segunda-feira, 15 de maio de 2023

RECONQUISTANDO A LIBERDADE.

 

Há quase cinco anos, um AVC isquêmico, com hemiparalisia do lado direito me deixou receoso de não poder mais voltar a fazer o que sempre mais gostei: me exprimir plenamente, no espaço e no tempo... escrever. Não apenas digitar.
A paralisia, bem menor atualmente, mas, ainda me deixa com deficiência em escrever, que de fato é grafar numa superfície meus pensamentos, usando para isso apenas a habilidade em manejar o instrumento... o dedo, o pincel, um prego, carvão, giz, talo de capim... e mais sofisticadamente uma pena, lápis ou caneta.
Escrever é o ato de maior magia na vida de um ser humano.
Quem escreve está mandando mensagens a outro ou outros, no presente e no futuro.
Os faraós egípcios talvez tenham sido enrolados por seus sacerdotes, também escribas, prometendo-lhes eternidade, porém os sacerdotes não mentiram. Foi graças aos hieróglifos egípcios que sabemos hoje sobre Ramsés II, sobre Amenofis IV ou Tutancâmon, entre outros. Foi a experiência em eternizar o conquistador Narmer, grafando um peixe bagre (nar) e um cinzel (mer) que o imortalizou; não o bolodoro orações mágicas, pirâmides e outras pajelanças do mundo antigo.
Escrever é se eternizar. A fala será esquecida e principalmente confundindo, desvirtuada; a escrita é para sempre. Mesmo que gerações muito adiante tenha grande dificuldade para a compreender, como ora ocorre com a escrita dos antigos índios mexicanos.
Voltar a grafar com a minha própria mão, ao menos com alguma desenvoltura eu ainda não consigo; mas jamais parei de digitar. No ecrã do celular ou no teclado do computador, continuei a me expressar, porém hoje ganhei mais um instrumento libertador na escrita, porque independe de energia elétrica, memórias RAM e ROM... do digital, enfim.
Vinte e dois anos depois retorna à minha mão um instrumento de trabalho dos meus primeiros vinte e cinco anos de profissional: a minha (então da repartição) máquina de escrever Olivetti, zelosamente mantida pelo colega e amigo Edgar Azevedo, depois de descartada pro lixo, tão logo os computadores e impressoras assumiram a rotina do dia a dia, a um quarto de século atrás. E que hoje me a passou.
Máquinas de escrever não chegam a ser elementar, como a mão e o lápis; porém são muito menos dependentes do sistema. Que parece engolir e uniformizar tudo, transformando tudo em robôs, “devorando homens e animais”, como diz Zé Ramalho, criando um universo pleno de facilidades; ao lado de outro fascinantemente perigoso da total sujeição, dependência extrema da alta tecnologia.
Falta-me ainda conquistar a prensa móvel; os tipos e a fabricação artesanal de papel; todavia, um grande passo já foi dado.