quarta-feira, 16 de março de 2022

REINO DOS ABUTRES


Levado por um comentário do meu saudoso amigo Josenildo Pereira de Souza assisti, em 1994 Taras Bulba, filmaço! Em que pese não fazer parte dos grandes épicos de Hollywood.
Josenildo, fundador e primeiro presidente da CDL-Itabaiana, em 07 de outubro de 1989, véspera do meu trigésimo aniversário natalício (se foi intencional, não sei; mas se constituiu num grande presente à minha pessoa) havia migrado do ramo de varejista de tecidos (da sua loja, a Itapuã Tecidos), para uma locadora, ramo que também logo se desfez diante da digitalização e mergulho total nesse mundo fluído, onde as tecnologias só demoram meia hora. Consequentemente, sua linguagem saiu da milenar área da fabricação de roupas para a moderna da sétima arte: o cinema e suas fitas VHS para videocassete e suas locações de grandes filmes. O videocassete - o cinema familiar - teve clímax na década de 1990. Foi célere; mas tão vigoroso como nos idos dos 50 e 60 com as então raras, mas esplendorosas produções hollywoodianas.
Um dos frequentadores assíduos da locadora de Josenildo foi o atual deputado, presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, Luciano Bispo de Lima; e, amigo de Josenildo citou um filme que assistira na adolescência e muito o impressionara: Taras Bulba. Josenildo logo conseguiu encontrá-lo e pôr à disposição da clientela. Com inauguração da fita, é claro, por Luciano.
Eu também peguei a fita com a história de Taras Bulba, que, ademais, é a história do que é hoje a Ucrânia, só que na saída da Idade Média. E adorei a história; porém, mais pelo viés histórico. Se pouco hoje conheço sobre o mundo eslavo; em 1994 era quase zero.
Taras Bulba, o filme, romanceado, o que claro nem sempre é fidelidade histórica, contudo está na faixa de um Emiliano Zapata, ou de histórias mais comuns tipo E o Vento Levou, Dr. Jivago, Os Três Mosqueteiros, Guerra e Paz, A Missão e por aí vai.
Mas, vendo Taras Bulba (Yul Brynner) além do romance entre seu filho Andrei Bulba (Tony Curtis) e Natalia Dubrov (Christine Kaufmann) deu uma certa tristeza pelo futuro da Ucrânia, justo naquele momento - 1994 – de esfacelamento da União Soviética e “independência” de seus estados-membros, com um desorientado Bóris Ieltsin, perdido como cego em meio a um tiroteio a presidir a então CEI-Comunidade dos Estados Independentes.
A sinopse do filme é que os cossacos, que em turco significa “homem livre” se aliaram à Polônia para barrar a conquista pelo então terrível sultão turco, vencendo-o; mas, após a vitória, os poloneses traíram os líderes cossacos, matando-os quase todos, com Taras Bulba ainda jovem se safando; e deixando a atual Ucrânia e sul da Rússia debaixo de um governo tirano de Varsóvia.
Numa nova investida dos turcos, anos depois, o rei polonês se faz de bonzinho reconquistando a confiança dos bravos cossacos que, no entanto lhe devolvem a traição: ao invés de se somarem com as tropas polonesas contra os turcos, sob a liderança de Taras Bulba, aprisionam aquelas na cidade de Dubno. E aí vem o drama familiar envolvendo o filho de Taras Bulba e uma princesa polonesa, aprisionada junto com o exército, levando Bulba a matar seu próprio filho por traição. A maior parte do exército cossaco que havia desertado com a traição retorna, vence os poloneses e fundam um novo reino independente.
Em verdade, iniciou-se aí, formalmente a dependência política ucraniana em relação à Rússia, ao longo dos tempos sofrendo abalos de vez em quando, até hoje.
No entanto, se por um lado nunca houve unidade no Estado ucraniano em pertencer a grande Rússia; por outro lado nunca aproveitou sua posição no mundo russo de grande produtor de alimentos e acesso privilegiado ao Atlântico, mediante o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo, navegáveis o ano inteiro, ao contrário da restante enorme costa do Estado russo propriamente dito, de navegação sofrível ou inexistente nos invernos.
E é justamente essa insatisfação com Moscou que tem levado a Ucrânia a fragilizá-la ou isso tentar, servindo de célula inoculada de peçonha por Estados estrangeiros imperialistas. Nem se defende convenientemente; e acaba servindo de aríete para ataques maiores à toda Rússia.
Andaram dando uma mãozinha aos ingleses em 1854, na Guerra da Criméia; e em agosto de 1941 literalmente festejaram a chegada dos panzers alemães e as prisões em massa de russos eslavos e outros grupos, judeus e ciganos, inclusive; e só mudaram de opinião quando menos de 15 dias depois descobriram que, além serem enviados aos montes como escravos para a Alemanha, estavam sendo também exterminados pelos nazistas. O plano de Hitler era “limpar” a Ucrânia para recolonizá-la de “arianos” alemães. Russos de todas as nacionalidades, inclusive ucranianos, no máximo seriam aproveitados como escravos primários. 10 por cento de “sortudos”, talvez.
O cristianismo penetrou nas estepes pela Ucrânia. A primeira universidade russa foi a de Kiev, como no romance que gerou o filme de Taras Bulba.
A atual Ucrânia é o útero da Rússia civilizada; onde nasceu a civilização russa. Que, convenhamos, não tem sido devidamente cuidada e toda hora se rebela e resolve fazer um aborto radical.
Com hordas de abutres à espreita esperando carne fresca.
Em 1854 já era o financismo inglês por trás da carnificina da Criméia (turbinado pelo magnânimo sucesso na Guerra do Ópio, na China, onde nasceu o HSBC); hoje, uma vez mais a banca anglo-americana. Tudo o mais vem atrás.
Torçamos pelo menos pior.