terça-feira, 1 de novembro de 2016

UMA TRAGÉDIA SERGIPANA



Mais uma vez causa bastante discussão os números de homicídios ocorridos no estado de Sergipe no ano próximo passado de 2015, levados a público pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e que, com seus 57,3 homicídio por 100 mil habitantes coloca Sergipe como o mais violento estado da Federação, tendo suplantado estados tradicionais, infelizmente, nessa estatística macabra. E isso me levou a rever os dados que venho coletando há mais de 15 anos, focados nos números do Datasus, de desde 1979, que vão aqui publicados.

O Brasil parece não saber conviver com o Estado de Direito.

Constatação primeira: a sociedade brasileira não sabe conviver com o regime pleno de leis, com direitos e deveres. Não sabe, ou não quer, administrar os controles típicos da democracia baseado no sistema de freios e contrapesos. Isso está escancarado quando se observa o comportamento do Estado, pelo que lhe é mais sagrado, que é a manutenção da ordem, ao que os gregos antigos chamavam de eunomia, a boa ordem, dentro do Estado de Direito. Ao se verificar os números, observa-se que, enquanto houve a ameaça da força bruta, típica da ditadura, do “regime forte”, os agentes do Estado não permitiram o avanço do crime; quando se saiu do regime de força, simbolicamente com a saída do último presidente militar, a coisa começou a sair de controle numa espiral sem fim.
Constatação segunda: pobreza e miséria não são responsáveis pela violência. Estas até podem influenciar; porém é a dúvida sobre a punibilidade – e, claro, a certeza da impunibilidade - que leva ao clima do “o mundo é dos mais espertos”; do açodamento da criminalidade. Durante os últimos 30 anos a economia sergipana, na pior das hipóteses seguiu a média nacional, tendo, inclusive, verificado-se sensível redução no crônico movimento de emigração do sergipano, quase sempre para os estados do sudeste do país, entre os censos de 2000 e 2010
Constatação terceira: os números nem sempre são aquilo que parecem. Analisemos: conforme a fria estatística, a pequenina Amparo de São Francisco cravou um índice de violência absurdo de 59 assassinatos por 100 mil habitantes quando em 1980 comparece com um, apenas um caso. É que ali a pequenina urbe sanfranciscana tinha apenas 1704 habitantes, o que dá a estratosférica média acima citada. Em 2004, a mesma cidadezinha volta a ilustrar a estatística com uma média de 43 assassinatos por cem habitantes. Um único caso registrado naquele ano, mas que confrontado com a sua população, agora de 2.331 habitantes, ainda a coloca como teoricamente uma das mais violentas do país. Logo, ao se analisar os números, faz-se mister que observemos várias outras nuances da estatística; e não apenas o número direto. Por isso mesmo também trabalhei com números decenais. Para ilustrar, aqui, a mesma pequenina Amparo com três casos na década 1995-2004 fica numa média de 13 assassinatos por 100 mil habitantes, o que, em números frios ainda está bem além dos 5 por 100 mil preconizados pela Organização Mundial da Saúde como toleráveis; mas bem abaixo do número duro, direto, de 1980.
Surtos de violência, como o ocorrido a Nossa Senhora Aparecida em 2014, quando no município de 8.809 habitantes foram assassinadas onze pessoas, também têm que serem levados em conta ao se fazer a análise dos números frios. Naquele ano, o município nascido de Ribeirópolis, e portanto também filho de Itabaiana em tempos antigos cravou a média 125 assassinatos por 100 mil habitantes. Porém, quando se analisa a média decenal, mesmo adicionados esses números, isso cai para 25 por 100 mil.

Um oásis de tranquilidade

No geral, nas três décadas pesquisadas, o paraíso em Sergipe se chama Canhoba. Na década 1985-1994, a sua mais violenta, o município, que em 1994 tinha aproximadamente 3.774 habitantes (Estimativa do IBGE para o Tribunal de Contas da União), teve três assassinatos com uma média de 8 por 100 mil habitantes/ano. Na década seguinte de 1995-2004, houve apenas um assassinato para uma população que em 2004 era de 4,017 habitantes, e a média caiu para aproximadamente 2 por 100 mil habitantes (os números relativos das tabelas foram arredondados, para mais ou para menos a depender da fração). E na década de 2005-2014, com apenas dois casos de assassinatos, e população em 2014 de aproximadamente 4.057 habitantes (um dos que menos cresceram na década no estado) foi o único entre os 75 municípios sergipanos a se posicionar dentro da média desejável pela Organização Mundial da Saúde, com a média de 5 casos por 100 mil habitantes.

Os infernos

ARACAJU – A capital sergipana tem sido ao longo das últimas três décadas e meia um retrato piorado do estado de Sergipe. Em 1980 já cravava a média de 13 assassinatos por 100 mil habitantes, contra a média de sete de todo o estado, bem além dos cinco preconizados pela OMS. Naquele ano, numericamente, como já visto, o mais violento do estado foi Amparo do São Francisco, todavia, contra as demais quatro então maiores cidades do interior do estado: Itabaiana (com 6), Lagarto(2), Estância(8) e Tobias Barreto(3), Aracaju estava bem além. Em 1994, quatorze anos depois, a capital tinha disparado para 40 assassinatos por cada 100 mil habitantes naquele anos, e, mesmo a média decenal - 1985-1994 - ficando em 19, aumentou para 33 na década seguinte, de 1995-2004, e praticamente se estabilizando, com os 31 em média da década 2005-2014.
CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO – Cidade, na prática refundada, a partir da construção da Hidrelétrica de Xingó, e em paralelo o projeto de irrigação Jacaré-Curituba, viu sua população autóctone, de 6.157 habitantes quase quintuplicar nos últimos 35 anos, bem como a quantidade de dinheiro no município, compatível com jardins do sul do país como Gramado, no Rio Grande do Sul, com quem a renda municipal de Canindé se assemelha. Nos seis anos que vão de 1979 a 1984 não houve um só assassinato em Canindé. Média zero de violência. Na década que daí se inicia em diante, de 1985 a 1994, a história já é bem diferente. Cidade de aventureiros, a pacatíssima cidadezinha foi transferida de lugar e terminou a década já como uma das mais violentas no estado, com uma média de 13 assassinatos por 100 mil habitantes. No ano seguinte a espiral continuou com 21 casos a cada 100 mil habitantes; e na década de 2005-2014, cravou 34. O mesmo ocorrendo na outrora pacata Tobias Barreto. Também em Laranjeiras onde a violência que já vinha num crescendo preocupante explodiu em 2014 com a cidade ficando como a terceira mais violenta do estado, com a média de 104 assassinatos a cada 100 mil habitantes (O município todo tinha em 2014, 28.835 habitantes).
ITABAIANA – na últimas três décadas o município seguiu a tendência geral, inclusive ultrapassando o da capital e outros classicamente violentos. De 6 assassinatos a cada 100 mil habitantes em 1980 (tinha 52.601 habitantes) evoluiu para a média de 18 por 100 mil na década 1985-1994, para 28 na década 1995-2004, e para 51 na década 2005-2014, um dos mais violentos municípios de Sergipe
Apresento-vos as tabelas que pacientemente construí. Uma delas, a completamente colorida, com todos os números secos, extraídos da fonte de dados ali citada. Noutra, o estudo detalhado, com a proporcionalidade por três décadas. E por fim a tabela que compreende os primeiros anos do estudo e suas médias referentes ao quinquênio 1980-1984. O ano de 1979 ali está apenas como demonstrativo, mas sem média, já que não nos foi possível ter a previsão de população para aquele ano. 

Estudo sobre o Quinquênio 1979, primeiro ano de registros disponíveis online, e 1984, último ano da Ditadura. (As tabelas estão em formado foto. Para melhor vê-las, baixe-as no seu computador e então as abra.)


Números gerais, de 1979 a 2014

Números de anos chaves e suas relatividades (casos por 100 mil habitantes), referentes aos ditos anos e às décadas subsequentes.