sexta-feira, 7 de março de 2008

Pô! Isso é Sabotage!

Tudo que muito brilha costuma logo se consumir. Seu clarão, contudo, como um flash, de tão intenso permanecerá impregnado nas mentes, às vezes de gerações que lhe são sucedâneas; e quase nunca será esquecido. Eis a diferença entre um medíocre e um maluco beleza.
Em meados dos anos 70 eu manjava muito pouco de inglês; quase nada. Como hoje. Mas adorava a sonoridade da música americana e inglesa mesmo não achando muita graça nas letras da maioria das músicas que conseguia entender.
Que me lembre, a primeira música em inglês que me tocou profundamente foi a oração de George Harrison “My sweet Lord” que ouvia extasiado em 1971, logo após a banda da qual participava, a inglesa The Beatles ter-se desfeito.
Naqueles meados dos 70, a descoberta de um novo mundo com o ingresso no antigo curso ginasial, ora recém incorporado ao Primeiro Grau, e que obviamente me trouxe a residir na cidade também me enriqueceu de aporte maior de musicalidade, boa parte, diga-se de passagem, lixo cultural americano. Porém, junto com ele também veio um certo refinamento, inclusive na MPB e em 1979 eu ingressava no rádio num ramo da profissão que estava com os dias contados - a de discotecário. Pouco tempo depois o pragmatismo comercial acabou com várias funções dentro do setor dentre as quais as de redator e de discotecário.
Bem, mas naquele final dos 70, depois do saboroso estágio como ouvinte assíduo da Paradinha do Chicão na sergipana Rádio Atalaia, ampliei meu conhecimento com uma galera nova; que transava MPB refinada e principalmente, Rock n’ Roll.
A Rádio Mundial do Rio de Janeiro já estava em frangalhos, mesmo assim eu me esforçava todas as tardinhas para ouvir com chiados e fugas de sinal o programa “Vôo Livre”, de segunda a sexta e aos sábados, um sucessor do legendário “Big Boy” transava o “Cavern Club”: Uma hora do mais puro Beatles forever. Foi aí que um colega de Correios, o João Vieira de Resende teve a idéia de criar algo parecido na Rádio Princesa da Serra. A idéia pegou graças a um pouco de “irresponsabilidade” do diretor administrativo da Rádio, o também colega de Correios Juarez Ferreira de Góis, em admitir uma “maluquice” daquelas; e lá se foi o Beatlemania pro ar. O zelo de minha mãe em guardar tudo, por menos relevante que seja me reporta aos 11 de agosto de 1979. Eu era apenas o produtor do programa, todavia, por insistência do diretor administrativo acabei também ao microfone. Logo se fez o fã club: os logo depois colegas de rádio Genário Santos e Jeová Francisco entre outros e... Adelardinho.



Musicalmente e em termos de acervo Adelardinho nos humilhava com sua discoteca de já mais de 1000 discos com o melhor do que havia em rock nacional, MPB e todas as variedades de Rock americano e europeu que então existia: Hendrix, Joplin, Dylan, Led Zeppelin, Pink Floyd, Genesis... Incontáveis. Inclusive uma coleção completa dos Beatles. Juntos, eu e João Vieira havíamos levantado apenas seis discos dos quais um era uma imitação. E foi que irritado com a “profanação” Adelardinho aparece no terceiro programa, aos 25 de agosto com pelo menos seis discos que nós não possuíamos até então. Doravante tornou-se uma constante. Todos os sábados, assim que terminava a transmissão da Missa da Matriz de Santo Antonio, lá estávamos nós: João Vieira, eu, Adelardinho e Pedão a fazer o Beatlemania. Três meses depois, já que “estava na chuva” negociou-se com Juarez o alongamento do horário com a criação do programa Sábado Som. João Vieira ficou como apresentador enquanto Adelardinho era o produtor e provedor musical. Rolou naqueles tempos o que havia de melhor em música. O programa era dele. Mas naqueles tempos somente seus discos apareciam além da citação de seu nome pelo João.
Logo se evidenciou uma característica de Adelardinho: o zelo extremado por seu acervo. Pedão, de boa cepa dos curtidores de música e cuidadoso com tudo que dizia respeito à reprodução de som logo foi desautorizado a por e tirar os discos de Adelardinho do prato; do toca-discos. Era o próprio quem o fazia e a Pedão ficou reservado apenas o “direito” de colocar a agulha no ponto certo, dar a partida no pick-up e pará-lo quando a música terminava. Essa ritualística o acompanhou até antes de ontem.
Não lembro quando o Sábado Som acabou. Sei apenas que a minha participação no Beatlemania, embrião do dito Sábado Som e depois do até recente “Sabotage’ acabou um ano depois, por volta de outubro de 1980. Forçado a ficar por fora durante algum tempo, o “Fi do Canço” voltou com a Princesa FM no início dos anos 90 e até agora.


Não sei se dá ou não pra prantear tal perda, e a gente fica lé-lé com o atropelamento dos fatos, obviamente numa espécie de limbo mental. Sonâmbulo. É cedo pra mensurar o tamanho do buraco que se cria no pouco de bom gosto musical que ainda se acha por aqui. Mesmo sem cair na cilada das lembranças do velho e bom companheirismo. Tá tudo muito nebuloso. Mas que foi uma baita “Sabotage” a partida de nosso “Maluco Beleza” Adelardo Jose de Oliveira Junior, o Adelardinho, isso foi. A perplexidade no remete à pergunta: "Pô, assim? Sem mais nem menos?" Em momentos como esse nos brota até uma espécie de sentimento de tirania tardia do tipo: “você está proibido de morrer.”

Mas...
É isso aí, cara! Valeu.



Despreendimento I


Em 1999, quando a revista Perfil parecia sofrer solução de continuidade fui instado por um amigo a me associar ao projeto, ajudando-o na sua continuidade, e indiquei a pessoa de Adelardinho como vendedor das publicidades, um item que estava a tirar o sono do dono da revista, o Honorino Junior. Eis que lá se foi Adelardinho cair em campo. Vendeu que foi uma beleza. Já por volta de 2003, depois da minha saída da revista encontro o Júnior chateado. É que Adelardinho, segundo ele, não estava querendo ganhar mais dinheiro aproveitando a boa maré da revista pra vender ainda mais. Explicação de Adelardinho: "Eu tenho cinco mil CDs e compreio-os para ouvir. Tenho, portanto, que ouvir ao menos quatro por dia." E finalizava: "Júnior (da revista) quer me dar prejuizo, é? Onde já se viu dar vinte contos num CD e não ouvir?"

Despreendimento II
Telefono pra Jamisson Machado do itnet no terceiro ou quarto mês de operação do provedor. Adelardinho então não saía da cola de Jâmisson que entre outras coisas estava digitalizando algumas música que ele não havia reencontrado em CD. E que atende ao telefone? Adelardinho. "Jâmisson tá cagando!" Foi a resposta. Isso antes mesmo que reconhecesse quem estava do lado de cá.