sábado, 24 de junho de 2023

O ASFALTO SEQUESTROU O SÃO JOÃO.

 

Ontem, 23 de junho, por volta da meia-noite, numa curta viagem de carona, tive uma dimensão da transformação daqueles São Joões de fins de década de 1960 para meio século depois. Atualmente.
Ao sair de casa dirigi, ida e volta, por mais de um quilômetro, em duas das principais avenidas da cidade. Barulho, diria que dentro do normal para uma noite de festa, vindo de fontes domésticas; pouquíssimas fogueiras e crianças, e seus outrora tradicionais fogos. Nenhuma das cercas de dez fontes de som pelas quais passei... nenhuma tocando o forró tradicional. Muito brega atual; breganejo e até funk, ouvi; nenhum baião, xaxado, xote, marcha, maxixe... só coisas “novas”.
Presenciei uma cena terna que enobrece a natureza humana: na esquina as avenidas Luiz Magalhães com 13 de Junho, enquanto aguardava o sinal abrir, um jovem motoqueiro, não identificado, com uma porção de sacolas plásticas parou, chamou um aparente pedinte que estava ali e lhe entregou uma, que, claramente me pareceu comida para matar a fome. E acho que não foi um entregador profissional, porque nada recebeu em troca do senhor que a recebeu; que também não me pareceu operador de pix. Daí conclui que foi doação a um necessitado.
Sinal aberto, cruzei para a Rinaldo Mota e aí outra constatação: a cidade “se mudou” para algum lugar de repouso ou seu contrário, o agito; no caso agito junino das cidades promotoras dos grandes arraiais populares. Todos os frequentadíssimos bares e restaurantes daquela avenida durante os sete dias da semana estavam fechados. Até a pizzaria pioneira de Itabaiana, de desde o finzinho dos anos 1970, a Lilla.
A urbanização do país, do Nordeste e de Itabaiana lhe mudou os hábitos.
Mas no caso de Itabaiana, ‘ma non troppo’: continua a tradição do São João em família das décadas de 1950, 1960, 1970... etc., etc., e etc. Poucas, claro; sem mais a meninada soltando traques, chuvinhas o outros; sem mais o forró tradicional, mas continua.
As quadrilhas atualmente são peças de socialização de colégios e grupos específicos, geralmente religiosos, em geral gente comprometida com a educação social... em datas próximas, para liberar seus participantes no dia oficial da festa, aliás, na noite. Não mais as tradicionais como a da saudosa D. Neusa Melo, da década de 1950 e início da de 1960.
O dinamismo social, a tecnologia, as facilitações geraram a exuberância e o relativo abandono da simplicidade; da tradicionalidade. No entanto muita coisa resiste; seja como teimosia, ou por puro saudosismo.
As quadrilhas, os grupos musicais se profissionalizaram; encareceram, à medida que avança a concorrência comercial. Virou negócio gigantesco. Mas o básico, rústico “trio pé serra” resiste; afinal, nem todo mundo pode pagar – nem em todo lugar cabe - um palco popstar com toda aquela tralha eletrônica e iluminação.
Eu, pessoalmente, limito-me ao tradicional, com algum tempero modernizante: no forró cabe bateria, baixos, teclados futuristas, trombones, trompetes, saxofones, quiçá até mesmo alguns rifs de guitarra (como os do saudoso Paulo Rafael, em Morena Tropicana, do Alceu Valença); mas o velho teclado portátil pioneiro da sanfona é imperativo. A harmonia e a sonoridade permanecem inigualáveis.
Profeticamente, o grande programa da saudosa Clemilda, iniciado na Rádio Liberdade de Sergipe em meados da década de 1960 trazia o título de Forró no Asfalto, e foi involuntariamente uma trincheira de resistência ao estrangeirismo da Jovem Guarda, em Sergipe, e nos sertões de Alagoas e Bahia.
E o forró saiu dos sítios do agreste nordestino para as grandes cidades; e o sobredito Forró no Asfalto acabou por se constituir num agente dessa urbanização junto ao enorme êxodo rural que seguiu.
Logo, o que se presencia atualmente é a simples e inexorável evolução das coisas. Imparável. Ainda bem que a tecnologia tanto avançou que podemos recriar o nosso universo musical particular.



quarta-feira, 21 de junho de 2023

E COMEÇA MAIS UM RETORNO.

 

Neste dia 21 de junho, as 11h58min, horário de Brasília, à velocidade de 100 mil quilômetros/hora, e girando a 3.630metros, também por hora, o Sol, aliás, a Terra começa seu caminho de volta para o Sul, até o próximo dezembro, como em todos os quatro bilhões de anos já passados.
Sim, somos filhos de uma rocha viva, esplêndida, que pulsa, respira, solta puns através de seus vulcões, recicla-se em tudo, e que, segundo os entendidos, faz isso a mais de quatro bilhões de anos. Uma, mais uma das incontáveis maravilhas de Deus.
A partir de agora, 11h58min, da manhã deste dia 21, a sol retorna a nós do hemisfério sul.
E começa oficialmente o inverno.
Boas noites cálidas à beira de fogões e fogueiras, ou debaixo de quentes cobertores.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

PROGRAMA MURALHA DIGITAL RETOMA O CONCEITO DE CIDADE FORTIFICADA.

 348 anos depois


Rumo a um inevitável Admirável Mundo Novo.

Eric Arthur Blair, sob o pseudônimo de George Orwell, foi uma figura, digamos, popular em nosso frenético século XX próximo passado.
Perfeccionista, logo racionalista extremado, logo se encantou e desencantou com o comunismo.
Como bom inglês imperial, treinado na arte de pregar contra o império da Rússia, de olho em seus vastos recursos minerais, escreveu uma obra prima: a República dos Bichos. Amplamente usada pela direita para atacar o Regime de Moscou, à época sob o comando de um atordoado e violento Josef Vissariónovitch Stalin. Segundo Orwell, um império onde a corrupção foi privatizada ao partido governante. Sem discórdia; sem reação. Ditadura total.
Porém, a obra de Orwell, que mais chocou foi o livro 1984; um mundo sombrio, controlado por uma Ditadura, espécie de Matrix, denominado como Big Brother ou Grande Irmão – de fato, na tradução real, o irmão mais velho, ou o primus inter pares de Augusto - que tudo via e tudo impunha, com chances zero de liberdade ou rebeldia. Baseava-se ele num rígido sistema de vigilância, onde nada escapava do olho do Grande Irmão, obviamente, punido com rigor, qualquer perturbação de sua ordem.
Aldous Leonard Huxley, também inglês imperial foi além. Como um humanista, foi fundo no drama humano a publicou Admirável Mundo Novo, uma visão da ditadura da razão, utópica até certo ponto, de fato uma distopia, em que os conceitos de Burrhus Frederic Skinner – que dariam no behaviorismo radical – estão delineados em toda a sua plenitude. O livro, lançado em 1932, antes da extrema-direita alemã entregar o governo da Alemanha ao nazismo de Hitler para fazer o que fez e muito mais.
No A Revolta de Atlas, de 1957, a ultra-direitista Ayn Rand, como todo liberalóide, supostamente pretendeu enterrar os sentimentos nobres; como o altruísmo, o amor e a compaixão, em nome do vale-tudo de mercado, o que presenciou o início na Reagnomics (de Ronald Reagan) antes mesmo de morrer, em 1982. Mas de verdade o que produziu foi um comunismo transmutado, em um império muito mais ameaçador, mais para Aldous Huxley que para George Orwell, logo, muito mais perigoso.
Enfim, chegamos a essa terceira década do século XXI com o Grande Irmão devidamente instalado, vasculhando nossas vidas através das centenas de milhões de câmeras fixas de vídeo, e das bilhões de câmeras de celulares em operação. Mas o Grande Irmão não parece de todo mau. Como no Admirável Mundo Novo de Huxley, parece até uma democracia radical; onde todos falam al mesmo tempo “o que bem pensar”, em contrário aos conceitos de Skinner e dos behavioristas. Parece.

Bem... Aterrissando.

Hoje, num comunicado na Câmara Municipal de Itabaiana, o Prefeito Adailton Souza, ladeado por secretariado e todas as autoridades envolvidas em segurança no município anunciou o programa Muralha Digital. Que nada mais é do que uma inevitável medida para cacifar o setor de segurança da cidade, mediante vigilância integrada, da Guarda Municipal com as polícias Civil, Militar, Bombeiros, Rodoviárias Federal e a própria Polícia Federal.
Demonstrou, ao vivo, já em operação piloto, cinco unidades de altíssima definição e alcance, para vigilância em geral; também nas rodovias (Itabaiana é um entroncamento federal, desde a sua fundação em 1675). Monitoramento total. É só o começo.
É o preço que se paga para viver em liberdade; uma vez que quem mais preza pelo anonimato, pelo escondido é o marginal.
No passado tínhamos a fofoca da rua em que morávamos para tolher, inibir a marginalidade; hoje, com toda essa mobilidade e individualização exacerbada só há um meio de continuarmos com nossa liberdade, mesmo que vigiada: usando a tecnologia. “Tudo vigiado por máquinas de adorável graça”. (*)
Em 1999, com o início da popularização das câmeras, à época, analógicas, e de baixa definição em relação às digitais atuais, no Conselho Municipal de Segurança de Itabaiana, propusemos a instalação de dez unidades, distribuídas no Centro da cidade e pelos principais acessos a ela. A ideia foi aceita e aprovada, porém o Conselho, entidade pública de direito privado, não dispunha de recursos, e a ideia morreu.
Lembrando que o Conselho foi criado em 1998, no pico de uma escalada de insegurança que se abateu sobre o município de Itabaiana.
A instalação da Muralha Digital atende a reclamos de quando a cidade nasceu, em 30 de outubro de 1675.
Naquele ano, ela nasceu por força de ordem régia de Portugal. Deveria ter sido cidade de verdade; com muro, fosso, torres de vigilância, ponte e portão de acesso como qualquer cidade fortificada da Idade Média, ou qualquer que naquele ano tivesse a missão de guardar a prata extraída de sua mina.
Não foi encontrada a prata; não foi construída a muralha; e de uma cidade, a única coisa a ficar foi a Matriz de Santo Antônio, que gerou ao seu redor a vila como sede do município, depois agraciada com o status de cidade. Cidade de Itabaiana.
A Muralha Digital retoma o conceito de cidade fortificada.

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