da Cotinguiba, hoje também nome da cidade; com Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, com a de Santo Antônio do Urubu do Sertão de Baixo da Barra do Propriá, e com a de Jesus, Maria José e São Gonçalo do Pé do Banco, ou, Siriri.
A primeira divisão da Paróquia de Santo Antônio e Almas da Itabaiana ocorreu em 1845, com a criação da Paróquia de Nossa Senhora da Boa Hora, no povoado de Campo do Brito; a segunda, com a criação da Paróquia de São Paulo, origem da cidade de Frei Paulo. E não parou por aí: com a criação do município de Riachuelo, a circunscrição eclesiástica do lugar que pertencera à Nossa Senhora do Socorro e depois à paróquia do Sagrado Coração de Jesus das Laranjeiras ganhou vida própria, levando também o Malhador e, salvo engano, Santa Rosa de Lima. Por fim, Moita Bonita, em se tratando de divisões que também redundaram em separações municipais. De 1990 pra cá, o divisionismo continuou, só que agora dentro da própria cidade de Itabaiana com alcance na sua zona rural.

As paróquias do município de Itabaiana

Pelos números do Censo IBGE-2010, a Paróquia de Santo Antônio e Almas, que determinou a circunscrição municipal, ou seja, toda a sua área, desde que o município nasceu em 1697 é hoje a menos populosa do atual município. De acordo com o sobredito Censo, a área de Santo Antônio e Almas, que está restrita ao Centro da cidade, teve ali 9.088 habitantes, apenas 10,4% dos 86.967 habitantes de então em todo o município, enquanto as outras paróquias dentro do município encontrar-se-iam na seguinte situação: Bom Parto (Bairros: Rotary Club, Serrano, Riacho Doce, José Milton Machado e Queimadas) – 21.761 habitantes; Nossa Senhora das Graças (Sítio Porto, Mamede Paes Mendonça, Macela e Bananeira) – 16.438 habitantes; Nossa Senhora do Carmo (São Cristóvão e Anizio Amâncio de Oliveira) – 13.274 habitantes; e São Lucas (Miguel Teles, Marianga e Oviedo Teixeira), 7.148 habitantes. Isso na população na cidade. À primeira vista, a paróquia de São Lucas seria a menos populosa; porém, esta paróquia conta com o maior número de habitantes na zona rural dentre todas. Um só povoado, o Rio das Pedras (ou Mundés, na denominação antiga) já tinha em 2010 mais de 2.000 habitantes o que, junto com os 7.148 residentes na cidade já era maior do que os 9.088 da paróquia de Santo Antônio e Almas da Itabaiana; e não parou de crescer. Por nos escapar com razoável precisão, as populações em cada povoado, não vamos agregá-la às paróquias com paroquianos fora da cidade; o objetivo aqui é só mostrar que a segunda paróquia a ser criada em Sergipe, murchou. Outro detalhe: existem zonas de forte expansão na cidade; mas todas elas estão nas áreas correspondentes às outras quatro paróquias; não relativo à de Santo Antônio e Almas, resumida apenas ao Centro da cidade de Itabaiana, sem área de expansão, pois. 

(*)Os dados para confecção do mapa da área original da Paróquia foram colhidos nos seguintes documentos, todos da coleção Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, volume 31, pp. 221 a 233:

«LISTA das informações e discripções das diversas freguezias do Arcebispado da Bahia, enviadas pela Frota de 1757, em cumprimento das Ordens régias expedidas pela Secretaria. d'Estado do Ultramar - no anno de 1755.» 
- NOTÍCIA sobre a Freguezia de Santo Antônio e Almas da Villa da Itabayana pelo Vigário Francisco da Silva Lobo;
- NOTICIA sobre a Freguezia de Nossa Senhora do Soccorro da Cotinguiba, no Arcebispado da Bahia, pelo Vigário José de Souza. 1757. (Annexa ao n. 2666.).
- RELAÇÃO dos logares, povoações e rio da Freguezia de Jesus Maria José e S. Gonçalo do Pé do Banco, no Arcebispado da Bahia, pelo Vigário João Cardoso de Souza. S.d (Annexa ao n. 2.666);
- PLANTA da Freguezia de Santo Antonio do Orubu de Baixo do Rio de S. Francisco, no Arcebipado da Bahia. 1757 (coleção especial de mapas sob n´. 220);
- NOTÍCIA sobre a Freguezia de Nossa Senhora da Piedade da Villa do Lagarto, no Arcebispado da Bahia, pelo Vigário João da Cruz Canhedo. 1757. (Annexa ao n. 2.666)
- RELAÇÃO da Freguezia de Nossa Senhora da victoria da cidade de S. Christovão de Sergipe d'Elrei, pelo Vigário Manoel Coelho de Carvalho. S. d. (Annexa ao n. 2.666).
- RELAÇÃO da Freguezia de S. João Baptista do Jerimuabo do Certão de Cima, do Arcebispado di Bahia, pelo Padre Januario José de Sousa Pereira, Parocho encommendado da mesma freguezia. S. João do Jerimuabo, 29 de dezembro de 1757. (Annexa ao n. 2666).



terça-feira, 16 de junho de 2015

Marco desmarcado

Começaram as obras de um símbolo mais que polêmico da cidade de Itabaiana conforme culturalmente inculcado na sociedade: o pretenso marco do Ponto Geodésico do estado de Sergipe. Dizem que motivo de emenda parlamentar ao Orçamento Geral da União por parte do senador Eduardo Amorim, o que, ao examinarmos com exação os três últimos orçamentos federais, concluímos que não: é recurso federal, sim; mas não de emendas.
A priori, o centro geodésico do estado de Sergipe está bem distante do município de Itabaiana (vide reprodução abaixo do Centro Geodésico e do Centro Geográfico absoluto do estado), que se localiza na região do povoado Várzea do Exu, município de São Miguel do Aleixo; todavia, as gerações de intelectuais itabaianenses a partir do último quartel do século XX criaram essa cultura, que ora se materializa imperfeitamente na construção do dito marco.

E qual o significado daquele marco ali plantado desde fins dos anos 40? Pessoalmente, não sei. Posso sugerir que se trate de um marco da Irmandade das Almas, proprietária da cidade e sob quem, não fosse sua existência não haveria cidade alguma. Seria o ponto mais plausível, já que próximo à Matriz de Santo Antônio, de onde tudo partiu a partir de 1675. Sem documentos ou sequer sem uma testemunha ocular de algum fato que lembre a sua imposição ali naquele local, seria de grande irresponsabilidade da minha parte dizer isso ou aquilo, todavia, a certeza de que não é o Centro Geodésico, isso eu a tenho. Não vou aqui declinar sobre a caracterização de marco porque aqui não cabe e há inúmeras referências confiáveis na internet para que o quiser fazer.

De quando é?

Fotografia da Praça em reforma, na administração do prefeito Silvio Teixeira, do 7 de setembro de 1940, mostra um coreto novinho, na sua administração construído; além de mais adiante no horizonte já aparecer a torre e telhado da “igreja dos crentes”, a Igreja Presbiteriana, da Rua Sete de Setembro, inaugurada em dezembro de 1939. Nem sinal do tal marco. Em fotografia de João Teixeira Lobo, de 1949, porém, na administração de Jose Jason Correia já é possível vê-lo com aspecto de recém-implantado. Na reforma feita por Euclides Paes Mendonça em sua primeira administração, 1951-1954, parece ter sido realocado alguns metros mais a norte, como forma de adaptar-se ao redesenho da Praça. Dali não mais saiu.

Na primeira foto, de fins dos anos 20, no local onde foi fincado o marco nada existe.
Na segunda foto, com o início da urbanização da Praça iniciada pelo prefeito Silvio Teixeira, e continuada por Manoel Francisco Teles, cerca de 1941, já existe o coreto, por sobre ele vê-se a torre da "igreja dos crentes", ou, de Eulina Nunes, da Rua Sete de Setembro (Igreja Presbiteriana), e nada do marco.
Na terceira foto, na administração de Jason Correia, já é possível ver o tal marco por entre as árvores.
Na quarta foto, de 1954, vê-se o dito marco, e também percebe-se que andou alguns metros do local original, mas para próximo do passeio público, onde até hoje se encontra.
Nesta imagem, capturada do filme promocional do Governo Luiz Garcia, feito pela Atalaia Produções, em 1961, também percebe-se o corpo de concreto, como se um elemento estranho, a fazer parte da paisagem.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Nada, mamãe! Não foi nada!

CRÔNICAS DA MINHA INFÂNCIA


Ainda hoje minha velha me tira o sarro. 
Seis ou sete anos, finalmente ganhei uma lata de óleo de algodão. Naquela época se usava pouca gordura na alimentação, e a pouca usada era animal. Do tipo que o aparelho digestivo aprendeu a domar há centenas de milhares de anos. Bem, fazer meu caminhão; enfim. Em qualquer lugar, isso teria um grande valor; mas na minha Itabaiana caminhoneira desde que se descobriu que poderia ir vender castanhas, batata-doces, fava, andu, manga, caju... até no Rio de Janeiro, Santos e São Paulo, aí não mais parou. Ainda é quase uma obrigatoriedade, no mínimo gostar de caminhão. Mas, fazer como? Minhas habilidades de artesão, se hoje não são lá essas coisas, em 1966 ou 67 era um Deus nos acuda. Sem irmãos, uma raridade naqueles tempos de famílias numerosas, tinha que ser eu mesmo. Pedir faca, martelo, serrote e pregos à mamãe, nem pensar; era pedir e receber um rotundo não. Fui então no aió do papai, peguei, escondidos, o martelo e o serrote; arranjei pregos – um pouco grande, mas... – em uma sacola, cheia de bregueços, tomei a faca de cozinha e lá me vou. Fazer meu “bruto”. Seria um “trucado”, modelo recém aparecido com três eixos e a febre entre os aficionados. Pensando bem, um trucado daria mais trabalho; por enquanto ficaríamos no simples, de dois eixos. Começar pelas rodeiras – os supostos pneus. Fui à casa de uma vizinha cheia de filhos, ter com dois deles, meus amigos, para arranjar uma japonesa velha. Japonesa, para os que não viveu aquela linguagem, era como se chamava as sandálias de arrasto recém aparecidas, onde a mais popular já era a Havaianas e ainda hoje é. Sua textura macia, porém firme o suficiente pra não dobrar sobre o peso do caminhão e de sua carga era o ideal. Consegui. Um par quase novo que os constantes pregos colocados na tira de entre dedos a danificara de modo irrecuperável... só uma nova. Era! Naquela época se consertava tudo: até relacionamentos quebrados. Ganhei-as e retornei pra casa todo contente. Lá, num telheiro sozinho, tranquilo e concentrado, começo a fazer as rodeiras. Um desastre de acabamento, mas, quem sabe se com tanta teimosia não acertaria? De repente, a danada da faca que estava cortando a borracha sofrivelmente resvalou e pegou no indicador esquerdo. O “vermelho” cobriu. Dor, medo, e noto que mamãe já tinha retornado e se aproximava. E agora? Nem chorar podia. Seria denúncia explícita. Apertei o dedo sangrando e pus as mãos atrás das costas. Ela, com certeza veria o trabalho não licenciado de tentar construir o carrinho; mas, não veria a desgraceira que acabara de fazer, pensei. Mas, mãe é mãe! Sexto sentido acima de tudo. "Que foi que houve, rapazinho? Porque está se tremendo?" Perguntou ela. Prontamente, dando uma de homem, macho: "Nada, mamãe! Não foi nada." Ela mais encostou, tomou-me os braços e viu o tamanho do prejuízo. Não disse uma só palavra. Pegou a mesma faca, atravessou o pequeno terreiro que nos separava das fruteiras do quintal, chegou numa bananeira, cortou uma palha e da lá veio com ela, pingando a água que da palha saia, o que fez o sangue coagular de imediato. Em seguida, foi lá dentro, pegou um pedaço de “voil” quase branco, acho que havia sido usado como fraldas anteriormente, com aquele cheiro de fundo de mala, rasgou-lhe uma tira delgada e amarrou no meu dedo para proteger de novos sangramentos e exposição.
Ainda hoje, quando alguma coisa parece estar escondida ela brinca a repetir a punição com que me passou a lembrar da desobediência durante quase toda a minha infância. Todas as vezes que sentia em mim a tendência em passar dos limites, lembrava o ocorrido com o “Nada, mamãe! Não foi nada!”.
Coincidentemente, dois anos depois ganhei um livro que ainda hoje preservo. Uma cartilha, da série Pátria Brasileira, Leitura I, de Renato Sêneca Fleury, Melhoramentos, São Paulo, 1943, presenteado por uma senhora já bem idosa, e nossa vizinha, de nome Maria Tereza, e, lá pelo meio do livro encontro uma historinha parecida com a minha, escrita pelo autor, intitulada “Ai meu fura bolos”. Mais um motivo de com o livro me identificar.
Que droga ruim seria a vida sem todo esse trajeto pelo qual passamos. A cada minuto, hora ou dia uma nova lição. Até que venha a última delas; que de fato, somente servirá pros que ficaram.

O presente texto me foi provocado pela fotografia supra, mais ou menos do tipo de carrinho que faria.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

A eterna crise do futebol

Lendo hoje uma excelente matéria sobre a situação do futebol brasileiro, publicada na CartaCapital 850, do último dia 20, assinada pelo Rodrigo Martins, páginas 20 a 25, uma constatação: as instituições estão em frangalhos. E claro, o futebol é a face mais visível da situação caótica delas.
Desde que foi fundada, a Associação Atlética de Itabaiana vive na pindaíba. Nos primeiros anos de sua fundação o era pelo resumidíssimo quadro societário que a podia bancar, existente na cidade; mas, com a chegada do asfalto em 1972, consequente encurtamento da distância até Aracaju e também consequente fuga de sensível contingente de classe média típica, o tipo que é a alma deste grupamento social, somente como empreendimento privado, que de fato o foi depois de 1983, é que o clube ganhou uma sobrevida. Curta sobrevida; porque já faz água há mais de 15 anos. Na esteira da Atlética de Itabaiana estão tradicionais clubes da capital, Aracaju, e não é diferente pelo país afora. Individualismo exacerbado e mudança de paradigma na ostentação dos ricos decretaram o fim, ou estado de avançada morbidez dos clubes sociais. Com a Associação Olímpica de Itabaiana não foi diferente. O grupamento formado em fins do 60 que levou o clube a ser campeão do estado pela primeira vez, na prática se desfez já ali, com o mesmo passando para mãos privadas, mais precisamente ao empresário José Queiroz da Costa, que com as rendas dos filmes de Mazzaropi (e outros, claro) em sua extensa rede de cinemas alimentou os delírios de torcedores embriagados pelo sucesso, sem noção do tamanho da conta a ser paga. Quando o cinema acabou, o time rendeu-se à realidade. Se atualmente vem se mantendo, todavia somente conseguiu arrancar três campeonatos nos últimos 30 anos, jamais retornando àquela fase de 1969-1983.
A matéria de Rodrigo Martins traz números financeiros inquietantes sobre os mega-times do país do futebol. Com todo o tipo de armação e mesmo assim os times não conseguem fechar suas contas. A pancada final foi o endurecimento da Previdência Social, ainda no Governo FHC, pondo um pouco de ordem na baderna que sempre foram as relações patrão-empregado dos clubes; mas de fato, até então, tudo era camuflado; logo, nunca deu lucro. Ou pior: nunca se manteve. No início da década de 70, sob o AI-5 e general-presidente Médici, os urros de dor dos torturados nas masmorras dos Doi-Codi da vida eram contrabalançados pelos urros milhões de vezes mais altos de quase orgasmo nos estádios. Renúncia fiscal, investimentos diretos e, até transporte de graça para os clubes, como assim o teve o time da Associação Olímpica de Itabaiana nos barulhentos aviões do Correio Nacional, durante suas participações interestaduais mais distantes (além de Alagoas e Bahia). Eram barulhentos, mas chegavam. E bem melhor do que de ônibus, e de graça. Se examinarmos a fundo, não era diferente do que ocorria com o Club de Regatas Flamengo, São Paulo Futebol Clube e outros grandões, que, claro, como grandões e dos grandolas, sempre receberam mais mimos. O general-presidente Médici presenteou a Associação Olímpica de Itabaiana na inauguração de seu novo estádio, batizado com o nome do mesmo, com a vinda gratuita do Grêmio Portalegrense, time de seu coração, que, em jogo amistoso, deu empate no resultado. Aquele tempo de fartura acabou. A mídia assumiu por completo a manietagem política da sociedade, tornando desnecessários os intermediários. Neste figurino, até a religião, desde Ur dos caldeus usada para controlar politicamente o povo, de vez em quando sofre revezes diante da eficiência da mídia. Mal comparando, é como a descoberta do manuseio do metal que denominaria uma era: a Era do Ferro. Com uma ferramenta mais eficiente, e até relativamente mais barata, porque apostar em um conjunto de várias outras de eficiência mais complicada? O futebol perdeu sua função política.
Só há uma saída pra retirar o futebol do cipoal de corrupção, inépcia e desencanto no qual se encontra: profissionalizá-lo. Disso todo mundo sabe. Ocorre, porém, que as características dissociativas crônicas desde a sua formação até os dias de hoje do brasileiro torna qualquer sonho de resolver isso na clássica forma de associação em delírio: fatalmente dará em mais corrupção. Isso se conseguir em algum momento sair dela. E a corrupção, conquanto seja parte indelével da natureza humana, não pode sobrepujar a honestidade sob risco de retorno ao primitivismo. Jamais! Houve corrupção? Sem absolutamente chance alguma de progresso real. Logo, torna-se necessário a privatização do futebol. Não há outra saída. Essa privatização pode ocorrer pela simples propriedade privada de alguém, ou, o mais desejável, por instituições educacionais de direito privado; mesmo que de patrimônio público. Transformar os clubes, de seus originais clubes sociais dos anos 10 e 20 do século passado, com a prática de esportes nobres, para escolas convencionais feito empresas, limitadas ou em sociedades anônimas, com também a prática de esportes facultativos a aqueles que quiserem ingressar nas chamadas categorias de base, nas várias modalidades. Claro, em tudo a corrupção permanecerá latente. Faz parte do jogo, a carta na manga. Todavia, certamente o desastre será bem menor do que esse impasse que aí está, sem a menor chance de se resolver; já que bem mais controlável externamente. Eu acho!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Remoendo pensamentos

Hoje, assinei, para experimentar, o Netflix. Exceto a internet não gosto de ter assinatura de nada; mas acabei caindo na cantada da propaganda e assinei o tal canal de filmes pela rede. Vinte e seis reais e uns quebrados por mês, e aí me vem à lembrança valores doutros tempos e a constatação do quanto caíram os valores da indústria do entretenimento por conta da digitalização e consequente pirataria. O mesmo CD que eu comprava há vinte anos na banca de jornais, ou seja, preços populares, em dez reais, continua em dez reais. Tudo bem se aqueles R$ 10 de 1995 não fossem hoje iguais a R$ 50,58, conforme o IGP-DI.
E sobre os filmes? Em 1997 um amigo abriu uma locadora e, por se tratar de um negócio pequeno não dispunha de funcionários o tempo integral, mormente no período noturno, quando o fluxo era maior; e eu que nada tinha pra fazer pela tardinha, ia pra lá "peruar" e o ajudava no despacho das locações. Conversávamos muito, e, de fato, eu vivia com ele os dramas de administrar aquele negócio. Lembro bem que a fita VHS ficava em torno de R$ 20,00 (R$ 80,61 em preços de hoje), e sua locação não podia ser de mais do que R$ 2,00 (R$ 8,06). Em geral era assim: fitas de baixo teor de qualidade (pornôs, por exemplo), ou de filmes já antigos, eram locados a R$ 2,00; médias, (fitas com mais de ano ou clássicos antigos) ficava em R$ 2,50 (R$ 10,08), e as "top", especialmente lançamentos, em imperdoáveis R$ 3,00. Nos grandes centros esses preços eram mais salgados. Dependendo da locadora em Aracaju, capital de meu estado, a fita “top” não saía por menos do que R$ 5,00 (R$ 20,15). A aquisição de fitas médias custava por volta de R$ 40,00 (R$ 161,22), mas os super lançamentos ninguém conseguia por menos de R$ 75,00. Lembro-me do meu amigo comprando fitas a R$ 77,00 (R$ 310,34 atuais) e a distribuidora ainda ameaçando: "É pegar ou largar!"
Acabou tudo. Tivessem ido com menos sede ao pote no momento da digitalização, talvez tivessem salvado a maior parte; mas a ganância foi tão grande, que, mesmo diante da clara ameaça, já que sob uma tecnologia a popularizar-se, ao contrário, fizeram foi aumentar os preços. Os criadores de jogos, logo, logo, perceberam o novo mundo e se adaptaram a ele: praticamente inexiste a pirataria em matéria de jogos. Já a turma da música e do vídeo ainda não conseguiu se achar. Talvez iniciativas como essa do Netflix venha se converter na redenção da arte industrializada. Já que as TVs também continuam na mesma linguagem que destruiu o mega mercado do entretenimento, quem sabe, a mesma internet que difundiu a pirataria e acabou com intensa especulação redima a indústria do entretenimento a partir de agora.

Atualização monetária aqui:
http://www.fee.rs.gov.br/servicos/atualizacao-valores/