quinta-feira, 28 de julho de 2016

E o Dragão do Mar reapareceu

Consegui! Terminei de ler mais um livro da pequena lista de 45, ou melhor de agora 44, de relativa obrigatoriedade de leitura que até aqui tenho. Ou porque, além do conteúdo, a mim doados por pessoas de minha profunda atenção, ou porque, mesmo não tendo essa origem, uma necessidade na minha busca por entender a vida, que somente se bem faz analisando a História em toda a sua grandeza. No caso em particular, tudo junto.
O livro em questão é TODO O LEME A BOMBORDO, com subtítulo MARINHEIROS E DITADURA CIVIL-MILITAR NO BRASIL. DA REBELIÃO DE 1964 À ANISTIA. Um grande trabalho em monografia do amigo e confrade, professor Anderson da Silva Almeida, transposto para um livro pelo projeto do Arquivo Nacional, intitulado Prêmio de Pesquisas Memórias Reveladas, um belo passeio por um tema geralmente tratado superficialmente dado a pouca importância do mesmo pelos que decidem a nação.
Uma descrição detalhada e centrada naqueles que chegam a ser acusados de provocadores do Golpe de 1964, conquanto não avance na temática da geopolítica, à qual o marcante acontecimento está ligado, traz, contudo nas entrelinhas ou explicitamente toda a dramaticidade de um momento que ficou para sempre na construção desta nossa nação. Um passeio na História. Desde a revelação de um Brizola como um líder revolucionário, a momentos cândidos de um pranto sincero de uma figura doce e tão gentil como a atriz Bete Mendes, então deputada federal, e uma das vítimas do Regime de 64, engajada na luta que se seguiu à Abertura por reparação às violências sofridas por um monte de injustiçados pela Anistia.  Também um belo momento, dignificante, quando ele traz o relato de gente como o grande Mario Lago se cotizando para levantar fundos no sentido de ajudar aos buscadores de justiça e lhes financiar custosas viagens.
O Brasil profundo aqui aparece com a revelação de homens submetidos aos ditames da caserna, às procelas da vida no mar e em terra, mesmo sendo inconscientes herdeiros das vicissitudes pelas quais passaram centenas de milhares deles que os antecederam, desde que a então poderosa frota portuguesa aportou por estas praias. O Anderson não vai até os dramáticos recrutamentos de portugueses pobres para Real Marinha, e, séculos depois, de índios e marginalizados em geral, aprisionados para o serviço nas galés; mas deixa bastante claro que a maioria daqueles que foram punidos em 1964 “por terem se deixado induzir numa manobra política” (minha visão pessoal) em participar, nos dramáticos acontecimentos daquele ano, de fato estavam fugindo da fome e da miséria; da falta de perspectivas. As evidências pra mim são claríssimas que a sobrevivência da nossa Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, máxime é devido à facilidade de engajamento numa das duas forças militares até meados do século passado, Marinha ou Exército (no mínimo Polícia) para os que detinham o conhecimento musical, como se observa no caso do grande Luiz Americano Rego, um ícone da Música Popular Brasileira. A Marinha, pois, era um modo de fugir de um mundo predestinado à miséria. A Marinha era, pois, uma forma de inclusão social. Apesar de ser altamente classicista, com uma divisão muito bem nítida entre nobres e plebeus, fato também explorado pelo historiador na obra em tela.
A leitura é riquíssima, especialmente, reforço, porque se trata de um tema bastante conhecido, mas nunca aprofundado conforme seus maiores interessados: os marinheiros vítimas de injustiça. Parabéns ao Anderson pela excelente pesquisa e brilhante explanação.
Encantado!