sábado, 27 de maio de 2017

A ESTRADA DE SERGIPE


Antes de ontem, quinta-feira, 25 deste maio de 2017, tive o privilégio de representar a Academia Itabaianense de Letras numa sessão da Câmara Municipal de Itabaiana - o segundo mais antigo parlamento sergipano e quadragésimo sétimo brasileiro – evento em homenagem ao jornalista Luiz Eduardo Costa. Costa, meu confrade em outra academia, escreveu e publicou um artigo “A Itabaianização de Sergipe”, em que enumera as várias qualidades de empreendedor do povo itabaianense, sugerindo que todo o estado siga esse exemplo, daí surgindo essa iniciativa de fazer-lhe a homenagem. Merecidíssima homenagem. Como instituição representante da sociedade itabaianense a Academia Itabaianense de Letras foi uma das que se fizeram presentes, comigo, e com os confrades, a educadora e poetisa Tereza Cristina Pinheiro Souza, o médico e escritor Antônio Samarone Santana e o jornalista, também escritor, Luciano Correia.
Um dos entusiastas de Itabaiana e da homenagem ali concedida ao Luiz Eduardo Costa foi o ex-deputado federal e estadual, ex-vice-governador do estado e ex-vice-prefeito da capital, o empresário itabaianense José Carlos Machado, que, no seu discurso de saudação à Mesa Diretora da Câmara e ao agraciado fez questão de lembrar que a BR-235 está a um passo, a apenas 40 quilômetros, de nos levar por leito completamente asfaltado até Juazeiro, na Bahia, terra, entre outros dos cantores Ivete Sangalo e João Gilberto, entroncamento natural que nos ligará com grande facilidade a Fortaleza, Terezinha, Belém do Pará, e todo Nordeste septentrional. De fato, a rodovia será para Sergipe o que foi para somente Itabaiana, na segunda metade da década de 1950, e somente até a cidade fronteiriça de Jeremoabo: uma traqueostomia. Forçar o abrir de respiração para quem não consegue respirar. A imponente comercialização hortifrutigranjeiros em atacado pelo empresariado itabaianense, que além de enriquecimento de seus protagonistas, também deixa muitas divisas em nossa cidade tem hoje nos projetos de irrigação ao longo deste caminho seu principal abastecimento. A ligação definitiva de Juazeiro a Aracaju – com passagem por Itabaiana – também e certamente fará por aqui passar grande parte da produção do agronegócio da região do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia) com destino ao Porto de Sergipe.


A duplicação


Na fala em que fez como convidado da Mesa da Câmara Municipal, José Carlos Machado, além de notificar os presentes sobre a situação do asfaltamento da BR-235, foi veemente em defender a duplicação da mesma rodovia, desde o entroncamento com o braço estadual da Rota do Sertão, a estadual SE-175, que passa por Ribeirópolis, Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora da Glória. O dito entroncamento se encontra quase na fronteira tríplice dos municípios de Itabaiana, Frei Paulo e Ribeirópolis, na localidade do povoado Terra Dura.
Decerto, a opinião pela visão atilada de Machado sobre a necessidade da duplicação é mais que correta, todavia, observo que esta pode não ser a real solução, a menos que venha acompanhada de uma outra medida: sem movê-la de lugar, tirar a estrada das zonas de ocupação urbanas.
Um rápido estudo sobre as características de ocupação humana de 22 dos seus 56 quilômetros (40%) ao longo do leito da estrada, no trecho Terra Dura - BR-101, nos mostra que o problema de mobilidade nele é bem mais complexo (Vide Fig. 2). De nada adiantará a duplicação da pista se continuarmos com ‘trocentos’ quebra-molas e outros redutores de velocidade ao longo dela. Também não adianta mudar-lhe o trajeto – como foi feito em Itabaiana, Frei Paulo e Carira, ao asfaltar-lhe, entre 1972 e 1976 – porque as cidades sempre irão atrás dela. Daí que acho que a solução é adaptar-lhes as pistas à passagem pelos sítios urbanizados ou em vias de urbanização. Elevação ou rebaixamento da mesma, com fortes elementos dissuasivos de invasão de seu leito são imprescindíveis. E, por ser uma estrada quase toda em terreno medianamente acidentado, é possível fazer isso de modo bem mais barato do que trocar-lhe a situação, mudando-a de lugar, fato que se mostrará inútil tempos depois.  
De qualquer modo se faz urgente uma solução. Não dá pra se pegar um fundo de carroceria no Bairro Miguel Teles, saída sul de Itabaiana, e só e efetivamente ter chances de uma ultrapassagem na duplicação da ladeira do Pati, quase três quilômetros depois do Cafuz, que é o que realmente ocorre em momentos de grande fluxo nos dois sentidos. Além da perda de tempo, o fator de risco de ultrapassagens irresponsáveis aumenta exponencialmente.

A estrada que faltou à Capitania de Sergipe


A BR-235, inicialmente um projeto de logística, em apoio à Hidrelétrica de Paulo Afonso, tem seu curso traçado até a Serra do Cachimbo no sul do estado do Pará. Inicia em Aracaju, na Rua da Frente (Avenida Ivo do Prado) em duas vias, quais sejam, as ruas Laranjeiras e São Cristóvão, que sob denominações outras quase se encontram no início da Avenida Mariano Salmeron, aqui já a BR propriamente dita. Funde-se com a 101, num pequeno trecho entre dois viadutos, um dos quais a redireciona ao seu longo curso, sofrendo nova reunião em Juazeiro, na Bahia, quando junto com a 407 atravessam as cidades de Juazeiro no lado baiano e Petrolina, no lado pernambucano, e respectivamente o Rio São Francisco na ponte cantada magistralmente por composição de canção popular, eternizada sob a voz do Trio Nordestino e várias outras vozes a seguir. Dali parte ainda pelo norte da Bahia até entrar no Piauí, depois a na ponta sul do Maranhão, cortar o estado do Tocantins até a cidade de Araguacemas, e daí mergulhar no vastíssimo sul do Pará até a já dita Serra do Cachimbo, fazendo entroncamento com a difícil BR-163.
Em princípio, a BR-235 é a estrada colonial de longa distância que faltou a Sergipe para administrar seu governo sobre o território que lhe foi destinado pelo governo colonial, mas nunca respeitado pela vizinha Capitania da Bahia, a abusar de posição privilegiada de ser a segunda mais rica da colônia, e também o centro do governo da mesma, em quase todo o período do mesmo governo. Se tivesse havido uma estrada para o “Registo do Joazeiro” – ou seu ramal para a Jacobina - a partir de São Cristóvão, se a mesma não tivesse parado apenas em Jeremoabo, a sesmaria doada pelo capitão-mor de Sergipe, João Ribeiro Villa Franca, ao padre Antônio Pereira, em 6 de março de 1656(1), às margens do Rio Salitre (região onde hoje se encontram os municípios de Juazeiro e Campo Formoso) teria consolidado a sergipanidade por aquelas bandas, e o mapa de Sergipe teria, ao menos a forma do mapa feito por Brue (Carte du Bresil et d'une partie des pays adjacentes, pour Adrien Hubert Brue, 1826, Fig. 1), ou talvez chegasse à represa de Sobradinho, como sugerido nos mapas do século XVII como o de Blaeu (Brasil - Nova e acuratta brasiliae totius tabula, Ioanne Blaeu), de 1669 (Fig 3). 

O isolamento da paupérrima capital São Cristóvão de sua extensa capitania facilitou a retomada pela Bahia que, somente não absorveu Sergipe por inteiro graças à tenacidade dos vaqueiros de Itabaiana. Estariam dentro de Sergipe, da Jacobina ao Juazeiro; de Inhambupe a Paulo Afonso, de Xique-Xique a Jeremoabo e Paripiranga. A falta de geração de identidade com Sergipe, por parte desses sertões, contudo, levou-os pra sempre para fora de nosso estado que tão pequeno se tornou. Como consolo, pra nós itabaianenses, o centro geográfico máximo do estado acabou em nosso município, a menos de 500 metros do povoado Bom Jardim e quase à beira do Rio Jacaracica. Na formação inicial da capitania, esse mesmo centro estaria aí por Uauá ou vizinhanças.
A BR-235, pois, não traz de volta a Sergipe o seu território sugerido pela sua criação sob ordens de Felipe II, rei d’Espanha e então também de Portugal e do Brasil. Isso demanda cultura e identidade, e dez em cada dez baianos do norte estão satisfeitíssimos em serem baianos; mas é uma excelente oportunidade de itabaianização de Sergipe porque essa verdadeira aorta não irrigará apenas o empreendedorismo dos itrabaianenses; mas é oportunidade ímpar a todos os sergipanos. Ganha a Bahia; ganhamos nós.

(1) Carta de sua majestade sobre o padre Antônio Pereira a pedir a confirmação de certas terras.[06/03/1656] Docs. Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, volume 66, página 118)

Figuras:
1) Mapa (e detalhe de Sergipe), BRUE, Adrien Hubert. Carte du Bresil et d'une partie des pays adjacents, 1826.
2) Extrato de foto de satélite do GoogleEarth. Atual.
3) Mapa (e detalhe de Sergipe), BLAEU, Ioanne. Nova e acuratta brasiliae totius tabula,1669.