sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

CARREGADORES DE PIANO(*).


As mudanças tecnológicas, aceleradas com o advento das comunicações eletrônicas, especialmente o rádio, definitivamente pôs o mundo de perna pro ar, e começou a sepultar velhas tradições, ou forçar a adaptação de outras, para sobreviver.

A bandinha de música municipal foi uma delas.

Antes, divertimento clássico, meio de propaganda política e, no caso de Itabaiana, a única escola profissionalizante, a Lira Filarmônica Nossa Senhora da Conceição foi frontalmente afetada com a nova era. Não desapareceu graças à tenacidade de uns pouquíssimos componentes, que lhe seguraram as colunas.

Lembrei disso ao ontem passar em frente à antiga residência do saudoso maestro Antônio Melo, desde a sua morte, adquirida pela professora Edezuita Araújo Noronha (outra gigante no mundo cultural Itabaianense), que recentemente trocou de endereço, vendendo-a a empresário local que a está pondo abaixo, e a substituirá por um estabelecimento comercial.

Antônio Melo foi o teimoso que resistiu; e só deixou de teimar quando encontrou no atual maestro Valtênio Souza, a pessoa certa para dar a continuidade.

A Lira, atualmente está entre as instituições que representam Itabaiana aonde quer que chegue. Uma das vitrines da cidade.

A Academia Itabaianense de Letras guarda certas semelhanças com a Nossa Senhora da Conceição, apesar de ainda ser um bebê, frente aos mais de dois séculos e meio da grande instituição musical.

Para começar, a Academia apareceu num momento difícil, de radicalização da cultura "fast-food" da internet, e suas redes sociais. Mesmo que paradoxalmente, seja um momento de rara produção literária, com proliferação de obras.

Em seguida, em plena ressaca da sua instalação, que é quando se desvanece todo o brilho mágico de qualquer começo, vieram dois anos de pandemia, na qual, alguns dos seus membros foram vítimas, dois deles, fatais; e um, quase; porque perdeu a dileta companheira da fase mais rica e marcante da sua vida. O sodalício saiu com graves lesões, pois.

Mas não arrefeceu. A tenacidade e resistência de parte volumosa de seu quadro de componentes, fê-la sobreviver. Para isso, além da subscrição de valiosos companheiros, contou a intrepidez de uma gestora pública de mão cheia na presidência da instituição, que enfeixou nos braços, acolheu e conduziu, na difícil tarefa dar-lhe travessia em tempos trevosos, desanimadores, incertos. 

Não foi fácil. Mas, depois de um ano de passados os piores momentos da pandemia, a Academia Itabaianense de Letras se prepara para fazer jus ao nome Itabaiana, no tricentésimo quinquagésimo ano de fundação, o sétimo jubileu de ouro, da Paróquia e cidade de Santo Antônio e Almas. De Itabaiana.

Parabéns à presidente da Academia Itabaianense de Letras, a confreira, historiadora, professora Josevanda Mendonça Franco, pela firmeza à frente da arcádia serrana. 

E aproveitando a deixa, por mais uma primavera nesse dia 10 de janeiro.


(*) “Carregador de piano”, era uma atividade de dificílima execução pois que o instrumento era transportado na cabeça, em grupo, em geral de cinco, onde todos deviam ter a mesma altura, andar no mesmo ritmo. Serem esmerados com instrumento tão nobre, caro, refinado e ao mesmo tempo, frágil.

A expressão é usada pelo patrimônio serrano, que responde pelo nome de Francisco Tavares da Costa, o Fefi, para denotar coisa difícil ou tarefa duríssima de realizar, só comumente abraçada pelos loucos. Ou pelos idealistas; que no fundo, no fundo, são a mesma coisa.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

FENÔMENOS ITABAIANENSE, NA ERA DA COMUNICAÇÃO TOTAL

Todo sergipano que sobe me leva consigo. E se for um ou uma itabaianense, aí nem se fala mais.


Definitivamente, o brega não é, nem nunca foi o meu estilo de música. 

Aliás, o meu gosto brega sempre esbarrou nos antigos, tipo o cearense Zé Ribeiro; o goiano Lindomar Castilho e no baiano Waldik Soriano, construtor da pérola Tortura de Amor, que com Maria Creuza se tornou um clássico da música romântica brasileira. E claro, também naqueles pops, rotulados de “brega”, como José Augusto, Fernandes Mendes, Odair José... todos da época em que o pop nacional atingiu a maioridade, por volta de cinquenta anos atrás

Bregueiros? Está cheio por aí deles. Em geral, caracterizam-se por cantarem canções de temática romântica, em linguagem simples, e até simplória; com arranjos pra lá de econômicos; simplistas. Do mesmo modo a harmonia. Nada de grandes orquestras, ou mesmo caprichadas bandas-base, com sucessos daqueles que demoraram meses para atingir o nível de serem lançados ao público. Sem grandes produções. Mas sempre grande públicos.

A evolução do popular

Se a era da sanfona aposentou a rabeca e mais uma tralha de instrumentos, substituídos pelo fantástico “órgão portátil” – o acordeão ou sanfona, a do teclado eletrônico bagunçou o estilo consagrado de fazer música, bem trabalhada, e, portanto, relativamente cara. Difícil. É aí surgiu a enormidade de cantores-tocadores, a esmagadora maioria de harmonias e melodias sofríveis, quase sempre “samba de uma nota só”.

É sempre assim: democratizou? Enriquece-se o cenário com figuras mantidas o tempo inteiro no anonimato; porém junto, sempre vem uma torrente de aspirantes a artista, nem sempre de qualidade.

Um estágio intermediário para o brega atual, dito arrocha, se deu com a proliferação de serestas, comuns nas décadas de 1980 e 1990, voz, violão e bateria eletrônica. Pouco exigente, o conjunto era perfeitamente executado com uma mesa de som diminuta, um amplificador, e às vezes só uma simples caixa de som, já amplificada. 

Mas na década de noventa, a popularização do teclado substituiu tudo, bateria, inclusive. Vez por outra alguém arrisca somar mais um violão, saxofone e até guitarra, elétrica, naturalmente; mas o que prevalece é o teclado.

A chegada pra valer da popularização de mídias digitais como o MD, o CD e o depois o pendrive, compôs com o teclado a grande virada. E ai vem smartphone e sua proliferação. Só pra citar o caso nacional, o número de celulares excede em muito a população brasileira. Todo mundo conectado.

E assim velho brega ganhou roupagem nova, e até titulação de “arrocha”. Mais pobre melodicamente do que as baladas, boleros, guarânias e até modinhas do brega clássico de outrora, o novo ritmo é monotônico; basicamente se sai de uma música e entra na outra sem que se altere muita coisa. Inexiste qualquer forma de interlúdio ou outro recurso antimonotonia, embelezador e enriquecedor. Tudo compensado pela comunicação do cantor, que muitas vezes age mais como pastor religioso nas suas pregações arrebatadoras. Neste caso, hoje se tornou comum. O axé, por exemplo, não sobreviveria sem o clássico “tira o pé do chão”; “mãozinha pra cima”. Naturalmente que ao vivo, real ou simulado, com direito a “BG” (back ground ou fundo) de assanhada plateia.

Com a destruição da indústria fonográfica pela era digital, cuja, por outro lado, favoreceu a que um simples celular se transforme num estúdio, começaram a pipocar os fenômenos, em geral muito mais baseados no talento comunicacional do artista que na técnica. Porém o meio extremamente confuso da internet, e da sua forma máxima de publicação - as redes sociais - que se tornou principal, ainda carece e carecerá de certos elementos, fundamentais na era analógica, organizadinha, da difusão musical, a era da indústria fonográfica. E o mais fundamental deles é o empresário; o cara que dá alguma organização.


Natanzinho

E nesse ambiente de corrida selvagem para se impor que surge Natã Lima Nascimento, itabaianense, talentoso, que parece ter encontrada o empresário e o meio certo, e juntando os fatores, aos meros 22 anos, tornou-se fenômeno nacional do “arrocha”.

Natãzinho faz o contraponto, na outra ponta do espectro musical brasileiro, ao outro itabaianense, Mestrinho, ganhador em novembro passado, do Grammy Latino, reconhecido mundialmente. Mestrinho, classe “A”; Natanzinho, povão. Incendiando o país, especialmente o Norte-Nordeste, com sua cativante presença, executando sua música para as multidões. Aos 22 anos apenas.

E o futuro, a Deus pertence.

Foto: À esquerda, acima, o casal Noel Rosa e sua esposa,a itabaianense, Lindaura Martins; embaixo, a itabaianense Josefa da Silva Rocha e sua famosíssima filha, Dolores Duran. No centro um dos inventores do chorinho, o itabaianense, (apesar de nascido em maternidade de Aracaju), Luiz Americano; e à direita, o fenômeno atual, Mestrinho, ganhador de Grammy Latino em novembro do ano passado.

Levando Sergipe e Itabaiana mais longe

Nada mal para uma cidade que indiretamente produziu Adileia da Silva Rocha, a Dolores Duran (filha da itabaianense Josefa da Silva Rocha); Luiz Americano, nascido numa maternidade em Aracaju, mas de família itabaianense, e aqui residente; e até casando uma itabaianense – D. Lindaura Martins - com o famoso Noel Rosa. (ver mais aqui)

Itabaiana esteve, pois, presente no cerne da formação da Música Popular Brasileira, com esses três nomes envolvidos. Nada demais que hoje tenha dois representantes máximos da música brasileira: um, classe “A”; e outro representante do povão: Natanzinho.

Vida longa aos nossos embaixadores culturais.