segunda-feira, 25 de maio de 2015

A eterna crise do futebol

Lendo hoje uma excelente matéria sobre a situação do futebol brasileiro, publicada na CartaCapital 850, do último dia 20, assinada pelo Rodrigo Martins, páginas 20 a 25, uma constatação: as instituições estão em frangalhos. E claro, o futebol é a face mais visível da situação caótica delas.
Desde que foi fundada, a Associação Atlética de Itabaiana vive na pindaíba. Nos primeiros anos de sua fundação o era pelo resumidíssimo quadro societário que a podia bancar, existente na cidade; mas, com a chegada do asfalto em 1972, consequente encurtamento da distância até Aracaju e também consequente fuga de sensível contingente de classe média típica, o tipo que é a alma deste grupamento social, somente como empreendimento privado, que de fato o foi depois de 1983, é que o clube ganhou uma sobrevida. Curta sobrevida; porque já faz água há mais de 15 anos. Na esteira da Atlética de Itabaiana estão tradicionais clubes da capital, Aracaju, e não é diferente pelo país afora. Individualismo exacerbado e mudança de paradigma na ostentação dos ricos decretaram o fim, ou estado de avançada morbidez dos clubes sociais. Com a Associação Olímpica de Itabaiana não foi diferente. O grupamento formado em fins do 60 que levou o clube a ser campeão do estado pela primeira vez, na prática se desfez já ali, com o mesmo passando para mãos privadas, mais precisamente ao empresário José Queiroz da Costa, que com as rendas dos filmes de Mazzaropi (e outros, claro) em sua extensa rede de cinemas alimentou os delírios de torcedores embriagados pelo sucesso, sem noção do tamanho da conta a ser paga. Quando o cinema acabou, o time rendeu-se à realidade. Se atualmente vem se mantendo, todavia somente conseguiu arrancar três campeonatos nos últimos 30 anos, jamais retornando àquela fase de 1969-1983.
A matéria de Rodrigo Martins traz números financeiros inquietantes sobre os mega-times do país do futebol. Com todo o tipo de armação e mesmo assim os times não conseguem fechar suas contas. A pancada final foi o endurecimento da Previdência Social, ainda no Governo FHC, pondo um pouco de ordem na baderna que sempre foram as relações patrão-empregado dos clubes; mas de fato, até então, tudo era camuflado; logo, nunca deu lucro. Ou pior: nunca se manteve. No início da década de 70, sob o AI-5 e general-presidente Médici, os urros de dor dos torturados nas masmorras dos Doi-Codi da vida eram contrabalançados pelos urros milhões de vezes mais altos de quase orgasmo nos estádios. Renúncia fiscal, investimentos diretos e, até transporte de graça para os clubes, como assim o teve o time da Associação Olímpica de Itabaiana nos barulhentos aviões do Correio Nacional, durante suas participações interestaduais mais distantes (além de Alagoas e Bahia). Eram barulhentos, mas chegavam. E bem melhor do que de ônibus, e de graça. Se examinarmos a fundo, não era diferente do que ocorria com o Club de Regatas Flamengo, São Paulo Futebol Clube e outros grandões, que, claro, como grandões e dos grandolas, sempre receberam mais mimos. O general-presidente Médici presenteou a Associação Olímpica de Itabaiana na inauguração de seu novo estádio, batizado com o nome do mesmo, com a vinda gratuita do Grêmio Portalegrense, time de seu coração, que, em jogo amistoso, deu empate no resultado. Aquele tempo de fartura acabou. A mídia assumiu por completo a manietagem política da sociedade, tornando desnecessários os intermediários. Neste figurino, até a religião, desde Ur dos caldeus usada para controlar politicamente o povo, de vez em quando sofre revezes diante da eficiência da mídia. Mal comparando, é como a descoberta do manuseio do metal que denominaria uma era: a Era do Ferro. Com uma ferramenta mais eficiente, e até relativamente mais barata, porque apostar em um conjunto de várias outras de eficiência mais complicada? O futebol perdeu sua função política.
Só há uma saída pra retirar o futebol do cipoal de corrupção, inépcia e desencanto no qual se encontra: profissionalizá-lo. Disso todo mundo sabe. Ocorre, porém, que as características dissociativas crônicas desde a sua formação até os dias de hoje do brasileiro torna qualquer sonho de resolver isso na clássica forma de associação em delírio: fatalmente dará em mais corrupção. Isso se conseguir em algum momento sair dela. E a corrupção, conquanto seja parte indelével da natureza humana, não pode sobrepujar a honestidade sob risco de retorno ao primitivismo. Jamais! Houve corrupção? Sem absolutamente chance alguma de progresso real. Logo, torna-se necessário a privatização do futebol. Não há outra saída. Essa privatização pode ocorrer pela simples propriedade privada de alguém, ou, o mais desejável, por instituições educacionais de direito privado; mesmo que de patrimônio público. Transformar os clubes, de seus originais clubes sociais dos anos 10 e 20 do século passado, com a prática de esportes nobres, para escolas convencionais feito empresas, limitadas ou em sociedades anônimas, com também a prática de esportes facultativos a aqueles que quiserem ingressar nas chamadas categorias de base, nas várias modalidades. Claro, em tudo a corrupção permanecerá latente. Faz parte do jogo, a carta na manga. Todavia, certamente o desastre será bem menor do que esse impasse que aí está, sem a menor chance de se resolver; já que bem mais controlável externamente. Eu acho!