terça-feira, 2 de setembro de 2008

Certas coisas.

Que o primeiro grande político foi a serpente do Éden, disso ninguém pode ter dúvida. Que todo político tem, por natureza, o dom do disfarce, também. O que se espera de um político é que use essas armas de forma construtiva; para o bem comum. Já que, quanto mais restritos os benefícios menor é o tempo de suas existências. Trocando em miúdos, benefícios a um país inteiro demoram décadas pra decair; para grupos restritos, talvez um mandato; e para o cabeça e seus imediatos, não vai mais que vinte luas.
Tenho me debruçado sobre um aspecto da vida administrativa pública de Itabaiana nestes últimos dez anos e visto com relativa preocupação que nada foi feito ou tentado para resolver um vício crônico nascido nas primeiras fazendas de gado por volta de 1620.
Em 1999 fiz um estudo sobre os sete municípios da região do Agreste de Itabaiana, e demais, outrora dentro do município original totalizando quatorze. Parte deste estudo foi publicado na Revista Perfil. Para nossa surpresa, o município-pai era então quem tinha a menor arrecadação per capita chegando a quase metade do penúltimo colocado, São Domingos. Dez anos depois e esse quadro não mudou e, estudos posteriores vêm nos mostrar que ele acompanha a história do município há pelo menos um século e meio, comprovadamente.
Em 1859, naquilo que era conhecido como décima urbana – algo como IPTU atual - o município de Itabaiana arrecadou míseros 3$400 (três mil e quatrocentos réis) num quadro onde o segundo pior desempenho foi o de Santo Amaro das Brotas com 9$482; Lagarto, 11$660; Porto da Folha, 22$378; Espírito Santo (Indiaroba atual) com 35$156; Divina Pastora, 38$169; Simão Dias, 46$036; Rosário do Catete, 131$285; Capela, 174$630; Aracaju (quatro anos de idade), 233$901; São Cristóvão, 238$452; Vila Nova (Neópolis), 306$305; Estância, 589$974; Laranjeiras, 1.437$156(um conto, quatrocentos e trinta e sete mil e vinte e oito réis); e Maruim, 1.454$028. Dos então dezessete municípios, em dois, Campos (Tobias Barreto) e Itabaianinha não houve recolhimento. Dos então 15 em que houve recolhimento Itabaiana ficou com um terço do segundo pior colocado e a 0,23 por cento do melhor colocado, Maruim. È importante frisar que a Vila de Santo Antonio em pouco estava diferente de quando seus primeiros vereadores por aqui se reuniram; ainda em 1698, exceto pelo aqui já centenário imponente prédio da Matriz, construído em 1761. Nas rendas gerais, em 1859, entretanto o município aparece bem melhor em relação aos demais devido ao enorme número de abates aqui realizados (o município ainda se encontrava integral, do Cafuz ao Jeremoabo, por entre os rios Sergipe e Vaza Barris). Entre heranças e abates foram recolhidos 2.223$520 réis (dois contos, duzentos e vinte e três mil e quinhentos e vinte réis). O segundo município a melhor arrecadar no mesmo tipo de imposto foi Estância com 1.935$242. Grosso modo, essa última modalidade de imposto correspondia ao ICMS e ITBI atuais. Em 1859 Itabaiana foi o quinto município em arrecadação geral ficando atrás da capital, já em Aracaju; de São Cristóvão, de Maruim e Laranjeiras. Entretanto, trinta anos depois, em 1889, ano da Proclamação da República, nos impostos gerais o município de Itabaiana aparece como o 14º no Estado entre os vinte e sete em arrecadação com 4.215$001. Em 1899, o município havia caído para a 16ª posição entre os 33 municípios com 13.963$843. Em 1914 aparece como o 13º. Lembrar que o município da capital, Aracaju, sozinho foi responsável por 56 por cento da arrecadação de 1889; de 65 por cento em 1899; e 61 por cento em 1914.
A conseqüência disso é a falta de investimentos e necessidade redobrada de os administradores não dormirem no ponto quando se trata de recursos externos e a custo próximo de zero; nem fazerem extravagâncias como contratar funcionários além do estritamente necessário.
Do ponto de vista do investimento Itabaiana é uma das poucas cidades de Sergipe que ainda tem cinqüenta por cento de sua malha urbana sem sequer contar com calçamento. O crescimento da cidade explode. Mas as administrações não conseguem acompanhar. Outro dado preocupante é que o aglomerar de residências na zona rural vem fazendo surgir verdadeiras cidadezinhas isoladas sem benefício algum. Bolsões de miséria por mais que seus habitantes tenham boas condições individualmente.
Cronicamente as administrações municipais – exceto na fase euclidiana, especialmente entre 1952 e 1964 – sempre teve dificuldade pra fechar contratos federais por absoluta falta de dinheiro para as contrapartidas. Somente uma reengenharia gerencial, profunda e cuidadosa poderia atenuar os problemas derivados da cultura do não recolhimento de impostos. E aí, a cidade em que se negocia casas de valor superior a situação similares da capital possa ter rendimento pra investimento como deve. Caso contrário, o estilo mercadão continua: de dia ganhar dinheiro; pela noite, ir embora pra casa (a capital do Estado).
Itabaiana oscila entre o terceiro e o quinto pior município do Estado pra se administrar no que toca a arrecadação de dinheiro média por habitante.
Certas coisas nunca se deve comentar; e em eleições, delas sequer se deve lembrar. Mas depois, não dá pra delas descuidar.

Fontes:
Relatórios provinciais de governo. Vários. 1835-1888; e estaduais, 1906-1918.
FREIRE, Laudelino. Quadro Chorographico de Sergipe. H. Garnier, livreiro editor. Rio de Janeiro, 1902.
Livros de Tombo da Câmara Municipal de Itabaiana. Leis. Várias.
Banco de dados da Secretaria do Tesouro Nacional e da Secretaria de Fazenda do Estado de Sergipe.