quinta-feira, 20 de novembro de 2025

"P'OFESSOR, CANTE SALVE LINDO."

 

Ontem, 19, foi o Dia da Bandeira. Símbolo cívico que, em geral, é mau usado; abusivamente usado.

Falsos patriotas vestem-na para fazerem lambanças; bandidos empunham-na para parecer fervor patriota; ‘goelas’ pregam patriotismo com ela, enquanto traem princípios, a que supostamente defendem; e tem a turma dos torcedores de quatro em quatro anos, mais fervorosos à medida que a bola entra na rede, do adversário; murchando, até desaparecer, quando em contrário.

Mas ontem esqueci essa galera, incluindo a caterva acima citada e lembrei de um patriota de coração: meu saudoso aluno, Valdileno Santana da Silva, ou Val de Dionetes; ou de Zefa de Dionetes, conforme o apelo popular de quem o citava.

Patriotismo nunca foi o forte do brasileiro, sempre comandado por uma elite colonial, que detesta o país, em que pese dele se nutrir há cinco séculos, e que por isso está muito distante de infundi-lo – o patriotismo - pra valer no populacho.

Parte indissociável da identidade de uma pátria, os símbolos nacionais têm servido a meros protocolos hipócritas, mesmo assim, só se tornando frequente com alguma medida de força.

Nas escolas, por exemplo, foi parte do nacionalismo na marra da Ditadura do Estado Novo, reforçado pela ditadura civil-militar de 1964. Que terminou em 1985, depois de 21 anos.

A escola, até fins da década de 1970, tinha o salutar hábito de cantar um dos principais hinos, em geral, antes das aulas; e, em 19 de novembro de 1973, aos treze anos, um mês e onze dias de vida, pasmem: eu estava professor. Um guri ensinando outros guris. No povoado Caroba, extremo sul do município de Areia Branca, que foi parte de Itabaiana, há dois séculos.

A falta crônica de professores, em geral levava comunidades inteiras a se valer de quem simplesmente sabia ler e escrever para servir como professor dos filhos. Crianças, como eu, inclusive.

O dia 19 de novembro de 1973 caiu numa segunda-feira; porém, antecedido pelo 15 de novembro, na semana anterior, comecei já na segunda da semana anterior a ensinar aos meus guris, o Hino Nacional, e o Hino à Bandeira.

Val, nos seus nove anos logo se apaixonou pela melodia e letra do Hino à Bandeira. Meio tímido, mesmo falando com um menino maior, mas preservava a ritualística do relacionamento mestre-pupilo, que era lembrado em casa, ao sair para a aula. Notei que estava querendo algo, porém sem querer dizer. Foi então que me dirigi até ele e perguntei o que desejava.

Val corou, olhou os outros, meninas e meninas ao redor; criou coragem e respondeu em forma de pedido, evidenciando sua natural dificuldade em pronunciar o encontro consonantal “pr”: P’ofessor, cante Salve Lindo!

Cantamos o Salve Lindo até o fim do ano, já próximo, quando me despedi deles e de um dos lugares mais mágicos e simples, em que tive o prazer de viver.

Mas aquele apelo jamais saiu de mim. Mesmo quando cerca de 15 anos depois soube de seu falecimento num acidente.

Sou apaixonado por gente.

Em 2007 estive no mesmo local de minha experiência mágica. Ali, escombros da velha casa, que um dia me serviu de escola; traços nos entulhos marcados pela linha amarela, e as lembranças dos meus 21 alunos, cuja lista de chamada ainda preservo, 52 anos depois.