segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A CIDADE DA PRATA COMPLETA 341 ANOS

Por estas terras sempre andou a inquietação, o inconformismo com a mediocridade, a busca por melhorias, o espírito empreendedor e por isso mesmo os choques com o status quo de uma sociedade nacional e até estadual, montada pra não progredir; apenas extrair, apenas deleitar-se eternamente com os frutos da terra, como observado pelo padre Pero de Magalhães Gândavo em seu livro, Tratado de Terra do Brasil, publicado em 1575, e lamentado pelo Frei Vicente do Salvador em sua História do Brasil, de 1627. Na Itabaiana, esse modo de ser preguiçoso sempre foi confrontado. E sempre incomodou.
Na terceira e início da quarta década do século XVII, vaqueiros amontoados dentro das serras resolveram por conta própria construir uma igreja que seria o núcleo original de um novo município na capitania de Sergipe, então restrito apenas a São Cristóvão. Não deu certo! Até a Proclamação da República, e, principalmente até o século XVIII, anterior, portanto, qualquer ermida tinha que ser licenciado pelo bispado com consentimento do papa, e, óbvio, pelo rei. Os vaqueiros da Igreja Velha não tiveram nem uma nem outra coisa; em contrário, ao retornar a normalidade pós invasão holandesa, viram-se foi diante do poder do Estado a lhe bitributar, com as cotas de impostos impostas a São Cristóvão, e com a Câmara de Salvador a dividir seu impostos com o gado de Itabaiana numa situação nebulosa de governo que se manteve desde 1590 até 1757, quando a autonomia de Sergipe foi completamente retirada. Como resultado, explodiu a Rebelião dos Curraleiros em 5 de novembro de 1656, com os vaqueiros ocupando a capital, São Cristóvão e prendendo o padre Sebastião Pedroso de Gois, frontal inimigo da capela da Igreja Velha e única autoridade encontrada na cidade naquele dia. À chegada da força legalista e vários proprietários foram presos, alguns deportados para Lisboa, e a vaqueirama, ou debandou ou ficou presa em São Cristóvão. Seriam esses vaqueiros que em um novo levante em 1671 fariam o governador-geral Alexandre de Souza Freire mandar vir um exército de paulistas contratados, boa parte de índios, para expulsar em definitivo os nossos vaqueiros, deixando a terra vazia de gente e gado.

A Prata

Acossado pelo poderio inglês, cada vez maior e mais lhe engolindo o império, o rei de Portugal resolveu reagir.
Em 1672, chegou a Lisboa o oficial Sebastião Lopes Grandio com uma caixa cheia de amostras de prata, supostamente de Itabaiana. A mesma Itabaiana que havia recebido o governador-geral D. Luiz de Souza em 16 de julho de 1619, e o general holandês Van Schopke em julho de 1637, em busca da prata. De imediato, o ainda príncipe-regente, que se tornaria rei com o título de D. Pedro I, o Pacífico, começou a providenciar ultra secretamente uma expedição com destino à Itabaiana. Foi uma operação de guerra, conduzida com todo o cuidado necessário para não despertar a curiosidade de outras nações europeias, afinal, além de se tratar de prata, metal valiosíssimo, a mina supostamente estaria muito próxima dos portos de mar. Devido a isso, junto com o plenipotenciário chefe da expedição, D. Rodrigo de Castelo Branco, veio o capitão Jorge Soares de Macedo à frente de uma tropa de 30 oficiais, e com plenos poderes para convocar qualquer homem em idade de luta, dos residentes no Brasil. E FUNDAR UMA CIDADE EM ITABAIANA, seguindo o modelo espanhol, usado em Potosi, na Bolívia. Seria a segunda cidade de Sergipe, que já tinha a de São Cristóvão, e que de fato nunca assumiu tal condição antes da Independência de Sergipe em relação à Bahia, confirmada em 1823, quando só então passou a realmente ter tropas permanentes.
Foi uma expedição caríssima pelo que ali se ensejava.  D. Rodrigo vinha ganhando de soldo quase quatro vezes o que recebia o capitão-mor de Sergipe, e Jorge Soares Macedo ganhava a metade. À todos, porém, estava garantida a participação em percentuais da prata encontrada e D. Rodrigo de Castelo Branco, sob ordens reais, ainda foi agraciado com prêmios que limparam os cofres da capitania de Sergipe, e tendo garantido grande participação nos frutos da pesca à baleia realizada ao longo da costa brasileira.

A cidade

Não foi possível, ao menos até o momento, uma descrição minuciosa das aventuras da Expedição da Prata nos campos da Itabaiana, porém, sabe-se que D. Rodrigo aqui chegou em 11 de julho de 1673, por aqui permanecendo em incursões até 1676, mas é fato que a prata não foi encontrada e nem Jorge Soares Macedo fundou a cidade como ordenado pelo rei, caso a mesma fosse encontrada. 
Por este tempo, o padre Sebastião Pedroso de Gois, o mesmo que se tinha havido contra os vaqueiros, duas décadas antes, montou a estrutura para construção da futura cidade com a venda de um sítio, supostamente adquirido aos herdeiros de Ayres da Rocha Peixoto, à Irmandade de Santo Antônio e Almas, nos mesmos moldes com que seriam moldadas as vilas e cidades auríferas de Minas Gerais, algumas décadas depois, e a criação da Paróquia de Santo Antônio e Almas da Itabaiana, em 30 de outubro de 1675. 
Inicialmente não veio a cidade; nem mesmo a vila, o tipo de sede municipal clássica daqueles tempos, e que perdurou até praticamente a Constituição de 1937, ditada pelo Estado Novo. A própria paróquia em si, bem como a Irmandade das Almas que a secundou desde então, constituiu-se em entidade, porém sem um prédio, uma igreja que lhe servisse de sede. Há suspeitas de que mesmo nunca tendo sido reconhecida pela Igreja Católica, a Igreja Velha continuou por algum tempo servindo para os raros cultos, como era comum naqueles tempos devido à falta de padres. A tabela de párocos da dita Paróquia de Santo Antônio e Almas os lista a partir do padre Salvador da Costa Duarte, este, porém, bem como seu sucessor, Gregório Martins Carneiro, o histórico da mesma lhes não traz as datas de exercício.
D. Rodrigo de Castelo Branco, Jorge Soares de Macedo e seus comandados foram embora de Sergipe em 1679, sem prata e sem deixar cidade ou vila no agora sítio da Irmandade das Almas. Em 1695, três anos depois dos rumores de ouro em Minas Gerais, um não identificado padre encontrou ouro nas encostas da Serra Comprida, conforme carta do rei, de 9 de julho de 1703, obviamente proibida e esquecida por ordens reais, mas, também por ordens reais, um ano depois veio a carta de 5 de setembro de 1696, a ordenar ao governador-geral D. João de Lencastro que fundasse vilas, ou seja municípios, dentre os quais, o de Santo Antônio de Itabaiana; e em 20 de outubro de 1697, o dito governador-geral ordenou ao ouvidor Diogo Pacheco de Carvalho, nomeado por alvará régio de 16 de fevereiro do mesmo ano, para que assim que recebesse a missiva viesse criar o município com o estabelecimento de sua vila. Vinte e um anos depois da fundação da Paróquia, fato que teve lugar em alguma data de 1697, talvez até no mesmo dia da fundação da povoação e no qual sua paróquia aniversariou: 30 de outubro; contudo, essa data até hoje não foi confirmada. Em 16 de junho de 1700, as primeiras nomeações de autoridades municipais confirmaram a emancipação de Itabaiana: o primeiro alcaide, hoje cargo de prefeito; primeiro escrivão da Câmara de Vereadores, tabeliães, etc.. Quanto ao status de cidade, isso só viria em 28 de agosto de 1888, pegando carona num projeto do município de Capela, e por interesses poucos nobres: forçar a promoção de dois funcionários irmãos do deputado itabaianense que conseguiu negociar tal proeza.

Uma mesma história, caminhos diferentes.

Como a hoje maior cidade do país, a cidade de Itabaiana foi fundada à sombra da cruz. As semelhanças, contudo, param por aí. São Paulo conseguiu sua emancipação de São Vicente quatro anos depois, quando se tornou vila de São Paulo; Itabaiana, somente vinte e dois anos depois. São Paulo virou capital da capitania, ainda como vila, em 1669; Itabaiana abrigou capitães-mores, é bem verdade; mas, à época, sequer já tinha sido emancipada de São Cristóvão. São Paulo ganhou o status de cidade em 1711, no rastro da riqueza produzida pelo ouro; Itabaiana ganhou o status de cidade pelos nada nobres motivos acima citados, e somente em 1888. De qualquer modo, a data de 30 de outubro é a data magna de nossa história.

Parabéns, cidade de Itabaiana, pelos 341 anos de fundação!