domingo, 20 de dezembro de 2015

21 de dezembro de 1821: Uma data esquecida.


No dia 21 de dezembro de 1821, reuniu-se o Câmara Municipal de Itabaiana, sob a presidência do Capitão de Infantaria das Ordenanças da Vila de Santo Antônio da Itabaiana, cavaleiro da Ordem de Cristo e senhor do Engenho Penha, José Matheus da Graça Leite Sampaio pra deliberar sobre carta do Senado da Câmara da Cidade da Bahia, ou Salvador, que intimava as câmaras da Cidade de São Cristóvão de Sergipe d’Elrei e às demais câmaras municipais dos outros cinco municípios então existentes em Sergipe, Itabaiana, Lagarto, Neópolis, Santa Luzia do Itanhy e Santo amaro das Brotas, a irem a Salvador para lá, oficialmente confirmarem um governador fantoche, indicado pela Bahia, enquanto os baianos manipulam a política para anular a Independência de Sergipe conseguida por decreto do Rei D. João VI, de 20 de julho do ano anterior, 1820. A rebelião da Câmara Municipal de Itabaiana foi comunicada oficialmente às demais em 27 de fevereiro de 1822. Talvez por já ter conhecimento da decisão do Príncipe Regente, tomada em 9 de janeiro, de desobedecer às cortes de Lisboa, à qual os baianos estavam ligados, as demais câmaras não se rebelaram oficialmente, mas também ninguém foi a Salvador eleger o governador fantoche.
O primeiro governador de Sergipe emancipado, Carlos César Burlamaqui, empossado em fevereiro de 1721, foi deposto com menos de um mês de governo pelos baianos, antes mesmo da partida do rei de volta para Portugal, em 25 de abril de 1821. O momento era de grande instabilidade política, criada a partir da cidade do Porto, em Portugal, e com seu mais forte eco no Brasil na sua cidade mais antiga, rica e tradicional, atapetada de comerciantes portugueses em constante trânsito entre metrópole e colônia, ou na Bahia representados por prepostos. E, a Câmara de Salvador, que desde 1º de janeiro de 1590, jamais considerou Sergipe além de parte do seu domínio com o nome de “o Sertão do Urubu de Baixo”, ou resumidamente de “Sertão de Baixo”, e que nunca dera trégua aos governos sergipanos, com a condescendência do governo colonial, ressalve-se, não estava conformada com o Decreto de D. João VI, que lhe tirou um terço das rendas gerais com impostos, como se vê no artigo 4º do documento dirigido por José Antônio Fernandes ao nomeado Carlos Cezar Burlamaqui: “4º - As finanças estão imediatamente debaixo da administração e fiscalização da junta da real fazenda da capitania da Bahia, e o ouvidor da comarca, que também é o juiz dos feitos em Sergipe, a seu cargo a pequena administração da fazenda e despesas extremamente precisas, que se fazem por mandatos seus, e é o rendimento anual das rendas reais, segundo também a estimativa que julgo mais verossímil pela informação que ali adquiri e de que não tenho lembrança, ali arrecadadas.” (Informações sobre a Província de Sergipe em 1821. Revista do IGHB, Tomo LV, Parte I p.258. Rio de Janeiro, 1892).
Sergipe começou no dia 1º de janeiro de 1590, depois de Cristóvão de Barros vencer os índios liderados pelo último grande cacique, Mbaepeba, na noite de 31 de dezembro de 1589 para o dito 1º de janeiro de 1590, no entorno da Serra do Pico, na Itabaiana. Nunca foi encontrado documento algum neste sentido, mas tudo leva a crer que por orientação secreta da Corte de Felipe II d’Espanha, então governando também Portugal e suas colônias, criou Cristóvão de Barros nas belas, ventiladas e bem visualizadas colinas entre a foz do Rio do Sal e o riacho Maracaju, as bases para uma futura cidade: a Cidade de Sergipe de El-rei, e consequente capitania, desmembrada da Bahia, portanto. A sede da cidade sofreu duas mudanças, estabelecendo-se, finalmente na difícil Barra do Rio Vaza-Barris, às margens de um braço de rio conhecido como Paramopama, e hoje é a bela e histórica São Cristóvão.
Sergipe só existe como produto de estratégia de Estado e seus acidentes. Tão logo invadida, a área foi repartida entre o monte de cristãos-novos que chegavam à Bahia aos borbotões, alguns "convertidos na mesma Bahia, conforme observa o francês Pyrard de Laval, em 1610, tocada pelo medo da Inquisição espanhola, cuja Espanha agora também dominava Portugal, bem como de descendentes dos anteriores que vieram com Tomé de Souza, onde o mais notável foi Garcia de Ávila, logo convertido numa espécie de príncipe, a administrar todas as terras desde Salvador até o Rio Real. Mas, desta forma, identidade sergipana teria sido solapada facilmente pela Bahia; porém, a invasão holandesa em Pernambuco, acidentalmente, acabou por consolidar a identidade sergipana. Mesmo tendo os holandeses, sob Maurício de Nassau, invadido Sergipe, em 1637, parcela considerável dos pernambucanos que atravessaram o Rio São Francisco logo se estabeleceram em definitivo na capitania, quebrando a hegemonia baiana, e preparando a sergipanidade. Por longos quinze anos as guerrilhas de Felipe Camarão, e principalmente a de Henrique Dias, fixaram-se em Sergipe como quartel general. E, quando retornaram a Pernambuco, Sergipe tinha perdido mais da metade de sua suposta identidade com a Bahia.
Depois da expulsão dos holandeses de Sergipe, em 1645, fato ocorrido também depois da Restauração do governo português, de dezembro de 1640, a Bahia voltou a mandar em Sergipe. A capitania fora criada pela Espanha. Estranhamente, porque, do ponto de vista da estratégia de governo colonial se não justificava tal status de governo para a área. De onde vem a suspeita de que a capitania foi criada, e sob notável sigilo, possivelmente prevendo a confirmação das tais minas de prata de Melchior Dias Moreia, que ficariam depois na lenda como estando em Itabaiana, mas também e suspeitosamente na Jacobina, onde de fato, um século depois foi encontrado e explorado ouro. Daí que todos os mapas do Brasil do século XVII traz Sergipe indo além da Jacobina, tendo o São Francisco como limite norte e oeste, e, ora o Rio Inhambupe, ora o Paraguaçu, e raramente o Real, ao sul. A partir de 1650, intensificam-se as intromissões da Câmara de Salvador na Câmara de São Cristóvão, que culminou em 1656 com a Rebelião dos Curraleiros, de epicentro na Itabaiana, que sequer povoação típica de vila tinha. Outra rebelião, abafada, em 1671, e de cuja poucos documentos existem, também teve o mesmo caráter.
As intervenções eram frequentes, e quase sempre desrespeitosas; acintosas até. O governo colonial, na Cidade da Bahia, ora arbitrava em favor dos sergipanos; mas à menor pressão baiana contornava sua própria decisão, às vezes passando por cima de ordens régias. Os capitães-mores eram manietados; os ouvidores viviam sob pressão da Câmara de Salvador e da Relação, quando esta passou a funcionar, também em Salvador. Na prática, Sergipe não existia como capitania. Como forma de contornar o problema legal da estranha condição de capitania sob outra capitania, criou-se as capitanias-mores municipais, caducadas depois de 1760, como forma de esvaziar as capitanias originais, onde, claro, somente a capitania da Bahia era a que tinha a ganhar. Em 1724, com a criação da comarca da Jacobina, diretamente pela capitania da Bahia, e não por Sergipe, como deveria ser, o próprio Sertão de Baixo, que corresponde ao estado atualmente, começou a ser convertido numa mera comarca, com a da Jacobina sendo usada para abraçar todo o atual sertão baiano à margem direita do São Francisco, incluindo o norte de Minas Gerais, até o Jequitinhonha. E, em 1760, Sergipe tinha se reconvertido num mero Sertão de Baixo.
Em 1801 o porto de Salvador acusou Sergipe como origem de um oitavo do seu movimento, e, já por volta de 1760, um terço dos tributos arrecadados pela Bahia eram provenientes de Sergipe; um terço do Recôncavo, exceto ao sul do Paraguaçu, incluindo a Cachoeira; e um terço das demais capitanias agregadas: Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo e Jacobina, além da própria Cachoeira. Mas Sergipe quase nada lucrou disso. Uma rápida visita às hoje cidades do Recôncavo baiano e se irá notar o zelo com suas vilas, não somente na farta documentação de correspondência com elas, como na própria feição da administração pública, praticamente todas com casas de câmara e cadeia, robustas igrejas e até outras estruturas, típicas do desenvolvimento daqueles tempos. Em Sergipe, nem mesmo a cidade de São Cristóvão foi agraciada a contento com esse tipo de edificação. Conforme o Informe supra citado de José Antônio Fernandes, nem casa para o governador e para o ouvidor existiam em São Cristóvão em 1821; muito menos em suas vilas de Itabaiana, Lagarto, Neópolis, Santa Luzia do Itanhy ou Santo Amaro. Nem mesmo a mais “baiana” de todas, Santa Luzia, cujo capitão em 1820 se insurgiu contra a Emancipação de Sergipe, por ter fartos interesses em manter a dependência da Bahia, conforme nos revela Maria Thétis Nunes, foi beneficiada com as estruturas vistas na Cachoeira, Santo Amaro, Jaquaripe ou Nazaré, e um pouco menos em Camamu, Boipeba e Cairu. As câmaras sergipanas viviam de pedir meios pra construírem o elementar numa sede municipal dos tempos coloniais, além da matriz: Casa de Câmara e Cadeia. Sem sucesso. Mesmo benefícios menos dispendiosos, como cursos de primeiras letras, além de São Cristóvão, insatisfatoriamente, teve a Santa Luzia, e somente ao fim do século XVIII. Vale ressaltar que a fidelidade de Santa Luzia à Bahia também custou o desenvolvimento da povoação desenvolvida a partir do acampamento guerrilheiro de Henrique Dias, contra os holandeses, nas décadas de 1630 e 1640, a Estância do Rio Real (também chamada de Estância do Piauitinga), que por volta de 1710 já era maior e mais desenvolvida que a estagnada vila da Santa Luzia, mas se manteve como seu distrito até 1832, quando se emancipou e substituiu a velha Santa Luzia como sede municipal.
Por volta de 1780, futuras poderosas famílias do estado começaram a se formar, algumas delas já perceptíveis desde o início do século, como os Pimentel, que através de Albano do Prado Pimentel se instalou na Itabaiana, no engenho Santa Rosa, que deu origem à cidade, mas que de fato sua história começa com a chegada de José de Barros Pimentel em Santo Amaro na década de 1720, quando “foi casar á Sergipe d'El-rei com D. Joanna Martins, filha do Sargento Manoel Martins Brandão, Cavalleiro da Ordem de Christo, senhor do engenho Sedro brasil, e de sua mulher D. Maria” (Nobiliarchia pernambucana, por Antônio José Victorino da Fonseca. IN Anais da Biblioteca Nacional, vol. 47, p.104). Do cruzamento da família Pimentel com a família João Gonçalves Franco, no início do século XIX viria a se formar uma das mais tradicionais e talvez a mais rica família sergipana de hoje, a Pimentel Franco. Também de João Gonçalves Franco, senhor do Serra Negra e que adquiriu o Engenho São José na Itabaiana em 1787, saíram os Maciel, da mesma forma, de grande poderio no estado. Mas, no meio dessas também apareceu o neopolitano José Matheus da Graça Sampaio, em cujo ramo também se encontram uma linha dos Machado, e que veio herdar os bens e obrigações, incluindo as religiosas de um seu tio, residente na Itabaiana, mais precisamente onde hoje é o município de Riachuelo. Não veio pra brincadeiras. Logo ao chegar, fez fortunas, amigos, poder e consequente inimigos. Um perfeito “coroné” de vertente moderna. Conta Sebrão, o Sobrinho, que tinha um filho nos sertões de Tacaratu, Pernambuco, de onde agendava rapidamente um exército de jagunços para sua defesa ou como força de dissuasão na complicada política coronelista de Sergipe, desde priscas eras. O fato é que granjeou multidões de bajuladores, dezenas, talvez centenas de admiradores, e muitos... muitos inimigos! Que não tinham a menor vergonha na cara de conspirarem contra a Independência de Sergipe abertamente. Foi da liderança da Câmara Municipal de Itabaiana que Leite Sampaio venceu todas as barreiras e, com o apoio na Câmara Municipal de São Cristóvão e na de Lagarto, o Lagarto que sempre presente, ombro a ombro com Itabaiana, nos grandes e engrandecedores momentos históricos de Sergipe, que conseguiu arrancar o Decreto de D. João VI, e em seguida, mesmo se preparando para o pior, rebelar-se em definitivo contra as imposições de Salvador em 21 de dezembro de 1821.
As peças se moveram no xadrez. Recapitulando, em janeiro de 1822 D. Pedro I fincou pé: “Fico”! Em setembro rompeu definitivamente com as cortes de Lisboa e os baianos nacionalistas tiveram que pegar em armas pra não continuarem como mero enclave colonial. Em 2 de julho de 1823, finalmente a Independência do Brasil se completou, e o primeiro Imperador do Brasil confirmou, a seguir, o Decreto do seu pai, de 20 de julho de 1820, tornando Sergipe, em definitivo e politicamente independente da Bahia. Como na política nada se revolve por quebra geral de acordos, mesmo que impositivos, somente na década de 1840 é que finalmente Sergipe pode completar sua Independência com a cobrança de impostos passando a ser feita toda na alfândega da então província.
A Câmara Municipal de Itabaiana, acredito, não tem hoje a menor noção de sua importância histórica na formação de nosso querido Sergipe.