domingo, 19 de janeiro de 2020

ECOS DE INFÂNCIA NO HOJE E SEMPRE



O drama começava, geralmente assim: estando na feira dos doces, no Largo José do Prado Franco, ao comer gulosamente uma fatia de cocada-puxa, vinha a sede; ao beber a caneca d’água, rebentava uma incontida vontade de mijar. E agora? Num canto do Mercado do Talho de Carne, nem pensar; o sanitário público, além do ambiente hostil, representado pelo coxo do mictório alto, feito só pra adultos, os vasos sanitários também eram um pouco altos, e a sujeira ali por mal-uso e pior conservação era um convite à desistência. O Tanque do Povo, com suas escadarias a lá filme O Encouraçado Potemkim possuía muro baixo; além do mais, as minhas lições de ecologia religiosa diziam que seria pecado urinar dentro da água. Nossa Senhora choraria! E, quem iria se atrever a, além da falta de educação, da exposição das “partes fracas” e do pecaminoso crime ecológico, levar a mãe de Cristo às lágrimas? O drama persistia.
Súbito, uma olhada em direção à frete do Vapor de Joãozinho Tavares, a Beneficiadora de Algodão São Luiz, visualizava minha salvação: uma rua esquisita, na verdade um beco, o beco do Coima, onde, apesar de já ocupado por casas, algumas eram vazias e aonde ficavam dispostas no chão, em fileiras, umas tabuas à venda, logo à espera de freguês, misturadas com peças mais robustas. Como num passe de mágica eu lá chegava, sem ninguém por perto e me aliviava.
Estava consumada a tragédia! Acordava ainda nos últimos pingos como se o inconsciente me quisesse pregar uma peça e me advertisse: “Tá vendo aí? Mijou na rede - ou cama - de novo”.
E no dia seguinte ia tomar xinga, regularmente, com advertências que, neste caso nunca se confirmavam de algumas execuções pela temível “vara da infância e adolescência”, ou mesmo o cinto gasto ou um reles chinelo.

Obras

A Rua Cupertino Dórea ou Beco do Coima (Queima, pros populares) está em obras. Uma vala central aberta para a colocação da estrutura de escoamento de esgotos e a de águas pluviais. Faz parte do gigantesco e tardio trabalho – e ainda bem que veio – de boa destinação das águas e efluentes neste lugar seco, que, em 1757, o padre Francisco da Silva Lobo, quatro anos antes de começar “em pedra cal e óleo de baleia”, a construção da igreja matriz de Santo Antônio já implorava ao rei D. José:
“He o logar da Villa de poucos moradores, por ser aridíssimo, e tão falto de agoas, que as não há senão no inverno, razão pela porque se faz digno de que S. Magestade (sic) seja servido de o mandar prover de algúa cisterna ou agoada de pedra e cal para remédio dos Parochos, e dos poucos moradores que nelle habitão, o povo, que vem às festas, às missoens, e semanas sanctas, e mais funções da matriz e villa, pois so no inverno tem agoa em hú buraco chamado pedreira, que dura pouco tempo pelo verão valendo-se os da villa, e mais povo que vem às festas e funcçoens da vila das cacimbas das serras distantes da Matriz húa legoa grande.”
A obra é exatamente para gerar a estrutura de coleta, transporte e tratamento do esgoto, além de separação de contaminação as águas pluviais.
A rua, como mijadouro de moleques mijões nas redes e camas há muito deixou de ser; como também curral de aprisionamento de animais vadios, invasores de roças, cuja queixas chegaram a incomodar até o Rei D. João VI, quando no Rio de Janeiro.