segunda-feira, 12 de junho de 2017

AS RÁDIOS DOS POLÍTICOS E O FORRÓ

Em 1964, o Regime cassou políticos, funcionários públicos civis e militares, direitos de expressão via rádio ou impressos, projetos antigos de logística como a ferrovia Piranhas-Petrolândia nos sertões de Alagoas e Pernambuco... mas não ficou só aí. O desmonte promovido na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, por exemplo, como o COMUNICADO 6, de 13 de abril de 1964 atingiu em cheio a cultura nacional de cunho mais regionalizado que ficou sem espaço, primeiro na mesma Rádio Nacional; e, em seguida, nas outras emissoras que seguiam as ondas por essa criadas, como a promoção do chamado forró. O mundo dos forrozeiros caiu. Por sorte, o Nordeste havia melhorado economicamente um nadica de nada e seu mercado tíbio para os produtos culturais de massa, como o disco, também. E então a dupla Clemilda e Gerson Filho se plantaram em Aracaju, e outros pelo Nordeste afora também. Aracaju chegou a sediar mais gente, como a dupla Dominguinhos e Anastácia, que no início dos 70 produziriam o clássico TENHO SEDE, direto de uma residência qualquer na capital sergipana.
De suas casamatas de resistência, o forró logrou sair inteiro e até rejuvenescido quando artistas mais universalizados como Gilberto Gil vieram em busca de sua originalidade. Mas isso só foi possível em Aracaju graças ao itabaianense, ceboleiro da gema, infelizmente udenista, mas um líder típico nordestino, Albino Silva, que abriu as portas da Rádio Liberdade de Sergipe para Clemilda e Gerson Filho. Foi mais de uma década de sucesso total entre nós, os matutos, do programa FORRÓ NO ASFALTO, naquele prefixo radiofônico. Como a Liberdade AM, uma trincheira política coronelista, outras emissoras pelo Nordeste afora deram guarida aos grandes artistas que retornavam do sul como o próprio Rei do Baião, Luiz Gonzaga, e seu canto-lamento A HORA DO ADEUS, uma visão poética para aquele aflitivo momento, dos grandes Onildo Almeida e Luis Queiroga, publicada em 1967.
A torrente de queixumes, MAIS QUE JUSTOS, de vários artistas nordestinos como Santana, Alcymar Monteiro, Elba Ramalho e a nossa guerreira Amorosa, frente à ocupação total do espaço forrozeiro nordestino pelo breganejo goiano-paulista, mormente neste São João de 2017 serve como um alerta e ao mesmo tempo uma constatação: mais uma vez o sul busca matar o Nordeste na sua alma, que é a sua música de raiz. Senhores do mundo, concentrando quase cem por cento do poder de fogo das comunicações no país em São Paulo capital, o eixo Goiânia-São Paulo está matando pela raiz toda e qualquer tentativa de reavivamento da cultura nordestina com hiperpromoção do breganejo e completo esquecimento do resto. E, claro, quando não sai na mídia grande, hoje toda paulista (Globo, inclusive), só “os guerrilheiros” e o extrato desligado da mídia grande continua fiel ao que realmente gosta e é tradicional.
O sistema é cruel. Vacilou, não escreveu pelas linhas que ele, o sistema indica, tá fora! Ganha a ostraka, condição que gerou a tradicional palavra ostracismo. E o sistema tem altos interesses, nem sempre os melhores. Vai desde a dominação político ideológica a esquemas de lavagem de dinheiro mediante superfaturamento de eventos, dificílimos de ser punidos porque preços sem a menor estabilidade; diferente de obras públicas, por exemplo. E o que ora se passa no país vai bem além de uma desgraça só: são várias. O federalismo está aos cacos; apenas os efeitos da irresponsabilidade última feita ainda não apareceram por completo.
Mas, aos amigos, artistas ou admiradores deles, como eu, não vos preocupeis: o coronelismo nordestino vos/nos salvarão como já o fez nos idos dos 60 com os Albino Silva da vida. Não conheço macho pra demover um Zé Queiroz, proprietário da Rádio Princesa da Serra AM, por exemplo, de ser quem é: o grande turrão que é o meu amigo Zé Queiroz. Não se dobra. E, como Zé Queiroz outros por aí existem onde nossos artistas poderão se abrigar enquanto passa mais essa temporada infame que ora se abate sobre o país; e sobre nós nordestinos em particular. Ao fim de tudo, serão os políticos, nossos políticos quem salvarão o que de mais precioso há em nós: nossa identidade.
No pasaron!