terça-feira, 15 de abril de 2014

Agradecer: uma questão de justiça!

No último sábado, a Prefeitura Municipal de Itabaiana, por seu titular, Valmir dos Santos Costa e equipe inauguraram as obras de ruas adjacentes e da Praça da Mangabeira, povoado onde nasci, e cuja feição urbana foi criada pelo meu saudoso pai, Alexandre Frutuoso Bispo. As obras se arrastaram por quase cinco anos, já que iniciadas na gestão passada, a do ex-prefeito Luciano Bispo de Lima, mas foi nesta gestão atual que tomou impulso, chegando ao estado de realizada.
O povoado Mangabeira se estabeleceu em tempo idos do século XVII, como local de passagem da estrada real de Itabaiana para São Cristóvão, a primeira capital de Sergipe. Levantamentos do Professor Lima Jr., trazem que o local foi doado à capela do Sr Bom Jesus do Matosinhos em 1744, pelo alferes Antônio Machado de Mendonça e sua esposa D. Francisca Gomes de Oliveira. Todavia, nenhuma igreja foi construída no local, e nem ficaram registros da dita capela na Matriz de Santo Antônio e Almas da Itabaiana, a cuja freguesia, até pouco tempo atrás pertenceu. O incremento populacional na região, verificado no início do século XX, dotou-a de vários pequenos sítios, propriedades típicas do agreste itabaianense. O meu bisavô, sempre pela linhagem paterna, chegou à região ao fim do século XIX, possivelmente vindo do município de Lagarto, já aqui tendo nascido meu avô em 1884. Fincou raízes na parte norte do povoado, dividido ao meio pelo Riacho do Meio, na época conhecida como Mangabeira de Cima, e também atravessada pela velha estrada real. Foi neste local que lhe nasceram os onze filhos, dos quais se criaram nove, sendo meu pai o terceiro, antecedido pela minha tia Joana e pelo meu tio Vitorino, ou Vito.
Em 1945 havia uma magia no ar. O Nacional-Desenvolvimentismo dava seus primeiros passos mais visíveis na forma de estradas, poços artesianos, escolas, melhor estrutura de arrecadação e distribuição de recursos, progresso, enfim. O futebol se firmava como paixão nacional, e logo meu pai conseguiu criar um time de futebol, e aproveitou o descampado típico de cerrado, cheio de mangabeiras, ganhadores, cajueiros bravos e alecrins, conhecido como tabuleiro dos mosquitos, dentro do então imenso sítio de seu pai, e ali criou um campo de futebol. O meu pai, apenas alfabetizado, era um devoto fervoroso do progresso. Também católico fervoroso, logo, catequizado pela ideologia hiper conservadora da Igreja, não podia ouvir falar em Reforma Agrária e outras bandeiras socialistas que lá estava ele de ouvido colado no rádio ou na conversa afim, torcendo pelo bom sucesso da ideia. Mas, ninguém falasse na palavra "maldita" perto dele: comunismo. Lembro-me de uma reunião havida no povoado Lagoa do Forno, nos idos de 1966, onde eu, pequenino, fui com ele lá participar, mesmo que todo mundo ficasse apreensivo, pois se tratava de uma reunião que daria na fundação do atual sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itabaiana, e, naquele momento, com o recém instalado regime golpista de 1964, todo mundo vivia amedrontado com qualquer coisa do gênero. De fato não havia perigo algum porque o sindicato nasceu pelego e nunca foi diferente disso – nem poderia, já que mais uma central assistencialista. Ainda sobre alfabetização, além de ter aprendido contra a vontade de meu avô, por interferências de terceiros passou a ensinar sob seu consentimento aos irmãos – as irmãs não podiam: “pra não aprenderem a mandar cartas pros namorados”; coisas dos tempos do carrancismo. A minha avó paterna era tão católica fervorosa quanto meu pai, e faleceu em 1946, deixando uma dívida pra ele: providenciar o pagamento de uma promessa feita a Nossa Senhora Santana, de uma noite de rezas, com fogos de artifícios, etc., e etc.. Muito querida na vizinhança, o anúncio de meu pai de que iria pagar a promessa feita pela minha avó, movimentou a comunidade e, dois vizinhos em especial, resolveram estimular o meu pai a construir uma capela para realizar tal ato, foram eles: Martim Pedro da Conceição (Martim do Forno) e José Martins dos Santos (Martim de Cuta). O primeiro entrou com recursos e propaganda; o segundo com a organização da arrecadação junto à comunidade, inclusive ele. Uma semana antes do novenário da santa, cuja dia de consagração é dia 26 de julho, e a cumeeira subiu, ficando pronta na véspera da primeira das noves noites de reza – e não apenas uma, devida pela promessa. Desde então, o lugar foi consagrado à santa como padroeira, e todos os anos é realizado o novenário. Ainda em 1947, meu pai pleiteou e conseguiu junto ao prefeito de Itabaiana, Manoel Francisco Teles, a construção da estrada de rodagem entre o povoado e a estrada estadual, entre Itabaiana e Laranjeiras, que, coincidiu ser o local de entroncamento também com a nova estrada, a federal BR-235, aberta em 1952, para dar apoio logístico à Hidrelétrica de Paulo Afonso na Bahia, e que inicialmente ligou Aracaju a Jeremoabo, passando por Itabaiana. Em 1949, travou uma batalha campal contra o prefeito Jason Correia que queria levar uma escola rural para outra localidade, então quase desabitada, onde residiam parentes seus. Foi de importância ímpar a participação firme do jovem ex-deputado Dr. Aírton Mendonça Teles, filho de Manoel Teles que interveio junto a seu pai para que fosse definida a Mangabeira como o local da escola, que ainda hoje ali está. Mesmo já residindo fora do povoado, mas recordo nos idos de 1967 ou 1968, sua dor de cotovelo por serem os povoados Ribeira e Cajaíba servidos por energia elétrica, e a Mangabeira, não. Dor de cotovelo que aumentou ainda mais, quando em 1971, a rede começou a ser colocada no povoado Serra. Quanto a este item, faleceu em 14 de junho de 1988 satisfeito: a energia elétrica havia chegado à Mangabeira dois anos antes.
A Mangabeira é um povoado existente na região sul do município de Itabaiana, Sergipe, tipicamente agrícola, servido pela irrigação do Projeto Ribeira, situado entre o Rio das Pedras, ao norte e oeste, e os riachos do Tronco e Francisco José, ao sul, sendo dividido do povoado Serra Comprida, este já no vizinho município de Areia Branca, pela linha traçada entre os pontos mais altos das serras de Cajaíba e de Itabaiana. Possui água encanada, energia, telefone, porém seu acesso ainda é por estrada de terra. População aproximada de 500 habitantes, servida por duas escolas de primeiro grau, não completo, sendo uma estadual, a Escola Rural da Mangabeira, fundada em 1949, e uma municipal bem mais recente. Tem associação de moradores, que são majoritariamente católicos, e já há mais de dez anos realizam uma muito bem planejada e executada peça teatral encenando a Paixão de Cristo, mesmo em se tratando de pessoas simples, sem ensinamentos sobre encenação, praticamente todas elas agricultores.
A inauguração realizada no último sábado, 12, deste corrente abril de 2014, além de corrigir um problema, o do desprezo a que esteve relegado o povoado durante anos, eleva a autoestima de todos que ali vivem ou que dali vieram, como eu, fazendo justiça àquela comunidade que tem no trabalho uma devoção; algo sagrado, como pregou Hesíodo.
Em nome de meu pai, que se vivo estivesse o faria, quero agradecer aos mangabeirenses que criaram o grupo teatral da Paixão de Cristo, vitrine primordial para que viesse o projeto e obras que agora se realizam; quero agradecer ao meu amigo, ex-vereador João Alves dos Santos, o querido João Patola, pela força que deu aquele grupo ao propagar-lhe o trabalho, há dez anos, quando ainda nascente, no seio da sociedade urbana de Itabaiana; quero agradecer a administração municipal anterior por ter desenvolvido este projeto, em que pese tê-lo congelado por mais de dois anos; quero agradecer ao prefeito Valmir dos Santos Costa por ter arregaçado as mangas e concluído o projeto, transformando a velha praça empoeirada num belo jardim e seus equipamentos.
Em meu nome, quero agradecer aos mangabeirenses de hoje que não se descuidaram da memória dos de ontem, inclusive a do meu pai, colocando-o em evidência, para que tivesse a Praça, por ele criada em 1947, o seu nome; quero agradecer ao seu afilhado José Valdécio da Paixão, ou Valdécio de Davino, o empenho pessoal em catalisar este sentimento dos mangabeirenses, levando-o à Câmara Municipal de Itabaiana, e ao prefeito Valmir dos Santos Costa, e denominar a mesma praça com o nome de Alexandre Frutuoso Bispo; agradecer ao vereador João Cândido Sobrinho, propositor na segunda mais antiga Casa Legislativa do estado, e quadragésima sétima mais antiga do país, de tal honraria; agradecer a todos os vereadores votantes ou não, presentes ou ausentes, em uma ou nas duas sessões necessárias à aprovação da matéria; enfim, mais uma vez agradecer ao prefeito Valmir dos Santos Costa pela sanção da lei que denomina doravante a Praça Alexandre Frutuoso Bispo do povoado Mangabeira.
Muito obrigado!

José de Almeida Bispo
Radialista, publicitário, pesquisador, documentarista e historiador.
Membro da Academia Itabaianense de Letras, cadeira 26 (patronesse, Maria Thétis Nunes)