sábado, 24 de agosto de 2013

Dedé de Pepeu.

Antes de ontem tomei um susto: no Facebook, uma amiga postou algo sugerindo algum problema com Ariano Suassuna. Aguçou minha curiosidade e, à minha pergunta sobre o que teria ocorrido, uma segunda amiga falou que ele tivera um infarto, mas que já estava tudo bem, fora de perigo, etc.. Aí, lembrei que na semana anterior o Carlos Mendonça havia me ligado alertando que o Suassuna estava no especial da TV Senado. Seria um pecado imperdoável perder. E lá fui eu me plantar diante da TV e nem vi o tempo passar, óbvio. Aí o Suassuna falou sobre as virtudes da mentira; a boa mentira, aquela que não faz mal a ninguém; apenas diverte e excita a fantasia porque, naturalmente, uma mentira fantástica. Lembrei de Seu Dedé de Pepeu, de quem nunca lhe soube o verdadeiro. 
Seu Dedé, que alcancei residindo no povoado Forno, próximo de onde morávamos, eu e minha família, tinha histórias do arco da velha. Era uma diversão, qualquer reunião social naquelas paragens e que tinha a sorte de contar com sua presença. Pantaleão, famoso personagem do inesquecível Chico Anizio perdia feio pra ele. Certa feita ele contou uma que, ao me recontarem, grudou-me na mente e nunca esqueci. Seu Dedé era sitiante e, como praticamente todo sitiante pobre da Itabaiana interior, também um mascate. Vendedor de seus produtos de feira em feira. Era tradicional uma linha que fazia, parece que imitando meu bisavô, sempre pela linha paterna, José Bomfim de Góis, que compreendia as feirinhas dos povoado Jenipapo e Urubutinga, e a própria feira do Lagarto, cidade em cujo município estão os dois povoados. Certa feita, numa sentinela, uma dessas mulheres curiosas começou a encher-lhe de perguntas sobre suas viagens e aí Seu Dedé saiu com a pérola a seguir. Certa vez vinha ele do Jenipapo, e, ao se aproximar do Rio Vaza-Barris lhe apareceu tanta mutuca, mas tanta mutuca que, segundo ele, ao matar a todas e guarda-las nos caçuás vazios, encheu todos os seis que trazia nas três burrinhas que também eram seu ganha pão. E o que fez das mutucas? Quis saber a curiosíssima senhora. Aí ele explicou que, depois de ter passado por tanto sufoco, não deixou por barato. Transportou-as até o sítio e aproveitou pra usá-las como fertilizante numa plantação de mandioca. Mas isso era pouco pra tanta curiosidade e, claro, a mulher queria mais. Ela quis saber se a mandioca fora produtiva. Aí o Seu Dedé resolveu finalizar com chave de ouro. Contou ele que um ano depois teve um dor de cabeça daquelas com um das burrinhas que desapareceu sem deixar rastro. Amarrada num bamburral na malhada e, simplesmente desapareceu. E aí, toca ele a procura-la e a procura-la; quando já se sentia desanimado ouviu um relincho e, claro, reconheceu de pronto: “minha burrinha!” Mas, onde? A busca agora se tornou frenética. Procurou por toda a pequena malhada e nada; aí, de repente a burrinha resolveu relinchar novamente. Mas... o relincho parecia vir de debaixo do chão? Como pode? Continuou sua busca servindo-se dos relinchos da burrinha até que descobriu o segredo: a coitadinha se soltara da corda a que estivera amarrada e foi em busca do mandiocal. Lá chegando encontrou uma raiz de mandioca e começou a comê-la; tanto comeu que se perdeu dentro da raiz e ficou sem saber dela sair... estava lá dentro a pobrezinha, já há dois dias. Claro, a mulher ficou um pouco duvidosa, mas, bom mentiroso não deixa dúvidas. Mesmo que sobrem algumas, vem logo algo como as respostas do Chicó, de Suassuna: “Não sei! Só sei que foi assim!”

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Por pessoa de satisfação na companhia da Itabaiana.

“Peço que tanto que Vossa Mercê receber esta me proponha na dita Companhia de Itabanhana pessoas que nella morem e dignas de se lhes mandar passar Patente, porque sou informado haver naquelle districto algumas de satisfação e desde logo hei por reformado o dito Luiz Pereira. Guarde Deus a Vossa Mercê. Bahia e julho, 22 de 1673. Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça.”ff 67. Carta que se escreveo ao Capitão mor de Sergipe del Rei, João Munhos para por pessoa de satisfação na Companhia da Itabanhana. De 22 de julho [1673]
Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, volume 05, p.17. Rio de Janeiro, 1878-1879.

Itabaiana é livre, porque livre é a alma de seu povo. Escrevi isso recentemente na Revista Perfil, deste agosto em curso, e replico aqui. Não é um lugar pra se deixar à toa. A mesma liberdade que produz progresso também produz excesso. Que não é saudável para nenhuma sociedade e deve ser tolhido, aparado, e conduzidas as suas energias unicamente para o progresso. A Justiça é o ponto chave de uma civilização. Foi isso que deu à República de Roma sua chance de se tornar imperial. O que infelizmente também a levou a corromper-se mortalmente, mas aí já é outra história. O fato é que a Segurança, por si só, pode represar os instintos selvagens de retorno ao primitivismo que cada um de nós carregamos; mas jamais produzirá efeitos duradouros porque não educante; não convencedor; não justo, como é o caso da Justiça. Juntos, porém, Justiça e Segurança levam inexoravelmente à Eunomia e à saúde do convívio social.
Ontem, dia 22, mais uma vez uma saraivada de prisões envolvendo graúdos de Itabaiana foi perpetrada. Excelente: a Polícia agiu. Cumpriu com sua parte no processo civilizatório. O problema é o porquê de ter chegado a este ponto; e não ser a primeira vez. Aliás, tem sido recorrente esses processos, em que pese insatisfatórios, porque é como se não estivessem recolocando as cousas em seus devidos lugares. Meras ações punitivas pontuais.
Em meados do século XVII, mais precisamente em 05 de novembro de 1656, uma rebelião contra a cobrança de impostos – extorsiva, diga-se - teve ligar em Sergipe com epicentro em Itabaiana. Somente quinze anos depois é foi completamente debelada; o que na prática destruiu o processo de colonização iniciado depois de primeiro de janeiro de 1590. Foi necessário um exército de paulistas, depois chamados pomposamente de bandeirantes, que pôs quase todo mundo à fuga, e a outros matou e espandongou. Num lugar de espírito tão liberal como o nosso, os cuidados devem ser redobrados. É como aquele garoto levado, hiperativo, inteligentíssimo que, sem bem guiado, será um grande cientista, um grande artista, ou mesmo empresário ou político, elementos tão carentes à sociedade humana; se mal conduzido, seja por repressão excessiva, seja por desleixo, se tornará um frustrado perigoso, no primeiro caso; ou um feroz criminoso, no segundo. Cronicamente temos tido o desleixo das autoridades policiais e judiciais. Vê-se isso no período colonial, no período monárquico, na anarquia da República Velha, e quase nada mudou desde então. Salvo lapsos momentâneos, sempre há carência de policiamento e, a Justiça, segue o padrão nacional. Num lugar onde energia e criatividade são o que não falta. Mesmo que não concorde com a verdadeira história de Rui Barbosa, mas o mesmo foi lancinante, perfeito, no seguinte pensamento “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra E A TER VERGONHA DE SER HONESTO.” É a que tem sido levado vários cidadãos itabaianenses que não mal usam a energia e a criatividade de que dispõem.
Passemos, pois, ao próximo Ato!