terça-feira, 7 de julho de 2009

Sergipe... Independente?



Faz 189 anos hoje que D. João VI mandou recriar a Capitania de Sergipe, incorporada à da Bahia assim que a administração central da colônia Brasil mudou de vez para o Rio de Janeiro.
De desenvolvimento lento, tardio até, Sergipe só veio alcançar algum progresso ao fim do século XVIII, quando a economia açucareira fez valer o seu peso. Isso facilitou a “reconquista” baiana, que levaria um século, a partir da dominação holandesa até as reformas do Marquês de Pombal. Em 1799, quando recomeça a ter força o movimento independentista, Sergipe já contribuía, conforme a professora Maria Thétis Nunes, com um terço de todo o açúcar exportado em Salvador; todavia, era obrigado a receber menos, numa forma de sujeição nada sutil(1). Essa rebeldia, contudo, não se faz sentir de modo estruturado, forte, e como um produto de toda a sociedade sergipana; e sim, de personagens isolados, quase todos sem força alguma para lutar contra aquela que era então a mais rica e influente capitania da colônia. Houve um momento em que a Bahia incorporava desde o Espírito Santo até Sergipe.
O ato de independência de Sergipe parece ser fruto dos seguintes fatores: a importância da produção açucareira, a tímida luta do funcionalismo público em São Cristóvão e a vontade dos itabaianenses, a política de D. João VI de enfraquecer os liberais estabelecidos em Salvador reduzindo-lhes o poder de fogo com a separação de Sergipe. Conta também o desejo geral das gentes do interior, quase todos criadores e pequenos produtores de alimentos, principalmente de Lagarto, além de Itabaiana, é claro. De maior expressão mesmo, só Jose Matheus da Graça Leite Sampaio, senhor de engenho da Penha(2), criador de gado e capitão das ordenanças, nomeado por Carta Patente de 13 de agosto de 1805(3).

Herói esquecido.

Não fosse Itabaiana, por seu capitão de ordenanças Leite Sampaio e Sergipe hoje seria, no máximo como a região da Capitania dos Ilhéus: uma província do Estado da Bahia, recheada de fazendas de plantation do cacau e pobreza disseminada. Foi daqui que partiram os primeiros atos de resistência em eco ao reduzido funcionalismo público da capital, São Cristóvão.
De Leite Sampaio, além do resgate histórico que hoje se processa, não restou mais que sobrenomes em descendentes, muitos dos quais sequer tem noção da importância dele, e um símbolo que o tempo ainda não conseguiu apagar: a majestosa igreja do finado Engenho da Penha, no município de Malhador, já próximo a Riachuelo.

Velha dependência

A mais eficiente forma de dominação é a que é feita seguindo “a conquista pelo coração”(*) conforme dizia Joseph Goebbels, o grande marqueteiro de Hitler. A cultura é indiscutivelmente a melhor forma de dominação de um povo por outro.
Como um lugar que, apesar de tudo, não conseguiu sua identidade cultural, Sergipe abandona suas verdadeiras raízes para se apegar a falsos ícones que são pertinentes, em sua maioria, à mesma Bahia que ainda hoje se ressente da “colônia” perdida.
Até mesmo em Itabaiana, epicentro do movimento independentista, uma vistosa propaganda de uma festa tipicamente baiana anunciava neste último mês de abril, como se a maior vantagem: Micarana, a festa que é Ita e “é baiana”. As paredes da Igreja da Penha (hoje município de Malhador), onde possivelmente Leite Sampaio deve estar enterrado, deve ter ganhado algumas fissuras com o mesmo se revirando na cova. Isso, todavia, apenas repercute o que ocorre na capital, Aracaju, onde o maior evento do Estado ali realizado é... uma festa baiana.
Quando governador do Estado, Albano do Prado Pimentel Franco – 1995 a 2002 - foi acusado por muita gente de transferir ou fazer corpo mole diante da transferência de várias sedes institucionais de Aracaju para Salvador. Jose de Barros Pimentel, de onde vem o Pimentel de Albano, foi ferrenho opositor à idéia de Leite Sampaio de tornar Sergipe independente da Bahia. Quando descobriu que a independência era acima de tudo por vontade do Rei, mudou de tática, se aproximando do General Labatut e por ele dando um golpe na primeira Junta de Governo Provisório cujo presidente era Leite Sampaio, tornando-se ele, Pimentel, o presidente da mesma Junta.
Diante de uma crônica falta de uma política sergipana de desenvolvimento, com punguismos em idéias alheias, muitas vezes contrárias ao nosso estilo de ser, e com a falta de rumos de uma política cultural, de uma identidade, fica a pergunta: é Sergipe um Estado realmente independente?
Não há nada que sintetize o ser Sergipe. Nossas festas são imitações de centros maiores na região Nordeste e até além; nosso futebol é uma caricatura; outros esportes, quando sobressaem são ocultados ou decantados em vazias declarações de amor que não sobrevivem à primeira crise; nossa economia vive a reboque de pensões e aposentadorias, e repasses (nem todos são devidos ao petróleo que temos em nosso subsolo).
Vivemos séculos dependendo de um item primoroso no desenvolvimento de qualquer lugar com acesso ao mar: um porto. Ele finalmente veio. E é só isso?
Somos um Estado ainda agrícola, em que pese termos hoje relativamente pouca terra pra cultivar, dado o tamanho do Estado e a peculiaridade de seu clima seco em sua maior parte. Somos o menor em tamanho no país, todavia vivemos fazendo um esforço tremendo pra nos mantermos entre os quatro mais ricos per capita do Nordeste. Ainda exportamos gente tal qual vimos fazendo desde 1700.
...
(1) A cultura das cannas de assucar da Capitania he estabelecida principalmente no denominado Reconcavo desta cidade, e nas costas dos certões da Cotinguiba na comarca de Sergipe ao Norte da Bahia, onde contudo as terras e os assucares n'ellas fabricados, são de inferior qualidade e até por lei valem na praça hum tostão de menos os respectivos ferros ou taxas legaes da Inspecção ainda que aliás sejão ordinariamente bem alvos, porém destituidos da grá que constitue a força e á consistencia deste sal.
DESCRIPÇÃO da cultura da Capitania da Bahia, em cumprimento da ordem regia de 4 de janeiro de 1798. Pelo Secretario da Mesa da Inspecção da Bahia, José da Silva Lisboa. (Annexa ao n. 19.238) In Inventário dos documentos relativos ao Brasil no Archivo da Marinha e Ultramar, organisado por Eduardo de Castro e Almeida, pte IV. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Vol. 36, p.121. Rio, 1914 (30/03/1799).

(2) REQUERIMENTO de José Matheus da Graça Sampaio, em que pede a medição e demarcação das terras do seu engenho denominado de Sant'Anna, situado nos limites de Cotinguiba e que havia comprado ao Tenente Coronel Jose Luíz Coelho Campos e de que fôra primitivo instituidor o Padre Manuel Carneiro e Sá. (sem data, 1787). In Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. 34, p.70. Rio, 1912.

(3) CARTA patente de 2ª via que o Governador Francisco da Cunha Menezes mandou passar a Jose Matheus da Graça Leite Sampaio do posto de Capitão-mór do Terço das Ordenanças da Vila da Itabaiana, vago por fallecimento de João Nepomuceno Regalado Castello Branco. Bahia, 13 de agosto de 1805. In Inventário dos documentos relativos ao Brasil no Archivo da Marinha e Ultramar, organisado por Eduardo de Castro e Almeida, pte V. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol.37, p.359. Rio de Janeiro, 1915.

(*) Filme-documentário A Força da Vontade, Filme de Leni Riefenstahl.