sábado, 19 de abril de 2025

ARCO DE CULTURA E FÉ

 

O Auto da Paixão, começou como uma iniciativa para reviver um povoado estagnado; de onde todo mundo que podia – ou precisava – ir, ia embora: a minha velha Mangabeira, onde nasci e vivi até os cinco de idade, atual região sul, do atual município de Itabaiana.

Para ilustrar, em 1975, a SUCAM encontrou no povoado 195 residências, assim divididas: na Mangabeira de Baixo, entre o riacho do Chico José e o rio das Pedras, 22 unidades; na Mangabeira de Cima, onde se encontra desde 1950, a formação urbana, 138, dispersas em sítios; e 35 concentradas em torno da Praça, hoje denominada Alexandre Frutuoso Bispo, o fundador da mesma.

Aproximadamente 600 habitantes. Em 2005, no entanto, varredura do PCE-Programa de Combate à Esquistossomose, da Secretaria Municipal de Saúde de Itabaiana, e Ministério da Saúde, localizou 462 habitantes.

Insegurança; concentração de melhorias na cidade, e a natural busca por elas, completa o quadro de abandono da zona rural, não somente na Mangabeira; mas em todo o município, que passou de 84% da população municipal rural, em 1940, para 17%, em 1991, numa inversão completa.

Em 1990, segundo o anunciado durante o evento, na última quinta-feira, 18, veio a primeira apresentação. Amadorismo total.

Claro. É um espetáculo amador. Atores, diretores, contrarregras... somente sonoplastas e iluminadores, providencial ajuda do Poder Público municipal, são profissionais.

São pessoas, em esmagadora maioria, que passam o ano inteiro labutando em seus sítios, para ao fim da quaresma, mesmo com o veteranismo da maioria dos componentes, se prepararem para o grande dia. De fato, a grande noite.

O evento ganhou tal projeção natural que, fruto dos novos tempos, a Administração Municipal viu ali um motivo de mão dupla – benefício com contrapartida do reconhecimento – o que é natural; e em 2009 entrou no Orçamento da União, recursos para a construção do conjunto urbanístico, com anfiteatro, cujas obras se iniciaram em 2010. Todavia, a obra empacou; e só foi destravada pela administração municipal seguinte, que a concluiu, em 2014.

Porém, salvo raras exceções, são 35 anos de apresentação, todas as noites de Quinta-Feira Maior, como dito, com várias inclusões de novos artistas e defecções de outros, mas que em torno de 50% permanece desde o começo.

O espetáculo da última quinta, 17, manteve a linearidade própria de um drama, que está prestes a completar 2000 anos. Belo, muito bem executado; tradicional. E casa cheia. Como sempre.

Cena final: Cristo ascende aos céus na Mangabeira.

Efeito multiplicador

Malhada, ou malhador, como local de plantação é um termo antigo. Ao menos nos Açores já era praticada, antes mesmo do Descobrimento do Brasil por Portugal. Consistia numa área pré-determinada, em que se deixava o gado pernoitar por vários dias. Daí o nome malhada, pelo aspecto que adquiria após a saída do gado, e deixando, obviamente, coalhado de excrementos – fezes, e uratos da urina - vitais para fertilizar a terra para o plantio.

A Malhada Velha, após o riacho do Cipó (Çanguê em tupi), na franja sul das terras do primeiro itabaianense e sergipano de sangue europeu, Simão Dias, o francês ou mameluco – a Cova da Onça ou Jacaracica, hoje parte de Moita Bonita – certamente, guarda esses predicativos.

A efervescência cultural serrana, pós-BIENAL 2011; e o estímulo de um exemplo que deu certo - a Mangabeira - moradores do antiquíssimo povoado da Malhada Velha começaram também uma apresentação, que se manteve no mesmo formato, até o ano passado, e agora sofre uma radical transformação com a entrada da força da grana – e, ressalte-se, da boa vontade em bem aplicá-la – e o espetáculo acaba de mudar do tradicional, amador, na raça, para dar passos rápidos à profissionalização.

Ontem ocorreu a primeira apresentação em novo modelo. Eu não fui ver. Cansado de duas: a da Mangabeira, na quinta-feira, à noite; e a do Tabuleiro do Chico, da sexta-feira, às sete da manhã, minhas condições físicas de diabético me levam à contenção de qualquer arroubo. Ficou para o próximo ano. Mas já percebi os traços profissionalizantes, a partir da prévia cobertura da imprensa; e dos vídeos do tradicionalmente efêmero Instagram (belas imagens instantâneas, que quando se busca novamente, “já era”).


O Tabuleiro do Chico

No oeste do município, antípoda à Malhada Velha, está o Tabuleiro do Chico. De denominação recente, do último século. Inexiste no censo eleitoral de 1875, porém, por volta de 1930 já era assim conhecido, conforme informações da família Capitulino.

Recentemente, a comunidade religiosa do povoado, tradicionalíssima, como a vizinha Matapoã, resolveu seguir a Mangabeira e a Malhada Velha.

Ontem, Sexta-Santa, 18 de abril fui lá ver, pela primeira vez. 

Fiquei encantado!

A fórmula é a mesma que se repete, e repete, mundo afora; mas, o esforço amador, a energia, o denodo, aplicação, não fica nada a dever aos meus conterrâneos mangabeirenses; bem como a paixão com que o fazem. Perfeito!

Cenário simples, com alguns melhoramentos; adaptabilidade; coordenação exemplar. Estão de parabéns os tabuleirenses. Como diria meu pai, Alexandre Frutuoso Bispo: “Que Deus os conservem assim!”

Parabéns!

Cristo ascende aos céus, na última cena, no Tabuleiro do Chico.
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Tradição quebrada.

Um dia tudo e todos morrem. É a lei da vida: nascer, crescer, se reproduzir e morrer; e a Apresentação “do Campo” (estádio Presidente Médici, renomeado para Etelvino Mendonça), haverá de parar um dia; porém, causou um certo vazio no peito a ausência das multidões acorrendo ao Estádio para o último ato da Sexta-Santa, em Itabaiana.

O evento, criado pelas franciscanas, Irmã Caridade e Irmã Luciana Quaresma, dando direção espiritual à JUC-Juventude Unida a Cristo, da Paróquia de Santo Antônio e Almas, e abraçado pelo pároco de então, Monsenhor Mário de Oliveira Reis, na Sexta-Santa de 1977, e por todos os demais que o sucederam, apenas em três ou quatro oportunidades, teve breve solução de continuidade.

Mas neste ano se integrou ao projeto Malhada Velha II, a nova fase, deixando de ser executado.

De certo modo, a paróquia, que crava 350 anos de fundada, no próximo 30 de outubro, uma data magna, se ressente do tamanho da responsabilidade e das transformações do tempo, com encolhimento no quadro de paroquianos, seja por divisão de área de abrangência, seja por influências outras. 

A Paróquia, que foi criada há 350 anos atrás, com 3.500 quilômetros quadrados, do rio Cotinguiba ao Cansanção; do Sergipe ao Vaza-Barris, hoje se resume ao Centro da cidade: menos 1,8 km².

Atualmente, para realizar qualquer evento sofre as consequências com a exiguidade de obreiros. Até a instituição-mãe da cidade – a Irmandade das Almas – mais velha dez anos que a própria paróquia, teve de sofrer modificações no seu tradicional quadro de membros, tradicionalmente masculino, com o ingresso de mulheres para continuar a existir. Além de encolhimento natural, há cerca de cem anos deixou de trazer vantagens imediatas dela participar.

E assim, tomara que não, mas aquele esforço, daquela eletrizante geração de jovens, na qual me incluo, a fornecer mão-de-obra às sacras intenções das citadas irmãs missionárias, baldam-se aqui.

Irmã Caridade (in memorian), e Irmã Luciana Quaresma, criadoras junto à JUC da Paróquia de Santo Antônio e Almas, da Via-Sacra do Estádio, em 1977.

Epílogo

Todavia, o tradicional espírito religioso itabaianense, popularmente manifestado na Mangabeira por D. Maria Evangelista dos Santos e seu filho, Alexandre Frutuoso Bispo, com uma providencial mão de D. Zefinha de Gerino (Josefa da Cruz Santos, casada com Angelino Martins Santos), em 1949, e lá mesmo revigorado em 1990, com o Auto da Paixão, continua firme; e, o que é mais salutar: multiplicador.
O apoio oficial, especialmente do Poder Público do Município, através da Prefeitura e suas secretarias, sempre fará toda a diferença.