segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

MUSIQUINHA DE VÍDEO GAME.

Pois, que aproveitará a um homem ganhar todo o mundo, se vier a perder a sua alma? (16 Mt, 26)

Fotograma da cena de O Último Grande Discurso, de O Grande Ditador, em montagem com o mundo dos games, a princípio um inocente passatempo; mas que, parece, com consequências profundas.

"Meu moleque, é inteligente!" Dizia-me um velho amigo em fins dos 90, sobre um filho, então fera no vídeo game.

Ora, “não sois máquinas; homens é que sois”, dizia o Adenoid Hynkel, personagem de Charles Spencer Chaplin, o eterno Carlitos, no Grande Discurso do filme o Grande Ditador, 1940. 

E, a máquina, por mais sofisticada que um dia venha a ser, jamais atingirá a capacidade humana. 

Exceto, se num processo de inversão, ela tornar toda a humanidade limitada como ela. Emburrecida.

A Feirinha de Natal, há um século realizada. Inicialmente com efêmeras apresentações das nossas bandas, incorporaria a presença de som eletrônico a partir de 1954, e ainda hoje indissociado em cada edição anual.
Acima, em foto de Percílio Andrade, a realização na Praça Fausto Cardoso;
Embaixo, repetição da cena, cem anos depois, no último fim de semana.

De casa, 300 metros em linha reta para a Praça Etelvino Mendonça, onde está a Feirinha de Natal, desde 1970, ouço musiquinhas lá tocadas, todas fanks ou fankeadas, cariocas, obviamente; umas “criações” originais; outras, “estupradas”, como a tristíssima cópia da lindíssima “Sálvame” do grupo mexicano RBD.
Aí não tem jeito de não partir para o comparativo; para o saudosismo; de quando eram lançados os ricamente arranjados e produzidos discos de Roberto Carlos e a reca de excelentes artistas que o seguia nos lançamentos de fim de ano, na Feirinha, entre “um alguém de camisa listrada, para outro alguém, morena, trajando macacão jeans, a música que segue”. É! Eram assim os “presentes musicais”; os oferecimentos aos candidatos ou candidatas à paquera. E a feirinha de Natal era campo de caça ao sexo oposto.
A dita música, literalmente uma espécie de "samba de uma nota só", repete ad nauseam, palavras e curtíssimas expressões, quase sempre chulas, no mínimo vazias, torpes, paupérrima. Dignas de cérebros de minhocas.
Nada de produções, como a original da citada “Sálvame”, ou da repetitividade criativa do Bolero, de Ravel; de fato, é daquelas musiquinhas irritantes de vídeos games mesmo, de desde os anos 1980. Só para manter o foco num parâmetro único. Atrofia intelectual. Emburrecimento, ao contrário do que apregoava aquele meu amigo, embevecido com a “inteligência” do filho em ganhar todas, contra uma máquina, muito mais elementar que as de hoje. Abuso da Programação Neurolinguista(PNL). Infelizmente, nas últimas quatro décadas, as massas foram programadas neurologicamente com os repetitivos toques dos joquinhos.
E no último sábado, além da sofrível trilha futurista, seguindo a linha, mais um show ao vivo até as cinco da manhã. Palavrões, revoltas sem revolta, escandalizações gourmet, insinuações sexistas, e a mesma pegada na batida eletrônica do “samba de uma nota só”. Mais vídeo game.
Em resumo, concluo que a musicalidade atual é fruto da quebra do sistema de produção e distribuição de música, ajudada pela padronização neuropsicológica do massivo uso do vídeo game (desde os poderosos, conectados às TVs, aos portáteis, pequenos) e suas malditas musiquinhas de uma nota só. Todo mundo desaprendeu a ouvir sons mais complexos, ricos e harmoniosos.
Estamos nos rebaixando às máquinas.
Praça Etelvino Mendonça, início dos 90, pouco antes da pavimentação. O serviço de som sempre presente, na Feirinha, repetindo o modelo dos programas de rádio da época, trazia sucessos e "flashbacks", que eram oferecidos, em geral e anonimamente pelos(as) paqueradores(as) aos paquerados(as), também anônimos. As músicas, claro, eram as melhores, harmoniosas, letras tocantes, bem tocadas, bem cantadas e bem gravados. Vez em quando, raramente, podia sair um gracejo. Mas só como um tempero e sob risco de censura da galera.