domingo, 16 de dezembro de 2007

Parindo velhos vícios

Termina neste domingo, 16 de dezembro, a temporada de festas alusivas à santa católica Nossa Senhora do Bom Parto na Matriz de mesmo nome, aqui na Itabaiana.
Como sempre, uma festa bonita - mesmo para incrédulos como eu – com muita gente exercendo seus êxtases espirituais baseados na fé, enfim, a extensão da alma levada ao mais alto nível.
Por trás do êxtase da esmagadora maioria, todavia, ergue-se, projeta-se, e por isso acabam sobressaindo as velhas manias patrimonialistas de apropriar-se, em nome próprio, de alguém ou de um grupo, de determinada situação. E por mais que alguém tente aplainar os picos de insensatez, como se diz no ditado popular, “não se esconde o diabo deixando de fora o rabo”.
Chamou a atenção um detalhezinho, pequenino, quase nada. O cartaz da festa, peça publicitária obrigatoriamente bem elaborada, portanto bem pensada, não traz em sua frente nenhuma alusão à Prefeitura Municipal de Itabaiana, parte integrante, também quase que obrigatória em todas as festividades desse tipo e em todas as administrações desde 1698. Ali estão, contudo, e com justiça, uma quantidade quase visualmente poluente de marcas empresariais que patrocinam o evento. Em compensação, foi feita uma grosseira promoção pessoal de três políticos e, até a compensação tentada no verso do cartaz – onde aparecem as informações adicionais – usou o nome da Prefeita e não o da Prefeitura como seria o correto. Óbvio, neste caso pode ter se tratado realmente de uma doação pessoal da cidadã, já que ali aparecem os nomes de outras pessoas do povo. Rumores dentro da comunidade católica afim, contudo, demonstra claramente que houve proposital esquecimento da marca da Prefeitura Municipal como co-patrocinador da festa. Isso é ruim. Demonstra que costumes que se tenta banir, neste caso o da apropriação de um bem público, a religião, continua em alta por aqui.

A religião e o voto.

Política e religião têm muito mais a ver do que se imagina em nosso município. Por origem, a própria região eleitoral foi estabelecida pelos portugueses ainda nos tempos coloniais partindo da área da Freguesia católica. Em geral essa área se confundia com o próprio município. O município de Itabaiana, por exemplo, foi dividido por muito tempo apenas com outra freguesia que não a de Santo Antonio que foi a de Nossa Senhora da Vitória de São Cristóvão, cuja área passou depois para a Freguesia de Nossa Senhora do Socorro, ou seja, toda a área compreendendo o Vale do Cotinguiba desde o povoado Jurema, vizinho à Usina Pinheiro até as serras, incluindo aí as atuais Areia Branca e Malhador. A maior parte dos senhores de engenho da Itabaiana, portanto, votavam no município de São Cristóvão. A família Franco, inclusive.
A carnificina de outubro de 1848 ocorreu em frente à Matriz de Santo Antonio, pois era ali que se realizavam as eleições. Aliás, era o único prédio digno de respeito na atrasadíssima vila. Foi também na Matriz de Santo Antonio a confusão com o Padre Vicente de Jesus que resultou na morte do avô do radialista Francis de Andrade, já em fuga, na esquina da Rua General Siqueira, em frente à casa da prefeita.
A religião, até o advento do rádio – a primeira grande forma universalizada de comunicação - foi o único sustentáculo de controle social - exceto à força - leia-se dominação. Isso leva muita gente ainda a usá-la como meio de campanha política, mesmo que subliminar, ou no mínimo por mera birra.
Na primeira metade da década de setenta do século que passou o padre Monsenhor José Curvelo Soares, quase ao apagar das luzes de seu mandato na Paróquia de Santo Antonio conseguiu romper um círculo vicioso que se arrastava desde os tempos coloniais, qual seja o de ter como patrocinadores da Festa de Santo Antonio, famílias ou pessoas poderosas da sociedade local, tornando-a assim, motivo de fortes disputas entre famílias de mesmo grupo político; e extremamente acirradas entre famílias de grupo rivais. Desde então, os ditos patrocínios recaem em entidades que, mesmo ainda contaminadas com o interesse político partidário reduziu bastante estas nefastas interferências na festa do dono da cidade de Santo Antonio e Almas da Itabaiana.

Obs. Antes que alguém estranhe o fato de sempre falar Itabaiana como “a” Itabaiana, venho esclarecer o seguinte: antes de Itabaiana, originalmente Vila de Santo Antonio, vilarejo sem importância alguma por séculos, vem a Itabaiana, a região importante, rica e cobiçada, onde se assentam vários municípios. Logo, ao me referir à atual cidade o artigo desaparece. Quando o assunto transcende ao sítio urbano, obrigatoriamente há a necessidade da aplicação do artigo, já que se trata de uma região geo-política que ultrapassa em muito, até mesmo os limites do atual município.