sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Do financiamento de campanha e lendas de boto.

A explosão de mais um mega escândalo, desta vez o da Operação Lava Jato, apesar de fato corriqueiro, mais uma vez deixa o país boquiaberto. Petistas veem golpismo da oposição, que não faz o menor esforço pra que seja diferente; a oposição, por seus extremados, cunham, mais uma vez, a pecha de ladrões em petistas; e no fim, todo mundo treme, porque sabe muito bem que o monstro é uma hidra de milhares de cabeças, entranhado na sociedade brasileira desde os tempos de Mem de Sá quando foi proclamada a Lei dos Conluios por D. Sebastião, em Portugal. Todo brasileiro minimamente informado sabe que no Governo, ninguém faz nada sem levar vantagens extras. Do fiscal municipal de rendas a impolutos senadores e ministros, poucos são os que, tendo poder de decisão, se salvam. Não é de hoje, não é de ontem; vem de muito tempo. Sou funcionário público há 36 anos e estou cansado de ver colegas gabando-se de vantagens auferidas, quais seja a de poder chegar mais tarde no trabalho “que o outro”, ou até de faltar dias seguidos, “que o outro” não pode. “Levar vantagem”, é a ideia fixa.
A formatação do Estado colonial português deu nisso. Um Estado formado a fórceps, recém-saído da Idade Média, e carregando todos os vícios daquela; que teve de administrar uma expansão absurda de seu reino num prazo de menos de meio século, onde, além dos citados vícios, contou com a quase inexistência de uma mínima máquina administrativa. Considerável parte dos documentos portugueses de até fins do século XVII tem sérios problemas na grafia do idioma, pressupondo pessoas que simplesmente não sabiam falar bem o português, ou, se o faziam, eram pessimamente alfabetizadas. Em 1610, o viajante francês, Pyrard de Laval, conforme o Visconde de Taunay, horrorizava-se com a intensidade da corrupção existente no Brasil que burocraticamente mais importava naquele momento: a Cidade da Bahia ou Salvador, então capital da colônia. E não era pra menos, uma multidão de expatriados cristãos-novos, todos roubados, deserdados e ameaçados, tornados bichos encurralados pelas inúmeras e constantes extorsões e medo da maldita Inquisição espanhola (Portugal estava sob domínio espanhol), e certamente o assédio virulento, até mesmo por parte dos “da nação”, já incrustrados na máquina governamental. A coisa era tão brava que em carta à rainha D. Catarina, viúva de D. João III, de 06 de março de 1570, Mem de Sá justificava certas permissividades dizendo que as leis do Reino não podiam aqui serem aplicadas, por simplesmente não caber, correndo a colônia sérios riscos se o fosse. De medo, cinismo e hipocrisia formou-se o Brasil.

A tolerância e sua origem.
Em 1759 os jesuítas foram expulsos do Brasil e de todas as colônias portuguesas; e, obviamente de Sergipe. Durante mais de dois séculos a Companhia de Jesus tinha feito fortunas no Brasil, capitalizando-se para suas querelas paroquias na Europa. Nenhum interesse em ensinar curumin a ler, nem mesmo à maioria dos filhos de senhores de currais e engenhos. Foram os maiores senhores de escravos indígenas; assumiram o filão da agiotagem, herdando o mesmo gosto pela avareza condenada aos calvinistas e judeus holandeses, quando em Pernambuco. Enfim, fizeram fortunas. Em meados do século XVIII, pouco antes de serem expulsos de Sergipe chegaram a possuir 500 escravos indígenas somente na fazenda, hoje povoado Tijupeba, município de Itaporanga d’Ajuda. Além das outras “missões”. Mas em 1759 foram presos e deportados para fora do império colonial português. Claro, seus bens foram a leilão, em benefício da Coroa. Quatro anos após o primeiro leilão em Sergipe, o capitão-mor Joaquim Antônio Pereira da Serra Monteiro Corréa foi preso e enviado a ferros para Lisboa; todavia, ficaram os indícios de que, de fato, o grande articulador dos prejuízos à Coroa não foi o capitão-mor, e sim o ouvidor-mor Miguel de Arez Lobo de Carvalho, nunca provado.
O brasileiro, via de regra sempre foi assim: o Estado é o rei; e é pra ser roubado, extorquido. Absolutamente ninguém põe na mesma balança o assalto a uma empresa e a sonegação desta mesma empresa, ao Estado, obviamente. Em contrário: sonegar constitui um ato de bravura; de defesa contra o “rei mau”. Culturalmente é isso que pensam quase todas as pessoas. De forma que os crimes de apropriação indébita são muito relativizados, dependendo de quem o praticou e contra quem praticou. Logo, desvios de dinheiro público para fins eleitorais passa a ser devidamente perdoados; desde, claro, que o chefe da quadrilha divida parte deste dinheiro com os eleitores, que aqui e agora se constituirão em bando. Isso passa sob nossos narizes o tempo inteiro. Desde as eleições municipais, às de nível estadual e federal todo mundo rouba o erário, supostamente pra comprar votos e é devidamente perdoado porque roubou, mas dividiu com os componentes menores do bando.

A justificativa.
Existe na Amazônia a lenda do boto encantado, que aqui acolá deflora uma virgem engravidando-a. Ao aparecer grávida, a comunidade inteira – e não somente a família, especialmente o pai ultrajado, e às vezes o namorado, idem - jura matá-la, esfolá-la viva até que tomada de pavor a devassa torna-se uma pobrezinha revelando: “foi o boto”! Foi o boto! Ora, se foi o boto, fazer o quê? Cuidar do bebê, arranjar um pai adotivo, enfim. Todos os ânimos serenados e retornados à sua vidinha regular.
Causa-me tristeza – antes causava-me furor, que tive de administrá-lo – quando vejo certas obras nas cercanias, visivelmente superfaturadas, armengadas, e, salvo a oposição, sempre venal, ninguém diz nada! Nem mesmo pessoas que sabidamente não estão “comendo”. Nos idos de 2000 passei a navegar na internet e logo dei de cara com os portais do Governo Federal onde já dava pra se ter ideias razoáveis sobre os encaminhamentos de verbas federais. Logo estava arranjando confusões com gestores locais, empenhados em fazer politicagens ou sei lá por quais motivos mentindo sobre prazos e valores. Fixei na primeira página do meu portal os endereços dos ditos portais, e, depois que retirei o portal do ar, mantive tais endereços no blog que até hoje mantenho. Mas logo estava me impacientando com pessoas razoáveis, colegas da comunicação, inclusive, a replicarem notícias falsas, ao invés de irem na fonte. Pior: o maior portal do país laçou um sub-site denominado Contas Abertas, mas só o fez quando o grupo entrou pra valer no oposicionismo total ao partido então no Governo Federal, e, claro, todas as informações passaram a serem usadas, não pra esclarecer; mas, pra confundir, usando números verdadeiros, porém escondendo todos que não interessavam partidariamente, o que, de certa forma, acaba por desmerecer a informação verdadeira, tornando-a falsa. Em resumo, quase ninguém está nem aí para a sonegação contra o Governo e para a roubalheira no mesmo. Exceto a oposição, como sempre; até mesmo por falta de propostas mais claras e atraentes.
Muita gente saudando a apuração de mais essa roubalheira; que agora vai, que isso, que aquilo... “já combinaram com os russos”? Ou, como estão se comportando... qual o real interesse dos donos do dinheiro – o povo – em limpar a corrupção no Governo? Ele, o povo, se acha dono daquele dinheiro? 
Implicitamente, se o dinheiro roubado foi para a campanha política, então tá perdoado. Obviamente que mais da metade do apurado vira "sobra de campanha". Mas aí, "já que foi o boto...!"