quinta-feira, 25 de março de 2010

A encenação da Paixão de Cristo na Mangabeira. 1 de abril.

Eu soube através do então vereador João Alves dos Santos – João Patola – ainda em 2001, e, suspeito, pelo natural envolvimento emocional, custei a acreditar que no lugar onde nasci, por uma iniciativa completamente isenta de influências externas, as novas gerações de moças cantoras de benditos resolveram encenar a Paixão de Cristo. Seu Lixande de Zé de Bomfim aprovaria, com certeza. Além de tanto gostar de rezas... é na Mangabeira. E é fruto do que ele plantou quando ergueu com ajuda de outros moradores a primeira capelinha, e onde tantas noites de rezas fez, e onde por décadas, moças e senhoras – alguns marmanjos, também - de voz firme, mesmo depois de um dia de labuta vigorosa no campo tem se postado na hoje igreja nova (que tem mais de trinta anos) para repetir as novenas de Senhora Santana. Os benditos não são mais aqueles que ouvia extasiado quando menino - e que um dia ainda verei transformado em obra de arte sacra musical – mas a mesma devoção lá permanece. E lá estão as novas gerações dos troncos da época: Martim de Cuta, Zé de Donata, Martin do Forno, Justino e Angelina, Bento, Rufino, Clotilde, Zé Roque... é tanta gente que nem mais me lembro. Alegra-me muito em saber que não se contaminaram com modernismos a ponto de esquecerem as tradições de trabalho, honra, honestidade e de fé.
Há certos povoados de Itabaiana que engrandecem a alma do município, exatamente por manter viva a chama que fez deste um lugar de progresso assim que as estradas chegaram. A Mangabeira é um deles. Pode-se listar também a tradicionalidade do Zangue, da Cajaíba e da Matapoan, a velha “Moitapã”, entre outros.

O povoado.
A Mangabeira é um dos povoados de formação mais antiga dentro da Itabaiana. Apesar de seu crescimento populacional e conseqüente ocupação territorial somente se dar já no século XX, Lima Júnior descobriu-lhe o princípio da devoção de Santa Ana já em 1744, quando foi doado o Sítio Mangabeira à capela do Senhor Bom Jesus do Matozinhos e sua associação a uma segunda, a de Santa Ana, que de fato não existiam fisicamente, funcionando de início e provisoriamente na mesma capela de Santo Antonio e Almas, na então Vila de Itabaiana.
Os doadores do sítio residiam no Boqueirão, hoje município de Areia Branca, local por onde também passa a estrada colonial para São Cristóvão. A Mangabeira foi sítio de Antonio Rodrigues de Souza que o vendeu aos doadores à capela de Santa Ana, o alferes Antonio Machado Mendonça e sua esposa Francisca Gomes de Oliveira. Não tendo desenvolvido logo, perdeu-se a documentação e tudo o mais referente à tentativa de criação de mais uma irmandade católica na Itabaiana. A devoção a Santa Ana, contudo ficou, tendo sido resgatada nos anos 40 do século XX pelo meu saudoso pai, Alexandre Frutuoso Bispo. Infelizmente, a pequena imagem barroca do século XVIII, substituída no altar da nova igreja construída no povoado foi roubada da casa de minha mãe em 1992 e nunca foi encontrada.
Em mapa de 1640, os dois ramais internos às serras da estrada colonial de São Cristóvão quase se tocam na Mangabeira. Um, que passa pelo Forno e diretamente para a sede de Itabaiana, vira ali para o sudoeste até atingir a Ribeira, e de lá, por trás da serra da Cajaíba ruma para São Cristóvão; o outro, que parte do primeiro no hoje povoado de Cajueiro vem rumo norte até um morro ao fundo da capela de São Francisco, no Gandu, próximo ao Parque dos falcões. O povoado, contudo, não aparece em nenhum documento histórico, salvo o descoberto por Lima Júnior, antes de 1900. O meu avô paterno instalou-se no local onde hoje está a pracinha por volta de 1910. E foi o único morador por quase dez anos.
Chega-se à Mangabeira por estrada de terra com início na BR-235, altura do quilômetro 41, no povoado Rio das Pedras, próximo ao quebra molas e daí pela sobredita estrada por 3,2 quilômetros até a pracinha do povoado, onde fica a capela e onde será encenada a Paixão de Cristo a partir das 19:00 horas deste 1° de abril.

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LIMA JÚNIOR, Francisco Antônio de Carvalho. Poeira dos archivos. Mais dous Patrimonios. Diário da Manhã, Aracaju, 31 de dezembro de 1926, p. 2.