quinta-feira, 3 de julho de 2008

Histórias pessoais – “O Tabaréu”.

Nestes tempos de certezas e despeitos, ao observar o curso das relações interpessoais com vistas ao comportamento dos grupos, especialmente em seus respectivos núcleos, vem-me à lembrança o ano de 1970.
Não me recordo se foi antes ou depois do primeiro de novembro.
A referência ao primeiro é pelo fato de ser aquele um dos dias mais esperados do ano no vale do Rio das Pedras até bem pouco tempo atrás. Era o dia de Todos os Santos. O dia de subir a serra. A velha Itabaiana-açú. Dia de procissão, de pagamento de promessas; de, com um pouco de sorte e brevidade ver o sol derramar seus raios dourados por sobre as águas do Atlântico Sul na parte em que nos toca; a nós, sergipanos. Daí porque a data ser tão marcante. Porém sei que foi por aqueles dias. Mais ou menos a quinze dias das eleições de quinze de novembro de 1970.
Deitado na minha rede, armada na varanda, uma velha fórmula índia de fugir do calor tropical noturno (às vezes por falta de camas, mesmo), eis que por volta das oito ou nove da noite, naqueles tempos onde carro ainda era raridade, um deles se fez sentir pelo barulho que então era ouvido a vários quilômetros; e pela luz intensa naquela noite de escuro a invadir a casa por entre os flechais. Foi-se aproximando até parar à frente da minha casa. O conversar baixo era audível, porém não entendível. Abriram a porteira e, num suspense, já desperto desde o primeiro sinal de barulho de motor ao longe, percebi a aproximação. Aí percebi a primeira reação de meu pai que pigarreou como a dizer, há vida e reatividade nesta casa. Os passos se achegaram até que uma voz por demais conhecida, após a tradicional batidinha na porta chamou: “Alexandre, oh Alexandre!” Meu pai em seguida respondeu – mesmo tendo percebido de quem possivelmente se tratava – “quem é lá?” O homem retrucou: “Olímpio Grande, Alexandre. Abra aqui pra 'nós conversar'. Temos boas notícias.”
Meu pai abriu a porta, sentei-me na rede em que antes adormecia, entraram três homens, inclusive Olímpio, o veterano vereador Olímpio Arcanjo de Santana, político que chegou aos oito mandatos de vereador por Itabaiana. Sentaram-se e o diálogo começou. Olímpio como mais chegado ao meu pai, já que amigos até mesmo quando os dois antes estiveram em partidos diferentes falou: “Vir aqui pra lhe trazer um recado de Chico para os seus amigos. É que ele pediu pra gente votar em Seu Filadelfo da alfaiataria”. Meu pai, que andava meio deslocado, indagou: “Mas, e ele não é contra nós?” Olímpio prontamente explicou-lhe em passagens rápidas a armação que a oposição interna, proveniente do extinto PSD, com o apoio do governo do Estado e das Forças Armadas, tinha feito pra quebrar as pernas dos udenistas dentro da ARENA em detrimento de seu grupo; bem como do acordo político celebrado. Conversaram mais um pouco, tomaram o cafezinho da minha mãe e partiram. No dia seguinte “o rebanho” já havia sido reorientado já que havia se encontrado até então num meio de turbulência.
A busca por dar um golpe, associada à arrogância de quem se já acha dono de pedaço levou à reação fulminante que elegeu em Itabaiana um dos raros prefeitos do MDB daqueles tempos. Durante a campanha houve até discursos em praça pública desmerecendo o adversário caído, onde um dos candidatos bradou: “Não precisamos de voto de tabaréu.” O candidato que foi depois vitorioso e seu grupo, por não estar “à altura dos eleitos”, ao menos que se achavam como tal, era motivo de piadas ao invés do devido respeito que um exército de homens honrados nutre por seus adversários derrotados. Silenciosamente os tabaréus associados derrubaram os narizes empinados dos senhores donos da verdade. E a democracia foi salva. No dia 15 a seguir, depois daquela visita vir acompanhando meus pais. Havia um corredor de soldados do Exército desde a Praça da Bandeira, hoje a Avenida Airton Teles, ali na rótula, até dentro do Colégio Estadual Murilo Braga onde se realizavam as eleições. Passei entre eles com o coração menor do que realmente era. Dois dias depois os “dotôres” haviam perdido feio para o candidato “Zé Ninguém”, apoiado pelo “Tabaréu” e sua tabareuzada.
Em tempo: o grupo que já perdia eleições municipais desde 1950 assim continuou até 1988.